Briga territorial entre Estados pode mudar mapa do Brasil
Dois litígios territoriais podem redesenhar as divisas entre estados: Piauí e Ceará disputam a Serra de Ibiapaba, enquanto Santa Catarina e Paraná brigam por um trecho do tamanho de 500 campos de futebol
Por Marcelo Moreira
O noticiário internacional costuma ser pródigo em questões de disputas territoriais históricas que levaram a guerras, como a recente anexação da região da Criméia, um dos ingredientes da guerra entre Rússia e Ucrânia, e a invasão das ilhas Falklands pela Argentina no Atlântico Sul, em 1982, causando a Guerra das Malvinas com a Inglaterra. O Brasil também tem as suas contendas internas por territórios em pleno século XXI, mas bem longe de um clima bélico e envolvem quatro estados: Piauí, Ceará, Paraná e Santa Catarina, que lutam para anexar territórios aos seus mapas.
O litígio mais complicado é o que envolve a Serra de Ibiapaba (CE), entre Piauí e Ceará, numa disputa que começou em 1880 e que tem documentos usados como “provas” que remontam ao século XVIII. Dependendo do que é reivindicado pelo Piauí, a área envolvida pode chegar a quase 6 mil quilômetros quadrados (quatro vezes a área da cidade de São Paulo), incluindo13 municípios e 25 mil pessoas, que hoje vivem do lado cearense. Curiosamente, são dois estados governados pelo PT – Eumano de Freitas governa o Ceará e Rafael Fonteles, o Piauí.
Os piauienses retomaram a disputa em 2011 ajuizando ações na esfera federal em bsuca da redefinição das divisas na Serra de Ibiapaba. É uma região que concentra forte atividade agropecuária e um grande potencial de extração mineral, além de um ser um polo nacional de cultivo de variedades de flores. U
m grupo técnico criado pelo governo do Piauí elaborou um detalhado dossiê recheado de documentos históricos, que colocam em dúvida a posse cearense da região. O caso suscitou o envolvimento do Exército brasileiro, que realizou uma perícia cartográfica, a pedido da Justiça Federal, para embasar uma eventual definição do Supremo Tribunal Federal (STF), que não tem prazo para definir a questão.
Possibilidades
A perícia foi inconclusiva, mas o Exército sugeriu cinco alternativas: toda a Serra de Ibiapaba seria anexada ao Piauí; dividir os territórios igualmente entre os estados; destinar todo o território em disputa ao Piauí; destinar todo o território ao Ceará, como está hoje; tomar por base os dados do censo do IBGE de 2022, que leva em conta a realidade atual e a sensação de pertencimento dos habitantes da região. Livio Bonfim, procurador que integrou o grupo técnico da Procuradoria Geral do Piauí, diz que o laudo do Exército reforça a reivindicação de seu estado. “É uma região economicamente promissora, principalmente na produção de energia solar e eólica. Historicamente, é uma área pertencente ao Piauí.”
Rafael Moraes, procurador da Procuradoria Geral cearense, contesta. Diz que a ação judicial do Piauí não faz sentido nos dias de hoje e que ela se baseia em um “devaneio jurídico com fins exclusivamente econômicos e políticos”. Para ele, que integra o grupo técnico do Ceará, o fator humano teria de prevalecer na discussão. “É uma questão de pertencimento, de respeito ao território. São cidadãos cearenses que se sentem cearenses e são assistidos pelo governo cearense, que mantém equipamentos públicos na região. Há políticas públicas de incentivos fiscais e tributários para as empresas e todo um investimento ao longo de décadas. Consideramos uma posição extremamente injusta esta investida do Piauí sobre a Serra de Ibiapaba.”
Para Cleyton Monte, cientista político da Universidade Federal do Ceará, é uma contenda política que não leva em conta a realidade. “É uma região que tem infraestrutura vinculada ao Ceará. Não creio que tenhamos uma solução jurídica para breve.”
Entre Santa Catarina e Paraná, a remarcação das divisas é menos traumático e problemático. Por conta de erros na definição fronteiriça entre 1918 e 1919, o município de Guaratuba (PR) poderá perder cerca de 490 hectares (500 campos de futebol) para Garuva (SC). A perícia cartográfica também ficou a cargo do Exército e o caso deverá ser analisado em breve pelo STF e pelo Ministério da Justiça.