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Brasil segue no Mapa da Fome, mesmo com esforços do governo

Apesar da redução de 31 milhões de famélicos no País, ONU mantém o Brasil no Mapa da Fome; plano global apresentado pelo governo, porém, emplaca e traz esperança na erradicação da escassez alimentar

Crédito: Joao Paulo Guimaraes

Criança vasculha lixão no Maranhão atrás de comida; condição não foi superada (Crédito: Joao Paulo Guimaraes)

Por Luiz Cesar Pimentel

O Brasil teve duas notícias sobre a fome durante a semana, uma boa e uma ruim. A boa é que o plano global apresentado pelo País como presidente rotativo do G20, grupo das 20 principais economias do mundo, Aliança contra a Fome e a Pobreza foi bem recebido por quem mais importa, os controladores do dinheiro. A ruim é que, apesar dos esforços e de ter tirado 31 milhões de pessoas da delicada insegurança alimentar, não saímos do Mapa da Fome, segundo a ONU.

As revelações ocorreram durante evento do G20, no Rio de Janeiro.
A boa recepção ao projeto brasileiro veio do presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, durante reunião com Luís Inacio Lula da Silva, no Galpão da Cidadania, sede da ONG Ação da Cidadania, onde acontece o pré-lançamento da Aliança Global.
Participaram do encontro os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Mauro Vieira (Relações Exteriores) e o assessor especial da Presidência, Celso Amorim.
O combate à fome e à pobreza é uma das três prioridades brasileiras na presidência rotativa do G20, junto à reforma das instituições de governança global e ao apoio ao desenvolvimento sustentável.

Brasil conseguiu retirar 31 milhões de famintos no ano passado de estatística

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SOFI apontava 70,3 milhões de brasileiros em insegurança alimentar em 2022. Quantidade baixou para 39,7 milhões em 2023

Já a manutenção do País no infame mapa famélico aconteceu na divulgação da edição 2024 do Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial (SOFI 2024).

O estudo mostra que a insegurança alimentar severa caiu 85% no Brasil no ano passado, que em números absolutos registram que 14,7 milhões deixaram a insegurança alimentar severa, quando a pessoa está sem acesso a alimentos e passa um dia inteiro ou mais sem comer – a condição afligia 17,2 milhões de brasileiros em 2022 e caiu para 2,5 milhões em 2023.

“Os dados das Nações Unidas indicam que estamos no caminho certo. Em um ano de governo, tiramos 14,7 milhões de brasileiros e brasileiras dessa condição”, afirmou o ministro do Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias.

“Meu amigo diretor-geral da FAO, pode ir se preparando para anunciar em breve que o Brasil saiu novamente do Mapa da Fome”, disse Lula durante o lançamento da Aliança Global em recado ao mandatário da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, QU Dongyu. Foi a primeira vez em que o relatório foi lançado fora de Nova York ou Roma.

Durante lançamento da aliança global, Lula promete que Brasil sairá do Mapa da Fome durante seu atual governo (Crédito:Wagner Meier)

Além dos 20

A divulgação antecipada da Aliança Global, que será oficializada durante a reunião de cúpula do G20, em 18 e 19 de novembro, também no Rio, foi acompanhada de recado inclusivo apontando estar aberta a países fora do grupo e a organismos internacionais que possam dar suporte. O secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores, Mauricio Lyrio, disse que a boa recepção inicial “é a consagração do princípio de que é preciso que os países tenham programas sociais abrangentes para combaterem a fome em seus territórios”.

“Depois de duas décadas e meia de implementação, a gente tem um endosso internacional de instituições como a FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura e o Banco Mundial que dizem: esses são os programas que funcionam. Há um conhecimento acumulado do que é eficaz para combater a fome no mundo porque alguns países tiveram experiências muito positivas”, disse Lyrio na apresentação da aliança à imprensa.

O evento prévio do G20 trouxe na agenda do governo quatro reuniões ministeriais.
A primeira, sobre desenvolvimento, aconteceu na segunda e terça-feira;
a força-tarefa contra a fome foi realizada na quarta,
e os ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais se encontraram na quinta e sexta.

Os três compromissos aconteceram no Rio, enquanto Fortaleza abrigou reunião sobre trabalho e emprego.

Além da aderência ao combate à fome, Lula divulgou pelas redes sociais que o presidente do Banco Mundial teria elogiado o Bolsa-Família, o Novo PAC e o SUS. “Também conversamos sobre a necessidade de apoiar pequenos e médios negócios para impulsionar o crescimento da economia e do emprego”, postou.

População em condição de rua recebe ajuda em igreja, em São Paulo; apesar da saída de 31 milhões da insegurança alimentar, outros 40 milhões sofrem (Crédito:Filipe Araujo)

Realidade x otimismo

O tom otimista adotado por ministros e pelo presidente não se reflete no SOFI de 2024. Segundo o relatório, ainda não há anúncios formais de investimentos nem na proposta brasileira nem em outro plano similar. “O mundo ainda está distante do caminho para atingir o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2, de Fome Zero programado para 2030. O estudo pede investimento “aumentado e com melhor custo-benefício, embora não haja atualmente um sinal claro de que os recursos necessários serão alcançados”. A estimativa da ONU para que o Fome Zero seja atingida daqui a seis anos são necessários recursos entre US$ 176 bilhões (R$ 980 bilhões) e US$ 4 trilhões (R$ 22 trilhões).

“O diretor-geral da FAO pode ir se preparando para anunciar em breve que o Brasil saiu novamente do Mapa da Fome.”
Luís Inacio Lula da Silva

• Foram apontadas 733 milhões de pessoas em condição de subnutrição em 2023 no planeta pelo relatório – é o equivalente a uma em cada 11 na condição famélica.

• Se levada a conta à insegurança alimentar, o número triplica – 29% da população global, 2,3 bilhões de pessoas.

A condição não melhorou sobre o estudo anterior e de certa forma distribui alguns dados, reforçando a desigualdade global, já que a condição segue crescente na África, por exemplo, onde 20% das pessoas passam fome e mais de metade – 57,7% – vivem em insegurança alimentar.

O Brasil, além de Caribe e América Latina em geral, apresentaram “progressos notáveis”, segundo o SOFI. “No caminho que estamos é possível sair do mapa da fome até o fim do governo, em 2026”, disse sobre o relatório o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias.

A evolução brasileira foi insuficiente para riscar o nome do Brasil novamente do Mapa da Fome porque a ONU retira aqueles abaixo de 2,5% da população em subnutrição, enquanto o decréscimo do País estacionou em 3,9% (8,4 milhões de pessoas em números absolutos).

Os brasileiros estavam abaixo do número mínimo até 2016, quando o índice cresceu até chegar a 4,7% entre 2020 e 2022.

O estudo aponta que no levantamento no ano passado foi constatado que cerca de 31 milhões deixaram de passar fome, 39,7 milhões (ou 18,4% da população) no atual relatório contra 70,3 milhões de brasileiros (ou 32,8% do total) no SOFI anterior.

Sobre a América Latina em geral, também foi apontada queda significativa na insegurança alimentar, já que em 2022, o percentual era de 31,4% e no ano passado, de 28,2% da população.