Enxaqueca: cientistas avançam na descoberta da cura; confira
Por Bruna Garcia
RESUMO
• As dores de cabeça excruciantes são pouco compreendidas.
• Estudo sugere que o conteúdo do fluido que envolve cérebro e medula espinhal possa ser um gatilho para a dor
Cerca de um bilhão de pessoas no mundo sofrem com os sintomas debilitantes da enxaqueca: dor de cabeça latejante, náusea, visão turva e fadiga que podem durar dias. Mas como a atividade cerebral desencadeia essa dor de cabeça mais severa ainda há muito a descobrir.
Um estudo feito com camundongos, publicado na revista Science, dá pistas sobre os eventos neurológicos que desencadeiam as enxaquecas. A publicação sugere que um breve “apagão” cerebral — quando a atividade neuronal é desligada — altera temporariamente o conteúdo do fluido cerebrospinal, líquido que envolve o cérebro e a medula espinhal.
Os cientistas sugerem que, quando alterado, esse fluido viaja por uma lacuna desconhecida na anatomia até os nervos do crânio, onde ativa receptores de dor e inflamação, causando a enxaqueca. “Este trabalho muda a forma como pensamos na origem das dores de cabeça”, diz Gregory Dussor, neurocientista da Universidade do Texas. “A dor de cabeça pode ser apenas um sinal de alerta geral para muitas coisas que acontecem no interior do cérebro e que não são normais.”
“A enxaqueca é realmente protetora nesse sentido. A dor protege porque diz à pessoa para descansar, se recuperar e dormir”, afirma a coautora do estudo, Maiken Nedergaard, neurocientista da Universidade de Copenhagen.
“O estudo nos dá resposta sobre um fato e cria muitas perguntas sobre a complexa cascata de diferentes mecanismos que leva a uma crise de enxaqueca. Do mesmo modo, abre caminhos para futuras pesquisas e nos apresenta novos possíveis alvos para criação de novos medicamentos e medidas terapêuticas”, disse à ISTOÉ Felipe Aydar Sandoval, médico neurologista do Hospital Sírio-Libanês e membro titular da Academia Brasileira de Neurologia.
“Os estudos que nos dão uma resposta sobre a causa da enxaqueca também nos abrem um leque de indagações.”
Felipe Aydar Sandoval, membro titular da Academia Brasileira de Neurologia
Cérebro sem dor
O próprio cérebro não possui receptores de dor; a sensação de dor de cabeça vem de áreas fora do cérebro que estão no sistema nervoso periférico. Mas como o cérebro, que não está diretamente ligado ao sistema nervoso periférico, desencadeia nervos para causar dores de cabeça é pouco compreendido. “Hoje, sabe-se que a crise de fato se origina no cérebro, o qual não tem receptores dolorosos, e só depois se espalha a outras estruturas periféricas sensíveis à dor, como nervos e vasos. Porém, o caminho pelo qual isso acontece não é conhecido. É sobre este ponto que o estudo lança luz: há uma breve mudança de concentração de certas proteínas no líquor, e por meio de uma recém-descoberta falha na barreira que o separa do sangue, possibilita a comunicação com o sistema do nervo trigêmeo”, diz Sandoval.
Os especialistas que trabalham com um tipo específico de dor de cabeça chamada enxaqueca com aura se propuseram a estudar o tema. Um terço das pessoas com enxaqueca experimenta uma fase antes da dor conhecida como aura, que traz sintomas como náusea, sensibilidade à luz e dormência. Pode durar entre cinco minutos e uma hora. Durante a aura, o cérebro experimenta um apagão chamado depressão cortical propagada (DCS), quando a atividade neuronal é interrompida por um curto período.
1 bilhão de pessoas
sofrem com os sintomas da enxaqueca.
Um terço delas
experimenta uma fase antes da dor de cabeça conhecida como aura, que traz sintomas como náusea, vômito, sensibilidade à luz e dormência, e pode durar entre cinco minutos e uma hora.
Durante a aura,
o cérebro experimenta um apagão chamado depressão cortical propagada (DCS), quando a atividade neuronal é interrompida por um curto período.
Estudos sugerem que as dores de cabeça acontecem quando moléculas do líquido cefalorraquidiano drenam do cérebro e ativam nervos nas meninges, as camadas que protegem o cérebro e a medula espinhal.
• A equipe de Nedergaard queria explorar se havia vazamentos semelhantes no líquido cefalorraquidiano que ativam o nervo trigeminal, que corre pelo rosto e crânio.
• Os ramos dos nervos se unem no gânglio trigeminal, na base do crânio.
• Este é um centro de retransmissão de informações sensoriais entre a face e a mandíbula para o cérebro e contém receptores de dor e proteínas inflamatórias.
Os pesquisadores criaram camundongos que experimentaram apagões (DCSs) e analisaram o movimento e o conteúdo de seu líquido cefalorraquidiano.
• Durante uma DCS, eles descobriram que a concentração de algumas proteínas no fluido caiu para menos da metade dos níveis habituais.
• Os níveis de outras proteínas mais que dobraram, incluindo a proteína CGRP, que transmite dor e é um alvo de medicamentos para enxaqueca.
• Também foi descoberto um vazio nas camadas protetoras ao redor do gânglio trigeminal, que permite que o líquido cefalorraquidiano entre nessas células nervosas.
• Então, eles testaram se fluidos espinhais com diferentes concentrações de proteína ativavam os nervos trigeminais nos camundongos.
O fluido coletado logo após uma DCS aumentou a atividade das células do nervo trigeminal – indicando que as dores de cabeça podem ser desencadeadas por sinais de dor enviados dessas células ativadas. Mas o fluido coletado duas horas e meia após as DCSs não teve o mesmo efeito. “Seja o que for liberado no líquido cefalorraquidiano, ele é degradado. Portanto, é um fenômeno de curta duração”, diz Nedergaard.
Dussor sugere que trabalhos futuros devem explorar por que as proteínas do líquido cefalorraquidiano que atingem o gânglio trigeminal resultam em dores de cabeça e nenhum outro tipo de dor. “Isso levantará questões interessantes na área e provavelmente será a fonte de muitos novos projetos de pesquisa.”