Comportamento

Unidos pelo amor, separados pelo ronco: ‘divórcio do sono’ já é realidade no Brasil

Mesmo quando o casamento vai bem, cada vez mais os casais optam por dormir em camas separadas. Entre os motivos estão a incompatibilidade de rotinas, a busca por privacidade ou apenas o desejo por um sono melhor

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“Divórcio do sono”: mercado de arquitetura e construção já identificou a tendência (Crédito: Divulgação )

Por Maria Ligia Pagenotto

Em 1981, Chico Buarque lançou a música “Ela é Dançarina”, em que fala sobre os desencontros de um funcionário e de uma bailarina. “Quando pego o ponto, ela termina”, canta Chico. Na letra, ele avisa que, “nas questões de casal, não se fala mal da rotina”. Parece que o distanciamento, no caso imperativo, faz bem à dupla. É exatamente em busca dessa melhoria na qualidade dos casamentos que muitas pessoas têm optado por dormir em camas separadas. Uma pesquisa da organização americana International Housewares Association, divulgada pelo The New York Times, mostrou que um em cada cinco casais dos EUA já dorme em quartos separados — e quase dois terços desses cidadãos praticam esse hábito todas as noites.

Ter horários muito diferentes, como a dançarina e o funcionário, é um dos motivos para esse afastamento temporário que está sendo chamado de “divórcio do sono”.

Mas há outros: o ator Kadu Moliterno e sua mulher, Cristianne, revelam que dormem em quartos separados como forma de “garantir a saúde da relação”. Com mais de 60 anos de casados, os atores Rosamaria Murtinho e Mauro Mendonça também apostam nesse hábito para manter o relacionamento firme e forte.

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“Não existe fórmula para a felicidade, cada casal precisa encontrar a sua dinâmica”, afirma o psicólogo Vicente Cassepp-Borges. Escolher dormir separado pode ser um indício de que o casamento não vai bem, segundo ele. “Mas escolher dormir junto, eventualmente, sem que isso seja uma obrigação, pode ter o sabor de uma conquista e ser benéfico para a relação”, pondera.

A atriz norte-americana Cameron Diaz e seu parceiro, o guitarrista Benji Madden, saíram em defesa do “divórcio do sono” alegando o direito à individualidade. Segundo ela, “a prática deveria ser normalizada”.

A psicóloga Bárbara Valle também defende a ideia de que cada casal deve seguir o caminho que mais faz sentido naquele momento. “Existem muitos modos de se relacionar, e os horários, hábitos e estilos de vida interferem nas escolhas”, diz. Para ela, a questão está de fato mais normalizada nos dias de hoje: “Vejo muitos casais, até tradicionais, repensando o formato do relacionamento”.

Mauro Mendonça, ator, e a mulher, a atriz Rosamaria Murtinho: juntos há 60 anos, o casal aposta na privacidade (Crédito:Divulgação )

No mercado de arquitetura e construção há 15 anos, Bruno Moraes vê essa característica como uma tendência. Muitos clientes, afirma, têm solicitado projetos de quartos separados, alguns até com banheiros exclusivos. “Acredito que antes as pessoas tinham vergonha de pedir isso, hoje percebo que o tema é tratado com mais naturalidade”. Ele conta que fez um projeto com três quartos, um para cada cônjuge e outro para o casal desfrutar junto. “Muita gente usa o ronco de um dos parceiros como pretexto para justificar essa solução”, conta.

De fato, segundo especialistas, o barulho na hora de dormir é um dos motivos mais comuns por trás da separação dos corpos.

Monica Andersen, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora do Instituto do Sono, afirma que 40,6% dos homens na cidade de São Paulo têm apneia, distúrbio que causa interrupções na respiração, gerando ruídos. “Em alguns casos, esse som pode chegar a 70 decibéis. É quase como dormir ao lado de um caminhão acelerando”, diz.

O problema, obviamente, interfere na qualidade de vida dos envolvidos. “Quem não dorme bem tem alterações de humor e menos empatia”, explica. Fica difícil um casal manter a harmonia nessas condições, segundo Monica.

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“Ter um quarto para cada um garante a saúde da relação.”
Kadu Moliterno, ator, e Cristianne, fisiculturista

A solução, nesses casos, pode estar nos quartos separados. “Vários casais chegam ao consultório procurando uma saída, porque o problema do ronco chegou a um limite”, conta o otorrinolaringologista Luciano Moreira. Segundo ele, a questão vai além da estética: “É algo que de fato interfere, e muito, na durabilidade das relações”. A boa notícia é que o ronco tem tratamento — é importante procurar atendimento médico.

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“‘Dormir separados deveria ser algo normalizado.”
Cameron Diaz, atriz, que aplica o “divórcio do sono” com o marido Benji Madden

Se o casal voltará a dormir junto ou não é outro ponto. “Talvez a privacidade prevaleça, porque perceberam que era bom assim. Mas, se o casal quiser se manter junto, é fundamental buscar momentos de intimidade em outras situações, para que a separação não seja uma muleta para ocultar problemas”, diz a psicóloga Maria Del Monte.