Conheça restaurantes que unem arte e gastronomia – receita certeira de bem-estar
Munidos de obras da cultura popular e intervenções tecnológicas, bares e restaurantes do Brasil focam na construção de ambientes que unem a apreciação artística à gastronômica
Por Ana Mosquera
Ainda que a elevação da gastronomia à arte gere discussões, não é incomum a comparação de pratos e drinques a quadros e esculturas. Até mesmo instalações e performances têm seu lugar em restaurantes. O famoso chef Heston Blumenthal recebe os comensais para jantares teatrais no The Fat Duck, em Londres, criando menus e cenas inspiradas em livros, como Alice no País das Maravilhas, e momentos históricos, a exemplo da Era Tudor. De forma menos fantástica, mas igualmente provocativa, restaurantes do Brasil prezam por ambientes em que a arte reina tanto quanto a comida — ou melhor, adere a ela convidando os visitantes a uma experiência imersiva em localidades, períodos e até mesmo no futuro, com inovações tecnológicas ornamentando as paredes.
Arquitetura e mobiliário são igualmente considerados por chefs, artistas e profissionais da área para compor o espaço de convívio e apreciação sinestésica. A arte além do menu aparece em exposições fixas e itinerantes, e as curadorias têm inspirações variadas, da proposta gastronômica à história de onde o estabelecimento se localiza.
● No Conjunto Nacional, em São Paulo, construído entre 1955 e 1962 pelo arquiteto paranaense David Libeskind, o restaurante A Casa de Antonia recebe uma exposição em homenagem ao edifício icônico. “É importante para mostrar às pessoas a complexidade de seu projeto, a inovação de colocar, num único espaço, uma torre residencial, uma torre comercial e todo um espaço dedicado à cultura”, diz a chef e sócia Andrea Vieira. Para harmonizar com as 25 fotografias, desenhos e ilustrações da mostra “O Conjunto Nacional de Libeskind”, Vieira preparou um cardápio especial inspirado nas culinárias dos estados que o profissional viveu — Paraná, Minas Gerais e São Paulo.
● Ainda na capital paulista, no Canto do Picuí, o chef alagoano Wanderson Medeiros traz elementos da cultura popular e afro-indígena na decoração, que, junto à comida, contam um pouco de sua cultura. “Além de criar um vínculo com a origem e o tipo de gastronomia, apresenta uma arte para pessoas que talvez não a conheçam.” Na decoração estão as cabeças de barro do Seu Olério, da comunidade quilombola do Muquém, remanescente do Quilombo dos Palmares, além de cocares da etnia Xucuru-Kariri.
● Igualmente inspirados na natureza – do meio ambiente e humana –, os sócios do Elena, no Rio de Janeiro, optaram por interações de filmes/videoarte, com curadoria cultural de Batman Zavareze, para compor o ambiente do bar e restaurante. São projeções, painéis espelhados para recados e pontos de luz no teto, replicando um céu estrelado. “A arte tem importância fundamental à continuidade da experiência, e as projeções são em ambientes transitórios para uma surpresa inesperada. As do corredor, por exemplo, dispõem de sensores de presença e se alteram com a passagem”, diz Alexandre Leite, CEO do Elena.
Contemplação
● “O ambiente e os objetos de um bar ou restaurante ajudam a contar a história, a evidenciar seu conceito e a construir a narrativa do projeto”, diz Jonas Alsengart, sócio e mixologista do Quartinho Bar, no Rio de Janeiro, que conta com obras de diversos artistas plásticos — inclusive dele próprio. Até a estrutura da casa, que tem projeto do escritório MZNO, foi pensada como galeria.
● Na mesma cidade, o chef Felipe Bronze tem um apreço pessoal pelas artes visuais, mas como colecionador. O Oro, com duas estrelas Michelin, é banhado de arte em toda a extensão: o mobiliário é assinado por designers nacionais, como Zanini de Zanine e os irmãos Campana, o projeto arquitetônico é de Miguel Pinto Guimarães, e a intervenção “Jardim de Ouro”, do artista Toz, cobre a fachada de folhas douradas. “Arte é provocação, inquietude. É uma mola para a humanidade. Obviamente a comida precisa ser deliciosa, senão tudo perde o sentido”, diz ele.
No livro O sentido da vida, o psicanalista Contardo Calligaris, falecido em 2021, dizia que a contemplação é primordial a uma vida interessante e que a distração causada pelos celulares dificultava esse processo. Um bom lembrete para que, quando em um restaurante, as pessoas larguem os aparelhos e apreciem suas artes: das fachadas, paredes e mobílias aos pratos e bebidas do cardápio.