Internacional

Maduro desafia Lula e se agarra ao poder. E agora presidente?

Desequilibrado com a possibilidade de perder de lavada, chavista fala em “banho de sangue” e agita reta final das eleições na Venezuela

Crédito: Alfredo Lasry R

Maduro cita “guerra civil” caso seja derrotado e ironiza Lula: “Preocupados que tomem chá de camomila” (Crédito: Alfredo Lasry R)

Por Debora Ghivelder

O chavismo bolivariano da Venezuela, fundado pelo ex-presidente Hugo Chávez e herdado com sua morte, em 2013, pelo atual ocupante do cargo, Nicolás Maduro, completou 25 anos. Neste quarto de século, o regime jamais esteve tão ameaçado de ser derrotado quanto agora, na reta final das eleições presidenciais do domingo (28). Autoritário como de costume e em busca de seu terceiro mandato consecutivo de seis anos, Maduro disfarça o nervosismo e o desequilíbrio diante da possibilidade real de perder, de lavada, para o representante da coalizão oposicionista Plataforma Democrática Unitária (PUD), o diplomata aposentado Edmundo González Urrutia, um desconhecido dos meios políticos que jamais disputou uma eleição sequer.

Pesquisas recentes apontam González com índices entre 58% e 60% de preferência do eleitorado, contra 25% a 28% de Maduro. Enquetes internas que apontam margem favorável ao chavista são vistas com desconfiança pela maioria suprema dos analistas internacionais.

“Fiquei assustado com a declaração do Maduro dizendo que, se perder, vai ter um banho de sangue e guerra civil.”
Lula, sobre declaração de Maduro

Maduro, com comportamento de ditador, fez e faz de tudo para tumultuar e dificultar o processo.
A máquina estatal foi colocada a serviço de seus interesses.
Ele censurou 60 veículos e sites independentes, perseguiu opositores, ordenou mais de 70 detenções arbitrárias e impediu candidatos de concorrer.
Líder da oposição retirada da disputa, a ex-deputada Maria Corina Machado apoia González na esperança de despachar Maduro para casa. A poucos dias da disputa nas urnas, o presidente venezuelano subiu o tom. Afirmou que pode haver “banho de sangue” e “guerra civil” caso não vença as eleições.

(Eraldo Peres)

A endurecida vem sendo vista por analistas como uma tentativa de tumultuar o processo eleitoral, rejeitar uma derrota e manter o poder em meio à confusão. O choro exagerado e antecipado de Maduro, como se sentisse, desde já, a necessidade de pavimentar caminho para a virada de mesa após uma derrota, incomodou até mesmo um aliado tradicional: Lula.

“Fiquei assustado com a declaração do Maduro dizendo que, se perder as eleições, vai ter um banho de sangue. Quem perde eleições toma banho de voto. O venezuelano tem que aprender: quando você ganha, fica, e quando perde, vai embora”, resumiu o presidente.

Maduro foi irônico na resposta: “Não disse mentiras, fiz apenas uma reflexão. Quem se preocupou que tome um chá de camomila”, alfinetou, sem citar o colega brasileiro. Disse ainda que “a paz, o poder popular e a união cívico-militar-policial perfeita” irão triunfar na Venezuela.

Na mesma ocasião, Maduro afirmou, sem apresentar provas, que as eleições no Brasil, Colômbia e Estados Unidos não são auditadas. Lula e o Itamaraty decidiram não responder o venezuelano, embora, nos bastidores do governo, as declarações tenham sido encaradas como “provocações desrespeitosas”. A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, esclareceu que as urnas são auditadas do início ao final dos processos eleitorais e frisou: “Jamais foram comprovados quaisquer tipos de fraudes e erros”.

“Não disse mentiras, fiz apenas uma reflexão. Quem se preocupou que tome um chá de camomila.”
Maduro, ironizando Lula

Lula e sua equipe teriam manifestado preocupação com a situação da Venezuela caso Maduro tente um golpe diante de uma derrota. O Brasil vai enviar dois membros da Justiça Eleitoral e o assessor da presidência para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, para acompanhar as eleições no país vizinho.

Para o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, Gilberto Maringoni, autor do livro A Venezuela Que Se Inventa – Poder, Petróleo e Intriga, a eleição se dá em um momento de cansaço. São 25 anos de chavismo em condições difíceis, entre elas a redução do PIB em cerca de 70%. A declaração sobre banho de sangue, avalia ele, não soa como ameaça. “É mais uma fala desesperada. A gravação me parece mais uma afirmação defensiva do que ofensiva.” Mas destaca: “A disputa não é equilibrada e ele usa a máquina pública. A polarização é forte e todos parecem ter argumentos para dizer que houve fraude”.

Gabriela Oraa

Proibida de se candidatar, oposicionista Corina Machado apoia o ex-diplomata González, líder folgado das pesquisas com índices entre 58% e 60% de preferência dos eleitores

Caso saia vencedor, Maduro não precisará fazer as malas e juntar objetos por mais seis anos. Por outro lado, quem estará pronta para empreender viagem é uma parcela significativa da população de 29,4 milhões de pessoas.

Pesquisa feita em junho pela ORC Consultants revelou que um terço da população atual considera a possibilidade de deixar a Venezuela caso tenha condição para isso e Maduro permaneça no poder.

Seria uma adição expressiva aos oito milhões de pessoas que, de acordo com as Nações Unidas, deixaram a Venezuela no chavismo. Apenas uma parcela irrisória desse total – cerca de 69 mil – poderá votar no domingo por conta de impedimentos impostos pelo governo de Caracas. Se a maioria desse contingente fosse autorizada a participar, o desespero de Maduro hoje seria certamente maior.