Como a saga de um cavaleiro do rei Artur foi recuperada 700 anos depois de esquecida
Por Felipe Machado
RESUMO
• Historiador europeu viaja por cinco países ao longo de uma década para encontrar a saga de Segurant
• Segurant era descrito como célebre cavaleiro na lenda do Rei Artur, mas foi esquecido ao longo dos séculos
• A descoberta do pesquisador, que tem ascendência brasileira, é um dos achados literários mais surpreendentes dos últimos tempos
Encontrar um personagem desconhecido numa das lendas mais populares de todos os tempos parece missão impossível. Mas após se aventurar por cinco países e realizar pesquisas em bibliotecas e museus ao longo de dez anos, o franco-italiano Emanuele Arioli demonstrou que isso pode se tornar realidade. O historiador resgatou a saga de Segurant, cavaleiro da célebre corte do Rei Artur. Sua história esquecida por mais de 700 anos chega ao País, em uma descoberta que já vem sendo apontada como um dos grandes feitos da literatura europeia no século 21.
Contemporâneo de nomes conhecidos do público, como Merlin, Lancelote, Tristão e Perceval, Segurant foi um personagem de sucesso entre os séculos 13 e 15, época em que foi descrito como o “melhor cavaleiro do Rei Artur”. Era um guerreiro invencível nos duelos do torneio de Winchester, ocasião em que estão situadas grande parte das aventuras desse período.
Sua popularidade entre os leitores chegou ao fim quando um dos muitos autores que contribuíam para a saga do monarca da Grã-Bretanha o colocou no rastro de um dragão ilusório, destino que o levou a terras desconhecidas — e o levou a desaparecer de cena. Com Segurant afastado da trama, outro pesonagem, a fada Morgana, determinou que seu nome fosse apagado da memória de todos. A partir daí, o “Cavaleiro do Dragão” sumiu do enredo principal como que por magia. Os outros nobres, então, partiram em busca de suas próprias aventuras.
Cavaleiros da Távola Redonda: disputas no torneio de Winchester
Os bastidores dessa descoberta são quase tão interessantes quanto a obra em si.
• A pesquisa teve início na Biblioteca de Arsenal, que pertenceu ao Cardeal de Richelieu, em Paris, onde estão guardados mais de 15 mil volumes.
• Ele encontrou inicialmente um fragmento que citava o paladino em um caderno intitulado As Profecias de Merlin, escrito entre 1272 e 1273, na Itália, mas em francês antigo.
• O texto trazia a linha mestra da história do cavaleiro, mas o arquivo havia sido interrompido no meio de uma frase inconclusa, o que intrigou e atiçou a curiosidade do historiador.
• Arioli passou então a buscar o nome em outros trechos que pudessem estar conectados, primeiro virtualmente, depois com visitas a diversos países.
• Encontrou 28 menções que lhe permitiram resgatar a base que constitui a narrativa Segurant, o Cavaleiro do Dragão, obra que chega agora ao Brasil.
“O personagem surgiu nas profecias do mago Merlin. A Igreja de Roma proibiu a obra e, com isso, muitos livros foram queimados.”
Emanuele Arioli, autor de Segurant, o Cavaleiro do Dragão
Traduzida para o português pelo próprio autor — ele também tem ascendência brasileira —, sai aqui simultaneamente em três formatos:
• o romance, para o público adulto, traz a história reconstituída a partir dos trechos restaurados;
• uma graphic novel;
• e uma história em quadrinhos, onde o autor se permitiu acrescentar pequenos detalhes e citações autorreferentes sobre a sua pesquisa.
No Cavaleiro do Dragão, documentário produzido pela TV francesa, Arioli explica como chegou ao manuscrito que deu origem ao projeto. “Redescobrir hoje um novo e desconhecido romance da Idade Médi é algo excepcional. Reconstituir o romance inteiro é um prodígio de erudição, inteligência e sensibilidade”, afirmou Michel Zink, medievalista francês e membro da Academia Francesa.
Emanuele Arioli
Escritor e historiador
“Encontrei o manuscrito original entre 15 mil textos”
Era fã das histórias de Rei Artur quando criança? Isso motivou sua pesquisa?
Não, só fui me interessar mais tarde, durante o projeto. Eu tinha apenas um livro da saga, mas não era o meu favorito.
Preferia as lendas da França e Itália?
A história do Rei Artur é uma lenda celta, mas os primeiros textos foram escritos na Grã-Bretanha, em francês. É por isso que também há uma ligação forte com a França.
Por que lançar três versões da história?
O romance é a versão original da Idade Média, mas eu quis incluir outros trechos, como o que Segurant busca o Santo Graal para vencer o dragão. Fiz isso por meio da graphic novel. Na adaptação infanil, incluí a minha aventura para inspirar as crianças.
Como encontrou o manuscrito original ?
Pesquisei todos os textos que remetiam ao Rei Artur. Encontrei o manuscrito original na Biblioteca de Arsenal, entre 15 mil livros. Foi um trabalho complexo pois era tudo escrito a mão, sem um padrão. Aos poucos reconheci linhas que orientaram o meu caminho.
Por que Segurant ficou esquecido durante tanto tempo?
Porque a origem do personagem surge no livro As Profecias de Merlin, do mago do Rei Artur. No Renascimento, a Igreja de Roma considerou os textos proibidos. Muitos manuscritos foram queimados.
Como fala tão bem o português?
Tenho ascendentes que viveram no Brasil. Me interessei pelo País e fui professor visitante de História Medieval no Rio de Janeiro.
Pesquisou manuscritos locais?
Meu próximo livro será sobre a influência do Rei Carlos Magno no Brasil e na África. Os portuguesesm introduziram a história para promover o cristianismo, mas ela logo foi apropriada pela cultura local.