Comportamento

Excluídos pelo mundo digital

A chegada de bulas e etiquetas digitais facilita a vida do varejo, mas pode trazer consequências negativas para alguns consumidores vulneráveis

Crédito: Agência Brasil

Anvisa se defende das críticas: a bula por QR Code amplia as informações sobre os remédios, além de ser mais sustentável (Crédito: Agência Brasil)

Por Maria Ligia Pagenotto

O conceito não era inédito, mas ganhou força na pandemia. O período de confinamento fortaleceu o atendimento “figital”, situações em que se empregam, de forma híbrida, meios físicos e digitais nas vendas e na oferta de serviços. Embora estranho, o termo cria uma situação bem real: agrega praticidade a alguns serviços e produtos, mas exlcui uma série de indivíduos que não se adaptam à novidade.

Um exemplo de “figital: o paciente faz uma consulta por telemedicina, recebe a prescrição de um medicamento em uma receita enviada por whatsapp e vai até uma farmácia (física) fazer a compra do remédio. Ao abrir a embalagem, descobre que não há bula: ela também só está disponível no ambiente digital.

Do final da pandemia para cá, o Brasil tem visto a crescimento do “figital”, mas não sem opositores. A chegada da bula de remédio no formato digital é um dos temas que têm gerado debate. Com a novidade, as informações sobre medicamentos podem ser acessadas pela leitura, nas embalagens, de um código de barras dimensional, o QRCode.

A bula também deve dar acesso a informações adicionais (vídeos e áudios que orientem sobre o uso do medicamento). Em 10 de julho, foi aprovado por diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) um projeto-piloto para aplicação da bula no novo formato.

Daniel Pereira, relator da proposta, afirma que a bula digital caminha “na direção da modernização da transformação digital no setor da saúde”. O projeto terá vigência até 31 de dezembro de 2026.

(Divulgação)

“A medida é mais um fator de exclusão e de perda da autonomia para o idoso.”
Daniela Bernardes, psicóloga

Daniela Bernardes, psicóloga com experiência no atendimento a idosos, rebate o entusiasmo da medida. “Não considera o contexto populacional e os déficits educacionais”, afirma. Ela cita dados de um estudo feito pelo Sesc e Fundação Perseu Abramo — apenas 19% das pessoas com mais de 60 anos fazem uso efetivo das redes.

Isso, segundo a especialista, será mais um fator para a exclusão do idoso: “Vai contra a autonomia dessas pessoas. Se ela conseguia ver a bula no papel, agora pode precisar pedir ajuda para ter acesso às mesmas informações”.

A polêmica sobre o “figital” promete ganhar força com a chegada, em breve, das etiquetas digitais de preços nas redes de varejo. O Walmart, maior rede de supermercados nos EUA, está com um projeto-piloto em uma unidade do Texas que atualiza os preços automaticamente. A empresa diz que a novidade facilita o processo de precificação — mas a verdade é que também torna mais fácil a remarcação.