Brasil

CNBB e entidades indigenistas culpam governo por aumento da violência no campo

Conflitos entre o agro e indígenas ganham proporções assustadoras e o Pantanal arde em chamas, revelando inércia dos poderes da República diante de prováveis tragédias no campo. Indefinição sobre marco temporal gera insegurança e alimenta a violência

Crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil

Indígenas protestam nas rodovias e nas cidades contra a paralisia do governo e a onda de violência em aldeias (Crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Por Vasconcelo Quadros

A esperança de indígenas e ambientalistas inspirada pelas fortes imagens de mudança no início do governo Lula 3 não passou de boas intenções. Um ano e meio depois, enfrentando uma prolongada greve de servidores do Ibama e ICMbio, o Pantanal arde em chamas com o avanço de incêndios que já destruíram mais de 770 mil hectares de vegetação, um recorde histórico, enquanto os conflitos entre indígenas e o agronegócio só aumentaram.

O relatório do Conselho Missionário Indigenista (CIMI), órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mostra que, na comparação com o último ano do governo Bolsonaro, no ano passado, foram registrados 208 assassinatos de índios, com um crescimento de 15,5%, reflexo direto da insegurança que se instalou no campo pela indefinição sobre o marco temporal, um caldeirão explosivo gerado pelo Congresso, mas tratado com negligência pelo STF e governo.

O relatório só considera números do ano passado, mas, para se ter uma ideia do clima beligerante, apenas entre os dias 18 e 22 deste mês de julho, foram registrados oito ataques de fazendeiros a acampamentos montados em áreas reivindicadas por seis diferentes etnias indígenas no Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul, Pará e Ceará.

Desde o início de julho pelo menos 13 comunidades sofreram ataques, com armas de fogo e ameaças, por segurança de fazendeiros ou policiais, número nunca antes registrado.
Todos os confrontos estão relacionados à reação contra a retomada dos territórios em busca de demarcações paralisadas pela indefinição estatal sobre o que está valendo como lei – a decisão do STF derrubando o marco temporal ou a do Congresso restabelecendo o limite de tempo.
De um lado da contenda política estão ruralistas e a direita radical bolsonarista, que quer arrastar Lula para a arena e, do outro, um governo frágil, sem votos e nem muito esforço para reverter o quadro no Congresso.

Fazendeiros resistem em todo o País contra a reocupação de terras: cenário de uma tragédia anunciada (Crédito:Divulgação )

A CNBB e as entidades indigenistas, que sempre estiveram ao lado do governo, perceberam que Lula, mais preocupado com projetos da economia, deixou de lado promessas de homologar demarcações de terras, em processos concluídos, e se rendeu à força do agro.

O presidente do CIMI, o arcebispo de Manaus, cardeal Leonardo Steiner, afirma que as terras indígenas permanecem submetidas às mais variadas formas de esbulho e depredações, sem que o governo atue com firmeza, mas a crítica mais forte do órgão revela decepção com Lula. “Durante todo o ano 2023, cada vez que o governo enfrentou a necessidade de uma escolha entre os interesses econômicos de uma perspectiva desenvolvimentista e os legítimos direitos dos povos originários, estes últimos sempre foram sacrificados”.

O relatório aponta que a paralisia do Estado nas demarcações tem sido usada pelos ruralistas para impor sua força à base da violência e levanta uma hipótese ainda mais vergonhosa para o governo: frisa que mesmo com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, “fato inédito na história do país“, a iniciativa de Lula pode, na verdade, estar servindo “como legitimador da inércia e método de captura, pela lógica do Estado, da rebeldia e insurgência que emerge, historicamente, das lutas dos povos indígenas contra o sistema opressor”.

Violência extrema

Nas questões indígenas e no controle dos incêndios no bioma do Pantanal, os números mostram que, se de um lado há um governo tentando superar o período de trevas de Bolsonaro, que desmontou deliberadamente todos os órgãos de controle ambientalistas, há também falta de vontade política e de estrutura estatal.

Logo no início de seu governo, o presidente fez incursões pela terra Yanomami, denunciou a política genocida do antecessor com imagens que chocaram o mundo, mas na realidade, quase nada mudou.

Os garimpeiros voltaram às áreas das quais foram expulsos e os dados revelados pelo CIMI no início da semana mostram que as regiões ocupadas historicamente pelos Yanomami continuam no topo da violência extrema; dos assassinatos ocorridos em 2023, 47 foram em Roraima e 36 no Amazonas.

O segundo lugar no ranking da violência é Mato Grosso do Sul, com 43 casos. Especialistas alertam que o problema vai além dos números: o avanço da extrema direita, capitaneada pela poderosa bancada ruralista no Congresso, e a decisão dos movimentos indígenas em reocupar terras de onde foram expulsos, aquecem um caldeirão explosivo e tornam o campo palco de tragédias anunciadas.