Comportamento

Vinícolas no meio das cidades? Público jovem aprova e anima turismo urbano

Inspirados em iniciativas estrangeiras, produtores do País investem na elaboração de vinhos dos mais diferentes perfis em plena cidade. A partir de uvas de vinhedos próprios ou de parceiros, promovem o enoturismo urbano e atraem público jovem

Crédito: Mario Aquino

Do recebimento das uvas à garrafa: em Bento Gonçalves, o produtor Eduardo Dorigon possui a vinícola na casa em que o avô produzia vinhos em 1950 (Crédito: Mario Aquino)

Por Ana Mosquera

A exemplo das pioneiras norte-americanas e europeias, as vinícolas urbanas crescem em número e fama em cidades como São Paulo, Brasília e Porto Alegre. Empenhadas na produção de vinho com uvas próprias ou de vinhedos parceiros, são lugares – assim como os grandes centros que ocupam – ecléticos. Há desde os locais que recebem os clientes para provarem os rótulos em plena calçada, combinado ao trânsito, aos que se dedicam a aproveitar o máximo do espaço já reduzido apenas para produção e visita do público. Apesar dos desafios logísticos, os benefícios compensam: sua presença em meio à cidade estreita a relação com o consumidor, agrega valor ao turismo urbano e atrai um público jovem.

“As pessoas não acreditam que dê para fazer vinho em um espaço tão pequeno”, diz Gabriela Hirschfeld Campolongo, enóloga e proprietária da Alma Gêmea, localizada no bairro da Vila Sônia, em São Paulo.

Em 90 metros quadrados, ela produz 12 mil litros de vinho ao ano, além de funcionar como vinícola cigana — que, a exemplo das cervejarias do mesmo tipo, fornece a infraestrutura para produtores que não a possuem, auxiliando-os no processo.

Um dos diferenciais da vinícola urbana está na abertura às pessoas e aos produtos. “Ela nos permite trabalhar com uvas de diferentes lugares e manter um portfólio diversificado. Trazemos o Brasil na enologia, com todas suas matizes.”

A distância dos vinhedos, contudo, acarreta desafios de logística, como o de receber os caminhões refrigerados com toneladas de uva em pleno asfalto. É essa comodidade, porém, que permite que ela utilize a fruta colhida na Caatinga para produzir vinho na zona oeste da capital paulista.

Abertura: a enóloga Gabriela Campolongo (à dir.) recebe uvas de Norte a Sul do País para os rótulos da Alma Gêmea, em São Paulo, além de fornecer infraestrutura para produtores parceiros, como Renata Quirino (Crédito:Rogerio Albuquerque)

Para concluir seu projeto de vinícola urbana, Marcos Ritter trilhou caminho inverso. Localizada no Lago Norte, próximo à região central de Brasília, o Vinhedo Lacustre se expandiu a partir de uma pequena produção que seu pai mantinha como hobby — e de onde só saíam garrafões para presentear os amigos.

A partir das uvas próprias e de produtores parceiros, ele recebe os turistas para experiências enogastronômicas, cursos e eventos, com vista para o Palácio do Planalto. A facilidade de acesso estimula o público menos interessado a desbravar o universo. “Recebemos não só apreciadores de vinho, mas pessoas que jamais investiriam em uma viagem para Mendoza ou à Serra Gaúcha, por exemplo”, diz ele.

Serviço completo: a 15 quilômetros da Esplanada dos Ministérios, o Vinhedo Lacustre, em Brasília, recebe turistas e moradores, para atividades que variam de visitação a happy hour (Crédito:Divulgação )

Turismo Facilitado

No estado de tradição vinhateira, o Rio Grande do Sul, as vinícolas costumam ser afastadas dos grandes centros e a possibilidade de visitar algumas delas em plena área urbana é um diferencial. “As pessoas não precisam planejar viagens, pensar em deslocamento ou hospedagem. É possível elas saírem do trabalho para um happy hour na vinícola”, diz Eduardo Gastaldo, fundador e produtor da Vinícola Ruiz Gastaldo, a primeira urbana do País, localizada em Porto Alegre.

A cerca de 120 quilômetros dali, no centro de Bento Gonçalves, o enólogo Eduardo Dorigon fundou a Casa Dorigon exatamente onde seu avô produzia vinhos na década de 1950. “Muitos de nossos clientes, inclusive turistas, nos visitam a pé, pois ficamos a cinco minutos dos principais hotéis da cidade”, afirma ele.

Se o vinho urbano tende a atrair o público jovem, o estilo de produção ajuda a ampliar a faixa etária dos consumidores. “Como nosso portfólio é voltado ao Velho Mundo, ele acaba agradando a todos os paladares, e temos clientes de 25 a 65 anos.”

Mutirão: assim que são colhidas em vinhedos próximos, as uvas chegam à Ruiz Gastaldo, em Porto Alegre, nas primeiras horas da manhã, para serem selecionadas antes de seguirem à vinificação (Crédito:Divulgação )