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Vilanova Artigas: arquivos do arquiteto são doados definitivamente à USP

Família de Vilanova Artigas doa, em definitivo, sua coleção à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. A presença vitalícia dos materiais beneficia a pesquisa acadêmica e comprova a capacidade de o País salvaguardar seu patrimônio artístico

Crédito: Rogério Albuquerque

A historiadora Rosa Artigas posa com foto de seu pai, tirada por Cristiano Mascaro, acompanhada do desenho “Mulher”, de 1972 (ao fundo, em preto e branco) e da estante “Artigas”, de 1983 (à direita de Rosa). (Crédito: Rogério Albuquerque)

Por Ana Mosquera

Escolas, casas, conjuntos residenciais, o Estádio do Morumbi, em São Paulo. A versatilidade de um dos mais importantes nomes da arquitetura moderna brasileira, João Batista Vilanova Artigas, se comprova pelas construções de diferentes funcionalidades espalhadas pelo País. Assim como elas, resistem ao tempo suas maquetes, plantas, documentos e projetos-piloto, a exemplo do de Brasília. Como seriam as sinfonias de Tom Jobim e Vinicius de Moraes sobre a capital federal se o paranaense tivesse superado Niemeyer? Doados por seus familiares à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), seus 386 projetos com 11.403 desenhos e 3.491 registros fotográficos convivem, de forma vitalícia, com outras 50 coleções na biblioteca da instituição que ele ajudou a fundar.

Ex-aluno e professor da casa, Artigas não só projetou o edifício que abriga laboratórios, salas e áreas de convivência no bairro do Butantã, na zona oeste da cidade, em 1961, como também foi um dos responsáveis pela separação do curso de arquitetura e urbanismo em relação ao de engenharia, em 1948.

No hall da Biblioteca da FAUUSP, esboços do prédio digitalizados (Crédito:Rogério Albuquerque)

Sob os direitos do Instituto Virgínia e Vilanova Artigas – que também contempla as obras da esposa do arquiteto, a artista plástica Virgínia Artigas –, a doação definitiva do material à universidade tem razões e benefícios. Entre os argumentos práticos, o receio de investidas estrangeiras – como ocorreu com Paulo Mendes da Rocha e Lúcio Costa, ambos com sua obra em Portugal – e os altos custos de manutenção.

“O fato de o acervo passar a ser da universidade nos permite apresentar projetos e fazer um aporte financeiro para sua digitalização, por exemplo, a partir de recurso público”, diz Gisele Ferreira de Brito, bibliotecária chefe da Seção Técnica de Materiais Iconográficos da Biblioteca da FAUUSP.

No plano simbólico, os motivos se apoiam na contribuição do profissional para a história da arquitetura brasileira e em seu apego pela instituição. “Seu afastamento da FAU por uma década, quando cassado pela ditadura militar, foi muito deprimente, pois ele tinha uma ligação muito forte com a juventude. Quem projeta o futuro tem que ter uma ligação com a juventude”, diz a historiadora Rosa Artigas, filha do arquiteto.

A bibliotecária chefe Gisele Brito: doação da família à Universidade de São Paulo permite investimento em projetos, manutenção e digitalização da obra, procurada por pesquisadores de todo o mundo (Crédito:Rogério Albuquerque)

Na casa fica

“Chancelar que o material de um arquiteto tão importante como Artigas ficou no Brasil é dizer que o País tem condições e responsabilidade de manter seu patrimônio documental”, diz Gisele. Sua presença no interior da biblioteca universitária, e não em um museu estrangeiro, tem consequência direta na qualidade da pesquisa acadêmica.

“Os estudantes podem ampliar os desenhos, manusear as maquetes e até ler as correspondências trocadas entre o arquiteto e o cliente. São informações muito importantes para compreender como um projeto toma forma”, diz Guilherme Wisnik, arquiteto, professor e vice-diretor da FAUUSP.

Desenho do Ginásio de Guarulhos, de 1960: espaço da Escola Estadual Conselheiro Crispiniano privilegia a convivência e a entrada de luz, características marcantes de seus trabalhos (Crédito:Rogério Albuquerque)

A fixação de sua obra no Brasil acompanha a resistência do arquiteto que chegou a burlar regras em nome do espaço urbano.

Impedido de aprovar o projeto do Edifício Louveira, na capital paulista, por conta de uma fachada cega – as janelas não se voltariam à rua, mas ao espaço entre a dupla de blocos, permitindo a proximidade dos moradores –, ele encontrou a solução: incluiu-as na planta enviada à Prefeitura, mas as ignorou na hora da execução.

“A grande contribuição dos arquitetos brasileiros está em assumir uma postura diante de uma arquitetura atrasada e patriarcal, de elevador de serviço e quarto de empregada”, diz Rosa.

Os prédios de seu pai seguem firmes, agora frente à especulação imobiliária.