Excomungado!
Por Antonio Carlos Prado
Foi difícil a decisão para o papa Francisco, defensor que é da democracia no interior da Igreja Católica e do respeito aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos em todas as nações, de anuir que o Vaticano tomasse a providência que tomou — para um jesuíta, no entanto, a ordem e a obediência à hierarquia estão sempre em primeiro lugar. A providência em pauta é a excomunhão do ex-núncio apostólico dos EUA e um dos religiosos que já estiveram dentre os mais prestigiados da Santa Sé: o arcebispo Carlo Maria Viganò. A medida extrema da excomunhão foi confirmada no início da semana passada. De acordo com membros do Dicastério para a Doutrina da Fé, Viganò fazia incessantemente oposição pública a Francisco, e deu início a um cisma ao dizer que desejava abandonar a comunhão com o bispo de Roma – o que significa abandoná-la segundo os padrões da Igreja Católica. O ex-núncio, em falas públicas, condenava o histórico “Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), que criou a Teologia da Libertação com opção preferencial de a Igreja servir aos pobres”.
LITERATURA
Os poemas de Anne Sexton ganham a sua primeira tradução no Brasil
Finalmente os brasileiros poderão ler, em português, a maravilhosa e densa obra poética da autora norte-americana Anne Sexton, considerada nas nações de idioma inglês uma das melhores escritoras do século XX — Anne suicidou-se em 1974. São cerca de noventa poemas reunidos na antologia intitulada Compaixão (editora Relicário), organizada por sua filha, Linda Gray Sexton. Em 1967, com o livro Live and Die, Anne foi contemplada com o prêmio Pulitzer. Na mesma linhagem de Sylvia Plath (foto abaixo), também a sua poesia é completamente confessional (no Brasil se aproxima muito da obra de Ana Cristina Cesar, uma das mais brilhantes poetas nacionais) e leva quem a lê a reflexões sobre a condição da subjetividade feminina. Assim como Ana Cristina, a poeta norte-americana elege interlocutores imaginários em seus textos e, por intermédio deles, dirige os poemas ao leitor, muitas vezes com cortante ironia. O trabalho de Anne Sexton é, enfim, de extrema riqueza sob a ótica literária e psicológica. Poucos, como ela, tiveram a coragem de mergulhar em si e em suas complexidades para compreender a alma humana.
“O amor e a tosse não podem ser disfarçados. Nem mesmo a pequena tosse. Nem mesmo o pequeno amor.”
Anne Sexton
SOCIEDADE
Anatomia de um feriado
Esqueçamos por um momento a corrupta política praticada em Pindorama e que, justificadamente, ocupou largo espaço na mídia, na terça-feira, dia 9 de julho: Bolsonaro e os indícios concretos de desvios de jóias. Feriado em São Paulo, comemorativo da Revolução de 1932, legítimo e corajoso levante paulista contra Getúlio Vargas que, derrotado nas urnas, usurpara a Presidência da República. Apear Getúlio do poder fazia-se imperioso para evitar que o País vivesse terríveis dias de ditadura. São Paulo perdeu. Cinco anos depois veio o autoritário Estado Novo. Esse fato da política, que é a Revolução Constitucionalista, tem mesmo de ser lembrado pela mídia para que governos autocratas não se repitam. Tirante isso, partamos para uma notícia longe da política, longe de conspurcada por ela, longe das mesquinharias da praxe dos partidos. No 9 de julho comemorou-se, também, um quarto de século de uma outra revolução – a revolução na música denominada clássica, com a inauguração da Sala São Paulo para concertos. Orgulho paulista e do Brasil, é dotada de uma das mais apuradas acústicas do mundo. Para celebrar seus vinte e cinco anos, elegeu-se a execução da Sinfonia nº 2 de Gustav Mahler (1860-1911), chamada Ressurreição — o segundo e o quinto movimentos nos elevam à condição de humanos. É no segundo em que a contralto canta: “creia meu coração (…) não nasceste em vão, não sofreste em vão”. Muitos políticos talvez não saibam quem foi Mahler, mas isso não importava no feriado. Aliás, não importa nunca. O que conta é que a Sala São Paulo está sempre pronta para nos desentristecer de eventuais peculatos.