Brasil

Qual o futuro de Ramagem, candidato a prefeito do Rio?

Na mira da PF por usar Abin para bisbilhotar a serviço de Bolsonaro, o ex-diretor do órgão enfrenta desgaste e pode ser forçado a retirar candidatura no Rio

Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

Ramagem prestou depoimento de mais de seis horas à PF e será responsabilizado por “Abin paralela” (Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Por Vasconcelo Quadros

Fustigado por denúncias de uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionar adversários políticos, jornalistas e autoridades da República, o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) atrelou seu destino ao incerto futuro do ex-presidente Jair Bolsonaro e corre o risco de ver naufragar sua candidatura à Prefeitura do Rio de Janeiro, além de responder a processo no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, que pode ameaçar seu mandato.

As investigações da Polícia Federal mostram que a Abin, que nunca se livrou da maldição do famigerado SNI da ditadura, foi aparelhada durante todo o período do governo anterior, conforme revela o áudio de uma conversa no núcleo palaciano cujo conteúdo teve o sigilo levantado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. A transcrição da gravação fortalece a suspeita de que o deputado, experiente delegado federal, colocou uma agência estatal para cuidar de futricas políticas, atendendo a obsessão do ex-presidente em monitorar a vida de opositores. Sem uma explicação lógica para a ilegalidade praticada, a defesa do deputado piora sua situação.

Ao argumentar que gravou com o conhecimento do então presidente, para protegê-lo de uma delirante chantagem política, a versão confunde os papéis institucionais: na hipótese de um crime em andamento, a PF é que deveria ser acionada e não a Abin que, como não tem poder de polícia, só é autorizada a produzir informações.

Ramagem prestou um longo depoimento na quarta-feira, 17, onde negou as acusações, mas deve ser indiciado no inquérito que investiga as atividades da “Abin paralela”, suas relações com o filho 02 do ex-presidente, Carlos Bolsonaro e o “gabinete do ódio”, grupo que se especializou em espalhar mentiras pelas redes sociais e é suspeito de participar da tentativa de golpe de Estado.

(Márcia Foletto)
Objetivo era blindar o clã Bolsonaro contra investigações sobre Flávio (Crédito:Mateus Bonomi)

A rachadinha do 01

Um dos trechos da gravação, com 1h08m, feita em 2020, mostra Ramagem atuando para que o governo mandasse abrir uma apuração administrativa que amparasse o afastamento de auditores da Receita Federal. O objetivo era inibir a investigação em curso sobre a prática de “rachadinha” envolvendo o então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho nº 1 do presidente.

A intervenção resolveria a situação de Flávio e afastaria um “fantasma” que à época assombrava o próprio presidente: como o modus operandi para fazer dinheiro descontando parte do salário de servidores de gabinete era uma prática antiga dos Bolsonaro. O núcleo duro dos assessores temia também que isso repercutisse no governo.

O que mais pesa contra o deputado é, no entanto, sua subserviência aos caprichos do ex-presidente.
Embora a Abin estivesse sob responsabilidade do general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e considerado pela PF como figura decorativa, Ramagem tinha uma relação direta com o gabinete presidencial e atendia ao que mais interessava a Bolsonaro.
Na semana passada, a PF deflagrou a Operação Última Milha e fez uma devassa nas casas de servidores levados à Abin por Ramagem, prendendo quatro suspeitos, entre eles o policial federal Marcelo Araujo Bormevet e o subtenente do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues, que integravam o Centro de Inteligência Nacional (CIN) da agência e se utilizavam de ferramentas estatais para espionar e atender à obsessão do ex-presidente por informações de rivais.
Os dois estão no centro do escândalo e, se confirmarem à PF que obedeciam ordens, podem complicar Ramagem e, sobretudo, o ex-capitão.

O reflexo da Abin paralela na política é inevitável. Pré-candidato a Prefeitura do Rio de Janeiro, Ramagem depende agora de Bolsonaro para evitar seu naufrágio, especialmente depois que o ex- presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um dos alvos da espionagem ilegal, ter anunciado que adotará medidas judiciais contra ele, além de engrossar a fileira de adversários do PL nas eleições deste ano no Rio de Janeiro. Maia afirmou que é assustador saber que um servidor do porte de Ramagem usou ilegalmente aparato estatal para bisbilhotar a serviço de um governo que, segundo ele, adotou “práticas totalitárias e criminosas”.

Embora nos bastidores tenha demonstrado irritação com a gravação, Bolsonaro não retirou o apoio ao pupilo e, depois que o ministro Alexandre de Moraes explicou que os dois não estão impedidos de se encontrar ou fazer campanha juntos, iniciou uma série atividades no Rio para medir a temperatura e avaliar se o escândalo ajuda ou atrapalha Ramagem.

O deputado ainda patina nas pesquisas de opinião, lideradas pelo prefeito Eduardo Paes (PSD), que tem tudo para ganhar no primeiro turno, com o apoio de Lula.

Para passar a ideia de perseguição política, Ramagem tem insistido que Bolsonaro sabia do áudio e dito que a gravação teria sido feita para protegê-lo contra um adversário político, o ex-governador do Rio, Wilson Witzel, que enviaria um emissário ao Palácio do Planalto para negociar uma indicação ao STF em troca de blindagem a Flávio Bolsonaro, versão própria do imaginário do ex-presidente. Witzel nega e diz que a fala de Bolsonaro é fruto de confusão mental do ex-mandatário.