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Farra no INSS: 130 mil aposentados e pensionistas reclamam descontos indevidos

Crescem as queixas de descontos indevidos nos pagamentos de aposentadorias e pensões em favor de “associações” que fazem intermediação de empréstimos: instituto diz que vai usar biometria para coibir a fraude

Crédito: Yasuyoshi Chiba

O INSS registra mais de 130 mil denúncias de descontos indevidos em benefícios em favor de entidades associativas (Crédito: Yasuyoshi Chiba)

Por Marcelo Moreira

A terapeuta aposentada Janete Silva não tinha o hábito de checar mensalmente o holerite de seu benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Sabia de cor o valor que caía todo mês na conta corrente. Certo dia, percebeu que o valor estava ligeiramente menor ao olhar o depósito na tela do telefone celular. Finalmente, foi atrás do comprovante do benefício e constatou um desconto de R$ 45,88 em benefício de uma associação de mutuários da qual nunca ouvira falar — e tinha certeza de que jamais autorizara o desconto. Foram necessários dois meses até conseguir o cancelamento dos valores, mas não recuperou os três meses que “contribuiu” sem saber.

Ela é apenas uma das 130 mil pessoas que reclamaram ao INSS sobre esses descontos indevidos no benefício previdenciário, a maioria neste ano.

O que os aposentados querem saber é como as tais associações que ninguém conhece conseguem acesso aos dados cadastrais e se tornam “beneficiárias” das “contribuições”. Ainda estão esperando por uma explicação convincente para que os advogados especializados em Direito Previdenciário possam agir contra esse tipo de fraude.

O assunto ganhou proporções tão preocupantes que mobilizou uma operação da Polícia Civil de São Paulo, com o acompanhamento do Ministério Público, contra as tais associações beneficiárias. Uma delas ocorreu no dia 16 de julho, em São Paulo, contra a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec).

Com autorização judicial, foram realizadas ações de busca e apreensão na sede da entidade em São Paulo.

A Ambec é uma entidade que cobra mensalidade para fazer intermediação de empréstimos a aposentados e está sendo acusada de fazer tal prática sem a autorização dos beneficiários, o que é crime.
Em muitos casos, os idosos recebem telefonemas oferecendo a possibilidade de acesso a empréstimos, mostram interesse e, na sequência, surge a mensalidade sem que houvesse o “sim formal” do aposentado.
E, em muitos outros casos, não há nem mesmo um telefonema: os descontos simplesmente aparecem no holerite.

“O INSS apura todas as denúncias e esperamos que a biometria acabe com essa fraude”, diz Alessandro Stefanutto, presidente do INSS (Crédito:Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

“O que acontece é que muitos aposentados são idosos e não entendem direito o que está sendo oferecido em telefonemas maliciosos”, diz a advogada Priscila Calisto, que tem nove ações na Justiça contra o que chama de “fraude no oferecimento de benefícios bancários e previdenciários”. No caso dos descontos que surgem do nada, ela considera que se tratam de casos muito graves de vulnerabilidade do sistema.

Em declarações após as operações do MP de São Paulo e da Polícia Civil, a presidente da Ambec, Marilisia Moran Garcia, disse que “às vezes as pessoas dão a autorização para o desconto e depois não se lembram”.

Nega, no entanto, qualquer tipo de irregularidade nos serviços prestados pela entidade. Em carta publicada no site da entidade, a presidente rechaçou acusações de que seria uma “laranja” para outras instituições receberem os benefícios e que os serviços prestados estão dentro da legalidade. “A Ambec está sendo vítima de uma campanha de notícias falsas.”

Para cancelar a cobrança indevida, é necessário comunicar o INSS e o banco que paga o benefício (Crédito:Guito Moreto)

Atualmente, existem 29 entidades conveniadas ao INSS, como sindicatos e associações voltadas a aposentados — e o instituto pode compartilhar informações de segurados para que essas entidades possam oferecer seus serviços.

A Ambec foi habilitada em 2021 pelo INSS para praticar “desconto de mensalidade associativa” no valor de R$ 45 em aposentadorias, por meio de acordo de “cooperação técnica” com o órgão, em troca de supostos serviços de assistência aos aposentados.

O INSS diz que endureceu as regras para desconto de mensalidade associativa. Agora, o beneficiário pode bloquear ou pedir a exclusão do desconto pelo aplicativo do site “Meu INSS”.

Para que os descontos com associações vinculadas ao INSS sejam permitidos, é necessário que os segurados assinem uma ficha de filiação a essas entidades.

A orientação do órgão para quem teve algum desconto não autorizado é pedir o bloqueio por meio do aplicativo ou ligando à Central 135. As entidades são notificadas e obrigadas a fazer a devolução dos valores diretamente aos beneficiários.

Outra medida tomada pelo órgão foi a edição de uma norma que prevê que só serão aceitos vínculos associativos aos segurados que tenham dado qualquer autorização por meio de biometria.

Uso da biometria

Com o aumento das queixas de descontos indevidos, o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, se manifestou dizendo que as medidas têm o objetivo de aumentar a segurança no processo. As associações têm 180 dias para se adaptar, o que significa que a medida passará a valer em meados de setembro deste ano. “O INSS seguirá apurando denúncias de irregularidades em descontos. Com a biometria, isso não vai mais acontecer.”

A advogada Jessica Ribeiro afirma que é fundamental o aposentado ou beneficiário tomar algumas medidas imediatas ao constatar o desconto indevido. Em texto publicado na internet, ela resume: “O primeiro passo é solicitar administrativamente o cancelamento desse desconto pelo site do ‘Meu INSS’ ou do próprio banco em que você recebe seu benefício. Caso o desconto persista, será necessário procurar um advogado de sua confiança e ingressar com uma ação judicial para pleitear o cancelamento do desconto”.