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“Lula e ministros do STF podem sofrer impeachment”, diz senadora Soraya Thronicke

Crédito: Gabriel Reis

Senadora Soraya Thronicke: candidata a presidência da Casa, dispara contra concorrentes, e ataca Lula e Bolsonaro (Crédito: Gabriel Reis)

Por Vasconcelo Quadros

A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) rompeu com Jair Bolsonaro já na campanha de 2018, mas sua posição só ficou conhecida ao participar, em 2021, da CPI da Pandemia, quando tornou-se a maior pedra no sapato do ex-presidente. Desde então conduz seu mandato com a independência de votar contra ou a favor sem se importar com o assédio da base do governo ou da oposição, e com a liberdade de disparar como franco atiradora. Candidata à sucessão na Presidência do Senado, critica a distribuição dos recursos de emendas parlamentares e afirma com convicção de que a eleição de seu adversário, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), pelas promessas que tem ouvido nos bastidores, pode agravar ainda mais a crise entre os Poderes, com a possibilidade de ele permitir o processo de um novo impeachment no Congresso contra o presidente Lula ou contra ministros do STF, como desejam os apoiadores do ex-capitão. Segundo ela, se o presidente da Câmara, Arthur Lira, conseguir eleger seu sucessor, o deputado Elmar Nascimento, um único partido terá hegemonia no Parlamento, deixando governo e STF “numa situação de subordinação total”. Ela acha que se optarem pela neutralidade na disputa, Lula e o PT estarão cometendo um erro do qual o bolsonarismo se aproveitará. Advogada, ela conta que examinou a investigação da PF contra Bolsonaro e não tem dúvidas de que ele tem “culpa no cartório” e que deverá ser condenado e preso.

A sra. será mesmo candidata à Presidência do Senado?
Até este momento eu sou a única candidata lançada por um partido. Não me lancei, fui convidada.

O que deve entrar como propostas na campanha?
Muita gente tem criticado o Parlamento por receber uma fatia muito significativa das emendas. E muita gente também diz que o Legislativo não tem que ter emenda. Mas acho que tem que ter sim, por que é o senador e o deputado que conhecem in loco o que as 27 unidades de federação precisam, e também é necessário manter o sistema de pesos e contrapesos. O governo federal tem que ter uma fatia de discricionariedade e nós precisamos ter a nossa parcela de responsabilidade, porém, com critérios.

Quais seriam esses critérios?
Trabalhamos nas comissões para dividir os recursos entre todas as regiões brasileiras, mas tudo acaba sendo jogado no lixo. O que era para ser dividido proporcionalmente para todos os estados, vai para um ou dois estados. Um deles é o Amapá, dominado pelo Davi Alcolumbre, que tem 16 municípios e recebe mais em dinheiro de emendas que São Paulo.

(Moreira Mariz)

“Não é o Regimento Interno do Senado que manda hoje. O que manda é o RIDA, o ‘Regimento Interno do Davi Alcolumbre’”
Senadora Soraya Thronicke

Qual é o problema da distribuição das emendas?
É o Davi. Não é o Regimento Interno do Senado Federal que manda hoje. O que manda é o RIDA, o “Regimento Interno do Davi Alcolumbre”. Nós não temos mais critérios. Ninguém sabe quais são os critérios que a direção do Senado adota hoje.

Mas a sra. votou no Alcolumbre para a presidência do Senado em 2019.
Eu apoiei Davi. Votei nele durante todos esses anos. Nele e no sucessor dele (atual presidente Rodrigo Pacheco). Eles não cumprem os acordos. Aqui não há transparência. Já ouvi de senador que o Davi não cumpriu o que prometeu, mas ele já é considerado um candidato eleito. Chegaram a me perguntar em março se não era cedo demais para lançar minha candidatura. Devolvi: ‘Vocês perguntaram ao Davi se é cedo demais?’ Nem perguntaram. O partido dele não o lança.

O que faria de diferente?
A primeira proposta que vou apresentar é a transparência. Nem os senadores sabem o que acontece aqui ou quanto dinheiro tramita nas emendas. O governo liberou R$ 20 milhões para o Podemos. Meus R$ 20 milhões foram aplicados no Mato Grosso do Sul. Todos os senadores, inclusive os de oposição, como o Magno Malta (PL-ES), receberam.

Que mudanças considera relevantes no Senado?
Colocar em pauta os projetos de lei relevantes para o Brasil. Um deles, meu, é o da desjudicialização, que libera o Poder Judiciário para fazer o que ele realmente tem que ser feito. Um juiz não é carimbador. Também quero colocar na pauta um projeto de regulamentação de cripto-ativos, para dar mais proteção ao país, ao consumidor e para nos tornarmos o primeiro país do mundo com segurança jurídica nessa área. Traríamos divisas porque as pessoas sérias querem um mercado sério para atuar. Faria também uma política para as mulheres no Parlamento. Nunca tivemos tantas mulheres no Senado. São 16.

A eventual eleição de Alcolumbre cria o risco de Lula sofrer impeachment?
Claro! Vamos começar pela Câmara. Se o presidente Lula continuar alheio, eu vou dizer que ele está mancomunado com Jair Bolsonaro. Sabe por quê? Porque ele não vai lançar candidato ao Senado. O PT não vai lançar, não vai se meter. Espera aí. Só um abobado e preguiçoso, que está alheio, deixa de lançar seu candidato. Se eles permitirem que Lira (Arthur Lira, presidente da Câmara) faça o seu sucessor, imagina o Congresso comandado pelos dois parlamentares do União Brasil.

Qual seria o resultado da hegemonia?
O União Brasil no comando das duas Casas coloca o Lula e os ministros do Supremo de quatro, numa situação de subordinação total.

A sra. apoiou e depois rompeu com Bolsonaro. Como foi esse processo?
Minha história com o Jair Bolsonaro vem desde 2013/2014, quando nós entendemos que eram graves os escândalos de corrupção que vinham do PT e que desembocou na Lava Jato, mas que hoje reconheço ter cometido erros processuais. Ele nem era conhecido no Mato Grosso do Sul. O meu escritório passou a investir nos eventos, nas vindas dele ao estado, no custeio das passagens aéreas, etc.. Mas deixei essa história pra trás e foquei no meu mandato.

A sra. e seu grupo lançaram a candidatura de Bolsonaro no Centro-Oeste, certo?
Lançamos o Bolsonaro. Fui promovida por Bolsonaro também, mas ele foi alçado por nós. Foi muito espontâneo porque havia aderência de muitas pessoas contra o PT, contra corrupção naquele momento. Bolsonaro era a figura que poderia catalisar essa insatisfação. Era liberal, anticorrupção, conservador e a figura que a gente entendia como importante naquele momento para que pudéssemos prosperar. Eu perdoava alguns defeitos porque eu entendia que ninguém era tão perfeito.

O que aconteceu para a sra. mudar?
O Bolsonaro me traiu no meio da campanha. Ele podia pedir voto, porque eram dois votos em 2018 e eu era a candidata ao Senado do grupo dele. Mas ele pediu votos para outro candidato. O Bolsonaro não pensa duas vezes em trair. Ele já traiu a nona pessoa de relevância política em Campo Grande (para as eleições deste ano), entre elas a Teresa Cristina (ex-ministra) e já lançou cinco ou seis candidatos à prefeitura e os traiu. Ele é um traidor nato.

Como a sra. vê a situação dele diante do que a Polícia Federal tem mostrado?
Eu soube quem era Jair Bolsonaro desde o início. Eu não estou surpresa. Como advogada, entendo que os processos, as pessoas, o tempo da publicidade, da mídia, não caminham como tempo processual. O que desejo é que ele tenha todo direito a ampla defesa. Mas a situação dele é muito complicada porque os fatos, as provas que foram externadas agora são fortes. Só não vê quem tem preguiça de ler ou não quer ler as peças dos inquéritos. Me incomoda que muitos ainda se deixem enganar.

Como avalia a anistia pedida para Bolsonaro?
Eu acho que será possível se o governo seguir assim, com o presidente Lula e seus ministros trabalhando para apagar incêndios diários, mas sem impedir que a oposição continue crescendo no dia a dia. E, sim, o Lula pode sofrer impeachment, ministros do Supremo podem sofrer o mesmo, a partir dos movimentos feitos pelo bolsonarismo. A direita bolsonarista não é conservadora ou liberal na economia. É reacionária.

O que que mudou? Como é que a sra. define o bolsonarismo?
Bolsonarismo é uma seita. Bolsonaro é um traidor, um mitomaníaco, mentiroso contumaz, sem vergonha na cara. Mente na cara dura.

Mas não há incoerência na trajetória de Bolsonaro, certo?
Não há, mas eu errei. Eu assumo que eu errei e confesso meu erro. Achei que ele nunca tinha tido uma chance. Eu era imatura e estava começando na política lá em 2013. Que atire a primeira pedra quem não errou!

A sra. acha que há provas para condenar o ex-presidente?
Quando as pessoas falam que ele é um santo e que ninguém provou nada contra ele, é porque ninguém tem noção do quanto demora um processo. Nós desejamos, e é isso que cobramos do Poder Judiciário, é que ele tenha todas as chances de se defender, mas que não seja igual foi na Lava Jato, à qual me aliei. Eu andava com camiseta do Sergio Moro, mas não tinha acesso aos processos e achava que estava tudo ok. Bolsonaro não tem escapatória. As provas são públicas e notórias, e eles mesmos não fazem questão de esconder. São néscios, limítrofes. A minha alegria é que eles não estudam e não leem. Já analisei os fatos. Não tem escapatória: ele tinha plena noção dos crimes que praticava.

As investigações da PF podem ter reflexos na política?
Claro. Reflete porque o povo não é burro. Quem não quer acreditar, sinto muito, eu vou assistir de camarote. Não é premonição, é o óbvio. Nenhum sul-matogrossense conhece Bolsonaro mais do que eu. Quando ninguém gostava dele, eu estava colocando dinheiro e o meu tempo na campanha dele. Quem achar que investiu mais do que eu, venha me encarar, mas ninguém tem coragem.

(Pedro H. Tesch)

“Bolsonaro não tem escapatória. As provas são públicas e notórias, e eles são néscios e limítrofes”

A sra. foi relatora do projeto do marco temporal. Como está vendo essa crise entre indígenas e o agro?
Muita gente perdeu suas propriedades, estava numa situação complicada. Bolsonaro deveria ter apenas resolvido o passivo. Eu procurei o PGR Augusto Aras e discuti com ele o que poderia ser feito. Sugeri que indenizassem as pessoas pela terra nua e pelas benfeitorias, o que é justo. Há uma colisão de direitos fundamentais, onde a propriedade privada é garantida. O problema é dialogar com gente que tem o viés ideológico.

A sra. acha que deve sair uma solução definitiva do Supremo em relação a esse imbróglio?
Tem de respeitar o direito adquirido que foi dado a todos os brasileiros que adquiriram terras, sejam eles povos originários, branco, preto, amarelo ou até mesmo quem vem do exterior. O direito à propriedade no Brasil é sagrado e o governo federal tem muitas terras que eles podem alocar em outros lugares para as pessoas. O problema é que jogaram os indígenas em alguns locais e nunca deram subsídios para eles. Alguns têm mil, dois mil, três mil hectares e são pobres, e quando eles arrendam para fazer dinheiro, eles cometem crime, porque eles não podem arrendar.