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A cautela do PGR Paulo Gonet: garantidor-geral da república ou apenas lento?

Os casos que podem tornar Bolsonaro réu por fraude e peculato estão à espera de manifestação do procurador-geral Paulo Gonet, que vem sendo alvo de críticas por retardar as denúncias que levarão os processos a serem julgados no STF

Crédito: Mateus Bonomi

Paulo Gonet tem retardado denúncias contra Bolsonaro: decisão só depois das eleições? (Crédito: Mateus Bonomi)

Por Vasconcelo Quadros

Uma marca na história recente da República — o uso político de investigações policiais para prejudicar adversários – traumatizou as instituições de controle. Na apuração de supostos crimes atribuídos ao ex-presidente Jair Bolsonaro, a Polícia Federal demorou 18 meses para concluir os dois primeiros inquéritos — o da fraude no cartão de vacinas e o do desvio de joias do acervo presidencial —, mas até agora a Procuradoria-Geral da República não ofereceu a denúncia contra os indiciados, gerando suspense e um freio informal que impede a abertura da ação penal, fase jurídica mais importante para definir culpados ou inocentes.

No epicentro do furacão está o papel do procurador-geral Paulo Gonet, que assumiu o cargo em dezembro do ano passado no meio de um turbilhão jurídico provocado pela tentativa de golpe e tem adotado um estilo visto nos bastidores do STF como garantista, tanto em relação ao devido processo legal, quanto como de lentidão na aplicação da Justiça.

A polêmica no caso, que ganha corpo nos bastidores da Justiça brasileira, é a suposta decisão de só formalizar a denúncia depois das eleições municipais, sob o argumento de não interferir no processo político-eleitoral. Se isso se confirmar, inevitavelmente a decisão vincula pela primeira vez um procedimento independente e livre de interferências ao calendário eleitoral. É o MPF, no final das contas, quem tem a chave sobre o destino de suspeitos.

Gonet foi escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva por seu perfil técnico, conservador e, principalmente, por sua discrição, diferente dos antecessores, que simplesmente engavetavam investigações, como ficou marcado Geraldo Brindeiro no governo Fernando Henrique Cardoso ou, como se viu na Lava Jato sob a impetuosidade de Rodrigo Janot nas gestões Dilma Rousseff e Michel Temer.

Gonet não dá entrevistas e até agora só tem se manifestado pelo texto nas denúncias formuladas.

Bolsonaro rearticula a extrema direita, mas vive a angústia de ser investigado, à espera de uma decisão que pode torná-lo réu no STF (Crédito:Pedro H. Tesch)

Ninguém arrisca hoje um palpite sobre o estilo que será adotado por Gonet, mas sobram críticas nos bastidores sobre o excesso de zelo.

Fontes policiais ouvidas por ISTOÉ dizem, sob reservas, que embora atue rigorosamente dentro das prerrogativas legais, o PGR retardou a conclusão do inquérito das vacinas ao pedir diligências sobre o caso por uma filigrana que considerou “relevante”: se Bolsonaro usou o cartão no exterior quando as investigações estavam cercadas de indícios sobre as informações falsas registradas no cartão na consumação da fraude.

O ex-presidente havia sido indiciado no início de março, mas, em abril, o PGR pediu novas investigações, cujo resultado, que não apontou registro nos Estados Unidos, saiu há uma semana, quatro meses depois.

Um dos criadores do Grupo Prerrogativas, colegiado formado pela elite do Direito, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, ressalva em entrevista à ISTOÉ que o PGR tem, por dever de ofício, que ser muito cauteloso, agir com materialidade comprovada e indícios fortes de autoria, mas critica a vinculação da denúncia ao processo eleitoral. “Se vincula-se agora, que é uma eleição municipal com força menor, imagine daqui a dois anos quando vamos ter uma eleição presidencial! Caso esteja pronta, se não apresenta agora contra Bolsonaro para não influenciar nas eleições, como vai fazer próximo às eleições presidenciais? Denúncia não pode estar vinculada ao calendário eleitoral”.

Kakay acha que a precaução para evitar o uso político não significa que o MPF “tenha o direito de se omitir”, pois se ficar comprovado algum tipo de interesse, pode até caracterizar o crime de prevaricação. “Um caso político é sempre muito perigoso.

Utilizar a força do MPF e da PF, como ocorreu na época da Lava Jato, instrumentalizando o processo penal para atingir fins específicos, é crime. Como o Judiciário é inerte e só age se provocado, na fase pré-processual o MPF é mais poderoso que o STF: se não apresentar denúncia, o STF não pode abrir a ação penal contra o presidente da República, por exemplo”.

Aras não viu crimes

Enquanto isso, a previsão da PF em concluir todas as investigações contra Bolsonaro e seus assessores já foi frustrada.

O inquérito sobre a tentativa de golpe, que seria entregue até o final de julho, só deve ser apresentada até o final de setembro, alongando por mais tempo a angústia de quem está sob investigação, mas retardando a ação do Judiciário.
No auge da pandemia da Covid-19, quando o ex-presidente sabotava escancaradamente as medidas sanitárias de combate ao vírus, e o então procurador-geral Augusto Aras não enxergava irregularidades — a não ser retórica política —, os advogados do Prerrogativas chegaram a estudar uma proposta de “ação penal subsidiária” através da qual, driblando o MPF, o Judiciário, que é um poder inerte, se autoprovocaria.

No final, Bolsonaro escapou ileso, reagrupou a direita e faz política à espera de Gonet.

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