Internacional

França caminha para direita radical e esquerda pensa em voto estratégico

As eleições legislativas chamadas por Emmanuel Macron deram mais força à sua arquirrival Marine le Pen, da extrema-direita, que já traça seu caminho para a eleição presidencial de 2027

Crédito: Thomas Padilla

Marine le Pen elegeu Jordan Bardella para ‘desdemonizar’ a imagem radical, mas seu partido mantém a raiz fascista (Crédito: Thomas Padilla)

Por Denise Mirás

O presidente Emmanuel Macron apostou alto ao dissolver a Assembleia Nacional da França, e perdeu. Pior: conseguiu fortalecer ainda mais a extrema-direita que cresce meteoricamente no país e agora se vê preso na teia armada pela adversária maior, Marine le Pen, que já trama uma nova candidatura à Presidência da República em 2027. Na semana entre os dois turnos das eleições chamadas para reformular o Parlamento, ficou claro que as cartas do jogo passaram para as mãos dos radicais de direita. E que o centrista Macron, cada vez mais enfraquecido, tem como única alternativa se compor com a coligação da esquerda, se não quiser inviabilizar seu governo de vez nos últimos três anos de mandato.

Encerrado o primeiro turno no domingo (30):
 33,2% dos eleitores apoiaram candidatos do Reagrupamento Nacional, partido de Le Pen,
sobre 28,1% da Nova Frente popular, coligação de esquerda que….
empurrou o Renascimento, partido de centro-direita de Macron, para o terceiro lugar (21%).

Os esquerdistas saíram às ruas em defesa dos valores caros aos franceses — liberdade, igualdade, fraternidade —, contra a extrema-direita. Mas, para barrar efetivamente os candidatos de Le Pen, foram convocados a remanejar votos no segundo turno, marcado para este domingo, 7.

A esquerda defende uma postura adequada para cada um dos 577 distritos eleitorais, votando em candidatos centristas que estiverem à frente. Essa orientação de “voto estratégico depois do voto ideológico” passou por Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, de extrema-esquerda. Macron não teve uma atitude recíproca. Preferiu se calar.

(Yara Nardi)

“Tenho confiança na capacidade do povo francês de fazer a escolha correta para si e para as gerações futuras.”
Emmanuel Macron, presidente da França

Para Carolina Pavese, doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics e especialista em Europa, o presidente “está com o ego ferido” porque a maioria dos franceses não votou em seus candidatos (e sim na extrema-direita) nas recentes eleições europeias. “E, além de ter leitura míope da realidade, não conta com a experiência acumulada que Le Pen tem do jogo político: ele fundou um partido em 2016, chegou a presidente em 2017 e se viu reeleito em 2002. Aos 46 anos, não conhece o gosto da derrota.”

A professora destaca que o comparecimento às urnas no primeiro turno foi de 60% — 20% a mais que na eleição de 2022 —, e que a mobilização para este domingo será por um voto mais estratégico que ideológico, “votando com um pregador no nariz” como os franceses dizem, para barrar a extrema-direita. Uma manobra à semelhança da eleição presidencial de 2022, quando Macron fez 58,54% e Le Pen, 41,46% .

Agora, o presidente está bem mais desgastado e, ao contrário da eleição presidencial, as eleições legislativas são fragmentadas em situações diferentes em cada distrito. E os eleitores de esquerda estão cansados de “ir para o sacrifício”, como diz Carolina, além de se sentirem traídos por Macron que, reeleito, “foi incapaz de costurar alianças ao longo destes anos”.

Eleitores de esquerda mais uma vez são convocados para ‘barrar a extrema-direita’ nas urnas (Crédito:Arnaud Finistre)

Conflitos e travas

Na França, o Parlamento pode ser crucial na indicação de um primeiro-ministro e é interessante que Le Pen tenha aberto mão de articulações para colocar Jordan Bardella nesse cargo. Ele é a cara escolhida para “desdemonizar” o partido de raiz fascista, com a máscara de quem saiu do banlieau (periferia) para vencer na política aos 38 anos, antenado com os jovens pelas redes sociais. “Ele se vale de discurso repaginado por Le Pen, mas mantendo o conteúdo radical. É um golpista perigosíssimo, um lobo em pele de cordeiro”, diz. “E o pior é que essa geração, que vota pela primeira vez na extrema-dierita, ‘normaliza’ o ódio e ‘legitima’ o conteúdo populista e excludente de valores.”

Le Pen, 55 anos, não quer ser ofuscada pela cria Bardella. Não quer que ele seja alçado a um cargo-chave como de primeiro-ministro em um “governo de coabitação”, como o de Macron, onde pautas podem ser travadas, deixando o país paralisado. A veterana já trabalha com o desgaste cada vez maior de Macron em seus últimos anos de mandato, o que abriria um caminho ainda mais fácil para ela chegar à sonhada Presidência da República.