Protestos, memes e marketing expõem os bastidores da Olimpíada das redes sociais
Nos Jogos Olímpicos das redes sociais e das “mágicas” da inteligência artificial, influenciadores de todos os tipos, incluindo atletas, estrelas e subcelebridades, disparam bilhões de postagens transformadas em memes que se espalham pelo mundo em segundos
Por Denise Mirás, de Paris
Participar de uma Olimpíada é sentir o gosto de conviver com deuses por alguns dias, sem se preocupar com intrigas internacionais que se desenrolam pelos bastidores, em meio a uma dança de habilidades políticas e montanhas de verbas públicas e de publicidade. Mas, em meio às competições e com a dança colorida de turistas tomando as ruas a caminho das arenas, Paris 2024 atesta: a cidade não está sitiada apenas por forças de segurança, mas por hordas de influencers. Esta é, definitivamente, a Olimpíada das redes sociais e da inteligência artificial, com bilhões de postagens replicadas ou transformadas em memes que, em segundos, se espalham pelo mundo.
• Atletas derrubaram os muros até então invisíveis da rígida hierarquia militar do Comitê Olímpico Internacional (COI) e comitês nacionais, desafiando a pressão por resultados.
• Confrontam dirigentes ou se divertem, até ganhando dinheiro, para mostrar lugares que foram secretos e sagrados, como o interior da Vila Olímpica, em busca de mais e mais patrocinadores.
• Os que são deuses por alguns dias também estão cercados por youtubers, instagramers e tiktokers que tomaram a capital francesa, dezenas deles muito bem pagos e com credenciais para áreas VIP.
A skatista Rayssa Leal é um exemplo poderoso de que imagem, hoje, pode valer até mais do que o lugar mais alto do pódio. Conhecida desde os nove anos de idade por “Fadinha”, por um vídeo que viralizou pelo mundo ao alcançar o ícone Tony Hawk, e somando resultados impressionantes ao longo dos meses seguintes, a maranhense de Imperatriz esteve em Tóquio 2020 como a mais jovem brasileira em Jogos Olímpicos, com 13 anos, e chegou à prata olímpica de street. Agora, aos 16 anos, e com oito milhões de seguidores no Instagram, arrastou para Paris nada menos do que 40 patrocinadores, entre fixos e pontuais, mais um público alucinado que acompanhou cada uma de suas manobras na pista de La Concorde.
Rayssa superou erros para alcançar o bronze, como a mais jovem atleta do mundo a medalhar em duas edições dos Jogos, e passou pela Casa Brasil, do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), “como se fosse a Madonna”. Surpreendida e quase “afogada” pelas dezenas de celebridades ou subcelebridades brasileiras que esperavam por ela, arrumou fôlego para posar para fotos e vídeos espalhados pelas redes sociais.
Outra campeã das competições — mas também de mídia, com três milhões de seguidores no Instagram — é a ginasta Rebeca Andrade, em uma Olimpíada que se propôs a, finalmente, contar com equidade no número de competidores homens e mulheres.
Do outro lado do planeta, a 15 mil quilômetros de Paris, era a vez do francês Jérôme Brouillet conseguir uma façanha em Teahupo’o, no Taiti, onde o surfe olímpico ancorou em uma praia com ondas apelidadas de “quebra crânios”. A imagem que ganhou o mundo em altíssima velocidade foi a de Gabriel Medina “parado no ar”, sobre ondas e em meio a nuvens. A “photosympa”, como definida pelo fotógrafo da AFP, foi divulgada pelo Team Brazil, do COB, que tem 1,7 milhão de seguidores, e na, carona do surfista brasileiro com outros 11 milhões, fez o francês saltar de três mil para mais de 142 mil seguidores até a tarde de quarta-feira (31).
Valeu a experiência do fotojornalista de 41 anos que conhece Medina e por isso se virou, de imediato, depois da sequência da saída do tubo, para registrar a esperada comemoração do brasileiro. Também contou, como disse, com a experiência do piloto da lancha da imprensa, que estava muito bem posicionada. O “alinhamento dos planetas”, nas palavras de Jérôme, garantiu a foto icônica desta Olimpíada e incontáveis memes, principalmente inventados e espalhados por brasileiros.
Mesmo a cobertura destes Jogos ganhou ares novos na mídia tradicional, que chega a dispensar as locações no esvaziado Centro Principal de Imprensa em favor de vídeos, stories e gravações curtíssimas em postagens rapidamente captadas por celulares nas ruas, que muitas vezes concorrem com a irresponsabilidade de quem não se incomoda em repassar fake news.
Os bate-bocas pelas redes sociais começaram antes da Olimpíada, com a brasileira Izabela Rodrigues, do lançamento do disco, reclamando no Instagram da falta de peças do uniforme para seu tamanho, como também o decatleta Fernando Ferreira, o “Balotelli”, pela pouca quantidade de material recebido, no X.
Já em Paris, a nadadora Ana Carolina Vieira deixou a Vila Olímpica sem autorização, com o namorado Gabriel Santos, para fazer uma foto posada diante da Torre Eiffel e colocar na Internet – foi assim, aliás, que o COB descobriu a indisciplina, expulsando a atleta da equipe e advertindo Gabriel.
Não foram só os brasileiros que aproveitaram as redes para reclamar: o norueguês Kristian Blummenfelt, ouro no triatlo em Tóquio 2020, fez seu protesto bem-humorado sobre a perspectiva de seu esporte virar “biatlo”, porque os organizadores descobriram “bactérias nocivas ao corpo humano” no Sena, atribuídas à chuva intensa da sexta-feira (26) durante a abertura dos Jogos. Isso depois da despoluição do rio ter custado 1,4 bilhão de euros, perto de R$ 8,6 bilhões, dentro do orçamento total de nove bilhões de euros, ou R$ 55 bilhões.
Se pelo menos um bilhão de pessoas acompanharam a cerimônia, que teve monumentos icônicos de Paris como cenários de performances, além do desfile das delegações em barcos pelo Sena, foi a oportunidade para tantos exercitarem ódio e preconceito pelas redes sociais.
Os parisienses, enfurecidos com a quebra de promessa de acessos gratuitos a muitas competições, mas bloqueados pela segurança acirrada contra terroristas, protestam em voz alta ou pelas redes contra o preço do bilhete de metrô, mais do que dobrado, agora a quatro euros, ou R$ 24,50.
Vazio e cinza
Depois dos ataques e atos de vandalismo espalhados pelas linhas de trem, ainda no dia de abertura dos Jogos, há tantas ruas fechadas em Paris (além de três estações de metrô mais próximas à Torre Eiffel) que os moradores que não deixaram a cidade, turistas e staff olímpico são obrigados a voltas imensas para chegar aos locais de competição.
Assim, o centro da capital francesa permanece vazio e cinza, com o colorido das torcidas concentrado no entorno das arenas, posando para fotos e vídeos.
O COI teve uma espécie de cartilha proibindo atletas de mencionarem marcas durante uma quarentena (dias antes e após os Jogos), para evitar conflitos com seus megapatrocinadores. O Comitê Olímpico do Brasil (COB) obrigava seus atletas a obedecerem as regras do COI – até se abrir à era dos celulares com poderes “extraterrenos” como extensão das mãos.
Procurando “rejuvenescer” a audiência, o COI começou com a inserção no programa olímpico de esportes ao ar livre e foi obrigado a incentivar o uso das redes sociais por parte de atletas e torcedores, se arriscando a emboscadas de marketing e mudando completamente a forma de comunicação, agora toda calcada em plataformas da internet.
Como ninguém é de ferro, o COI aproveitou a onda para bombar um de seus patrocinadores masters, a Samsung, distribuindo 17 mil celulares da marca aos atletas para eles postarem fotos no pódio e em outros momentos especiais das participações.
Também ficou de lado a conversa de “trégua olímpica”, em uma Europa assolada pela guerra na Ucrânia e sob protestos contra o massacre na Faixa de Gaza, com o COI se resumindo a um apoio pincelado a atletas refugiados.
Mas foi significativa a presença de uma marca na cerimônia de abertura, até então “virgem” de merchandising escancarado, que segue proibido e perseguido nas arenas. Foi a LVMH, que compareceu com suas malas/baú Louis Vuitton, empurradas ao lado do Sena sem qualquer constrangimento. Afinal, Bernard Arnault, o CEO do grupo de luxo, investiu 150 milhões de euros (R$ 917 milhões) para ser o principal patrocinador de Paris 2024.
Já dentro das devidas arenas, estádios e locais de competição, os brasileiros terão que tirar o atraso de medalhas para atingirem a previsão dos principais veículos esportivos, que projetam para a equipe brasileira entre 21 e 22 na soma total. A quantidade é possível, já que até esta quinta-feira (1), somente uma atleta de quem se esperava pódio acabou não entrando, a judoca Rafaela Silva. E entre as inesperadas, vieram três, no tatame com Larissa Pimenta e Willian Lima e na marcha atlética de Caio Bonfim. E que venham mais memes. E medalhas.