É a narrativa, estúpido

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Felipe Machado: "Como será difícil impedir alguém de contar mentiras, precisamos encontrar uma forma de responsabilizar as corporações digitais por divulgá-las" (Crédito: Divulgação)

Por Felipe Machado

Em 1992, o estrategista norte-americano James Carville trabalhava na campanha de Bill Clinton quando criou uma expressão que marcaria o marketing político: “É a economia, estúpido”. O tom agressivo era uma forma de reiterar aos seus assessores de forma inequívoca que o discurso do candidato devia focar no bolso dos eleitores — o resto era bobagem.

Apesar da preocupação financeira ainda ser essencial nos dias de hoje, o mundo era outro. Não havia celular ou internet, e o comportamento humano era, digamos, um pouco mais racional. Uma candidatura que apelasse para a melhoria da vida das pessoas do ponto de vista econômico seguia uma lógica indiscutível — Clinton venceu George Bush e se tornou o 42º presidente dos EUA.

Hoje não é mais a economia que rege a vida do cidadão, mas o desejo de pertencer a um grupo com o qual se identifique. Nesses sombrios tempos regidos pelos algoritmos, o que vale é a narrativa, mesmo que seja distorcida ou mentirosa. Só isso explica o posicionamento ilógico do eleitor e a preferência de certos grupos por candidatos que são claramente contrários aos seus interesses — vide exemplos como os gays a favor de Bolsonaro ou os negros que votam em Trump. As narrativas criadas e disseminadas no mundo virtual funcionam como lavagem cerebral, criando realidades paralelas que só existem na cabeça de quem quer acreditar. Não importa o que alguns políticos fazem, mas o que dizem que fazem. Vivemos na época da pós-verdade, infelizmente.

Não é mais a economia que rege a vida do cidadão, mas o desejo de pertencer a um grupo com o qual se identifique

Um bom exemplo é o Congresso Nacional. Temos a pior legislatura da história, mas alguns parlamentares fazem sucesso nas redes sociais. Muitos deles, inclusive, atuam praticamente apenas no ambiente virtual, sem conexão com o mundo real. São figuras caricatas que não sabem discutir as complexas questões que afligem o País, por isso oferecem a seus seguidores alternativas simplistas e banais dos problemas. O que conta não são os fatos, mas a versão que apresentam deles. E assim as pautas que realmente deveriam importar — econômicas, sociais, de saúde e educação — são deixadas de lado.

Como será difícil impedir alguém de contar mentiras, precisamos encontrar uma forma de responsabilizar as corporações digitais por divulgá-las. O dia em que isso acontecer, poderemos retomar um ambiente de normalidade institucional — e voltar a se preocupar com a economia, estúpido.