Comportamento

Conheça a pintura mais antiga do mundo

Cientistas descobrem imagem de pelo menos 51,2 mil anos, com três figuras humanóides e um javali, numa caverna calcária da ilha de Sulawesi do Sul, na Indonésia

Crédito: Griffith University/AFP

Imagem tem 6,2 mil anos a mais que a descoberta anterior (Crédito: Griffith University/AFP)

Por Bruna Garcia

Três figuras humanoides aparentemente na caça de um javali, que está com a boca aberta. Esta imagem é retratada na mais antiga pintura encontrada até hoje no mundo. Está cravada em uma das cavernas calcárias de Karampuang Hill, na ilha de Sulawesi do Sul, na Indonésia, e foi descoberta por uma equipe de cientistas daquele país com a colaboração de pesquisadores australianos.

Pelos cálculos dos estudiosos, ela foi feita há pelo menos 51,2 mil anos, mais de seis milênios antes do que a tida como mais velha até então, de 45 mil anos atrás, encontrada também em território indonésio pelos mesmos pesquisadores. O achado, publicado na revista científica Nature, revela que os humanos demonstravam, naquela época, ter pensamento criativo e habilidade para relatar episódios. A descoberta pode mudar algumas teses sobre a evolução humana, por contar uma história complexa e ser, até agora, a evidência mais antiga de uma narrativa.

A maior das três figuras humanoides tem os dois braços estendidos e parece segurar uma vara. A segunda está na frente do javali, com a cabeça perto do focinho. Também parece empunhar um bastão, com uma das pontas em contato com a garganta do animal. A última figura aparenta estar de cabeça para baixo, com as pernas voltadas para cima, abertas, e a mão estendida, aparentemente tocando a cabeça do javali.

O time de cientistas foi liderado por Adhi Agus Oktaviana, especialista em arte rupestre indonésia da Agência Nacional de Pesquisa e Inovação (BRIN), em Jacarta, capital do país. Ele diz que a narrativa verificada na imagem era uma parte crucial da cultura humana primitiva na Indonésia desde os períodos antigos. “Eles provavelmente contam histórias há muito mais de 51,2 mil anos, mas, como as palavras não se fossilizam, só podemos usar indícios indiretos como representações de cenas na arte. E a arte de Sulawesi é, agora, a evidência mais antiga desse tipo, de longe, conhecida no universo arqueológico”, disse.

(Divulgação)

“Achado revela que já tínhamos capacidades cognitivas e abre espaço para a descoberta
de novos sítios.”
Leonardo Troiano, coordenador do Iphan

O coordenador do Centro Nacional de Arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Leonardo Troiano, disse a ISTOÉ que o sítio prova, de fato, que as pessoas já eram capazes de ter pensamento abstrato e contar uma história há mais de 50 milênios. “O achado solidifica nosso entendimento de que já tínhamos capacidades cognitivas naquele período, o que só abre para a possibilidade de encontrar outros sítios da época”.

Padrões geométricos de 75 mil a cem mil anos, encontrados no sul da África, são a primeira evidência de desenho, mas não constituem arte figurativa por não trazerem uma narrativa.

Segundo Troiano, é uma questão de tempo para que se encontre artes rupestres narrativas no continente. “Nossa espécie é nativa do continente africano. Não seria de se espantar que a arte rupestre narrativa mais antiga seja encontrada na África. É provável, mas precisa de pesquisa”, disse. No Brasil, a mais antiga imagem do tipo é o Taradinho, datado entre 9 mil e 11 mil anos, encontrado em Lapa do Santo (MG), mesma área onde foi localizada Luzia, fóssil mais antigo da América do Sul, com cerca de 13 mil anos.