Economia

Inverno quente abala o varejo

Crédito:  Rogério Albuquerque

A vendedora Daniela, do Bom Retiro, explica que, no ano passado, conseguiu vender, no mesmo período, 80% a mais do que agora (Crédito: Rogério Albuquerque)

Por Maria Ligia Pagenotto

RESUMO

• Calor recorde e ar seco na estação força o mercado a baixar preços de roupas e calçados e a lançar promoções antes da hora.
• Estudo da Confederação Nacional do Comércio mostra que a temporada será no mínimo 4% menos lucrativa do que em 2023
• Veranico fora de hora também impacta planejamento de bares e atividade turística

Uma jaqueta puffer era oferecida por R$ 149 numa loja da região do Brás, centro de São Paulo, na tarde da terça-feira (2). A temperatura girava em torno dos 25 graus. Uma semana antes, custava R$ 250. No mesmo ponto, o preço de outro casaco despencou de R$ 120 para R$ 99 em questão de dias. Em plena temporada oficial de inverno, lojas de agitados polos comerciais da capital paulista e do País investem pesado em promoções e ofertas de roupas, agasalhos e calçados. O inverno que insiste em não chegar força o mercado a baixar os preços antes da hora.

De acordo com estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a situação resultará numa temporada com no mínimo 4% de vendas a menos do que a do ano passado. “Viemos em busca de preços baixos. Estamos dando sorte”, disse Bárbara Carolina, que, acompanhada da irmã, procurava por roupas de frio no Brás. Uma vendedora diz que as ofertas ajudam a impulsionar as vendas, consideradas fracas para o período. “Raramente alguém compra casaco se o tempo está quente, e tem feito muito mais calor do que frio”.

A afirmação é correta. São Paulo teve o mês de junho mais quente, e também mais seco, em 63 anos, atesta o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). A temporada, que deveria ser mais gelada, ostentou média de temperaturas máximas de 26,3 graus, 3,4 acima do que o Inmet chama de Normal Climatológica, que é de 22,9 graus.

“Promoção” e “sale”

O cenário de lojas com placas de “promoção” e sale (o termo em inglês) se repetiu na manhã de quarta (3) na região do Bom Retiro, outro bairro paulistano famoso pelo comércio de roupas. “Não faz frio, então precisamos adiantar as promoções de inverno”, resume a vendedora Kelly Cidre, apontando uma jaqueta estilo michelin anunciada por R$ 199,99. Há um mês, custava o dobro.

As “queimas” de inverno são realizadas normalmente ao final de julho, explica Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio. Para este ano, a ordem é liquidar os estoques antes do previsto. “É inegável que as mudanças climáticas afetam as vendas e o comportamento do consumidor”, admite.

Em um ponto de venda do Bom Retiro, um casaco michelin era vendido por R$ 199,99. Uma semana antes, custava o dobro (Crédito:Rogério Albuquerque)

A CNC prevê que, em nível nacional, o inverno atípico deverá produzir uma movimentação financeira, para o varejo de roupas e calçados, de R$ 14,09 bilhões em 2024, 4,1% a menos que em 2023. Isso a despeito da desaceleração dos preços e do recuo na taxa de juros ao consumidor.

Daniela Lemos, que trabalha há seis anos numa loja no Bom Retiro, disse nunca ter passado por uma situação como a deste ano. “Em 2023, nessa época, tinha vendido cerca de 80% mais do que hoje”. Para ela, é nítida a relação entre o veranico e o desestímulo do consumidor diante das vitrines recheadas de blusas de gola alta, cachecóis, jaquetas forradas, gorros. “As roupas aqui são caras. Temos jaquetas na faixa de R$ 700, mas quando está frio a pessoa nem pensa. Tive clientes que saíram da loja vestindo o casaco comprado, porque o dia estava gelado”, conta.

Sua colega de loja, Kátia Regina, estima que as vendas deste ano correspondam a um terço das realizadas em 2023 no período correspondente. “Basta a tevê dar uma notícia avisando que o tempo vai esquentar que as vendas despencam”.

De olho nos negócios do setor, Fábio Pina, assessor econômico da Fecomercio-SP, entidade que reúne empresários do comércio de bens, serviços e turismo do Estado de São Paulo, alerta que o calor fora de época afeta também outros segmentos. “Bares e restaurantes que mudam o cardápio, oferecendo caldos, fondues e bebidas quentes, o turismo e lazer em Campos do Jordão e na serra fluminense, por exemplo, se ressentem da menor procura”.

Lojas do bairro do Brás, em São Paulo, apostam pesado na redução de preços. Muitas oferecem duas peças pelo preço de uma (Crédito: Rogério Albuquerque)

Na avaliação de Pina, o varejo precisa ir se adaptando às mudanças climáticas. Para este ano, Pina e Bentes preveem que o panorama não deve mudar no âmbito das vendas de vestuário de inverno, o que implica em mais placas de sale nas lojas. “Poderia ser outra a situação, pois temos menos desemprego e uma queda na taxa de juros, embora não dê para dizer que seja baixa”, diz Bentes, lembrando que em 2023 a taxa média era de 60% e hoje é de 52%.

Para contornar a situação, o caminho é seguir a onda dos comerciantes do Bom Retiro e Brás: salpicar as lojas com anúncios vistosos de promoções. Se isso não for suficiente para reduzir o estoque, muitos comerciantes vão comprar menos itens para o inverno de 2025 e utilizar os dessa coleção com adaptações. Será o jeito.