Um brasileiro no front: a história de José Hamilton Ribeiro, em livro e exposição
Na nova edição de O Gosto da Guerra, obra histórica do jornalismo, o correspondente José Hamilton Ribeiro narra os horrores do Vietnã em uma grande reportagem — ele continuou a escrevê-la mesmo após perder a perna ao pisar em uma mina terrestre

José Hamilton Ribeiro, momentos após a explosão: “Senti na boca um gosto ruim” (Crédito: Keisaburo Shimamoto)
Por Felipe Machado
Ao longo das últimas décadas, a presença das Forças Armadas brasileiras em conflitos internacionais foi marcada principalmente pela participação na Itália, durante a Segunda Guerra, e pelo envolvimento em operações de paz da ONU, entre elas a missão Minustah, no Haiti, entre 2004 e 2017. Muitos cidadãos brasileiros, porém, estão espalhados por fronts em diversas partes do planeta, sem efetivamente vestir a farda militar verde e amarela. São os correspondentes de guerra, jornalistas, cinegrafistas e fotógrafos que viajam o mundo para cobrir a história in loco e revelar as verdades que os envolvidos desejam esconder.
Há uma série de nomes admiráveis entre eles, mas nenhum é tão reconhecido como José Hamilton Ribeiro, de 88 anos, um dos mais premiados jornalistas do País. Trabalhou em diversas redações até liderar a criação da Realidade, publicação que marcou época e ficou conhecida pelas grandes reportagens. Em 1968, a serviço da revista, viajou ao Vietnã para cobrir a guerra contra os EUA, conflito que durou duas décadas e abalou o mundo. Em 20 de março, enquanto acompanhava tropas americanas ao norte do país — região ocupada pelos vietcongues, a guerrilha comunista que lutava contra a ocupação americana —, Hamilton ouviu uma explosão.
Ele acabara de pisar em uma mina terrestre, acidente que levaria à amputação de sua perna esquerda. “Senti um gosto ruim, como se tivesse engolido um punhado de terra, pólvora e sangue. Hoje eu sei, era o gosto da guerra”, escreveu, após se recuperar. Ele continuou a cobrir o conflito da cama do hospital. A imagem foi registrada por Kei Shimamoto, fotógrafo contratado por Realidade para ilustrar a matéria.

A história publicada na época sai agora em uma edição revista e ampliada. Ao contrário do que se imaginaria, O Gosto da Guerra — E Outras Reportagens da Revista Realidade não exagera no tom de vítima nem carrega nas tintas dramáticas. Mesmo após a tragédia pessoal, Hamilton manteve a objetividade e o estilo que fez de seu texto um dos melhores da imprensa nacional até hoje.
Em uma combinação equilibrada de informação, contexto e, em alguns momentos, até mesmo bom humor, o repórter traz o leitor para dentro do dia a dia da guerra. Revela o clima de camaradagem e conta episódios pitorescos, como a existência da Devil City, a “cidade do pecado” habitada apenas por prostitutas chinesas, e os belos e escondidos restaurantes da capital Saigon, onde os oficiais americanos gostavam de comer e cujas varandas eram blindadas para evitar granadas.
São curiosas ainda as revelações sobre a quantidade abundante de comida e bebida — principalmente cerveja — disponibilizada aos soldados, assim como o serviço do governo americano que produzia cartas de mentirinha, sempre de mulheres, para que os recrutas solitários não ficassem deprimidos. O relato de José Hamilton Ribeiro é um marco histórico do jornalismo e um documento que revela que a guerra não escolhe suas vítimas — nem mesmo os correspondentes que estão lá apenas para revelar ao mundo a sua cruel realidade.
Imagens da guerra em exposição
Em cartaz a partir de 10 de julho no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, a exposição O Gosto da Guerra exibe uma coleção de fotografias sobre a experiência de José Hamilton Ribeiro no Vietnã, com imagens de sua autoria e do fotógrafo japonês Kei Shimamoto, que o acompanhou na cobertura.
A mostra reúne ainda o trabalho de outros cinco correspondentes de guerra brasileiros, que documentaram outros conflitos:
• André Liohn,
• Hélio Campos Mello,
• Juca Martins,
• Leão Serva,
• e Yan Boechat.
Na abertura da mostra, Hamilton participa de um bate-papo com a jornalista Patrícia Campos Mello, que também tem experiência em coberturas internacionais e é autora do posfácio da nova edição.
