O filho perdido da sociedade
Por Laira Vieira
Quando os limites entre a inocência e a maldade são constantemente testados, Precisamos Falar Sobre Kevin (2011) surge como uma visão penetrante e perturbadora sobre a natureza humana. Dirigido por Lynne Ramsay (O Lixo e o Sonho, Polaris), o filme nos conduz por um labirinto psicológico, onde as figuras parentais são confrontadas com a realidade obscura de seu filho.
A trama não linear, salta entre o passado e o presente, revelando gradualmente os eventos que levaram a uma terrível tragédia envolvendo Kevin. Eva (Tilda Swinton) é atormentada pelo comportamento perturbador de seu filho Kevin (Ezra Miller), desde a infância até a adolescência. Ele é um jovem carismático e manipulador – fazendo com que seu pai Franklin (John C. Riley), caia facilmente na sua lábia – e cujas ações deixam uma trilha de destruição por onde passa.
A obra aborda temas como a natureza do mal, a responsabilidade parental, a alienação e a culpa. Ramsay utiliza uma linguagem visual impressionante para explorar a dualidade da maternidade, revelando tanto o amor incondicional de Eva por seu filho quanto o horror crescente diante de suas ações.
Nas palavras de Nietzsche, “A grandeza do homem consiste em que ele é uma ponte e não um fim”. Esta frase retumba na película, onde Kevin é retratado como uma figura que desafia as noções convencionais de moralidade e redenção.
Podemos observar como o ambiente familiar e as interações sociais moldam a personalidade do protagonista. No entanto, também é evidente que há uma falta de intervenção externa para ajudar a identificar e lidar com os problemas comportamentais do mesmo. É um lembrete sombrio de que, às vezes, o mal pode surgir mesmo nos lugares mais inesperados, exigindo uma vigilância constante e um confronto corajoso com uma verdade desconfortável.
Isso levanta questões sobre o papel da comunidade e das instituições sociais na prevenção e na resposta a comportamentos problemáticos, especialmente quando se trata de questões de saúde mental e violência. Em muitos casos da vida real, sinais de alerta são ignorados ou não tratados adequadamente – tanto na privacidade do lar, como publicamente, resultando, muitas vezes, em consequências trágicas.
Na nossa sociedade marcada por tragédias como tiroteios em escolas e atos de terrorismo, a película ressoa de forma inquietante. Devemos questionar até que ponto somos responsáveis pelas ações da nossa prole e enfrentar as consequências de ignorar os sinais de alerta; considerar o impacto mais amplo da sociedade na formação do caráter e do comportamento humano, lembrando da importância de uma abordagem holística para lidar com questões complexas como essa, pois algumas tragédias podem ser evitadas.