Comportamento

Saiba como as redes sociais afetam a saúde mental do seu filho e como blindá-los

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Levantamento registra explosão de casos de transtornos em adolescentes entre 2008 e 2015 (Crédito: Divulgação )

Por Luiz Cesar Pimentel

RESUMO

• Casos de transtorno mental entre crianças e adolescentes supera os de adultos pela primeira vez na história
• Fenômeno acende alerta pelo mundo e estimula a criação de comunidades de defesa de responsáveis
• Psicólogos dão dicas para evitar o excesso de exposição às redes
• Mães brasileiras criam grupo de apoio e discussão que já abrange 200 escolas em 16 Estados

 

A principal autoridade em saúde dos EUA, o cirurgião-geral Vivek Murthy, apelou ao Congresso para exigir que as redes sociais incluam rótulos de advertência sobre transtornos mentais em adolescentes semelhantes aos de maços de cigarro ou bebidas alcoólicas. No Brasil, o alerta veio do SUS: a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do sistema divulgou que pela primeira vez na história a ansiedade entre crianças e jovens supera a de adultos. O denominador em comum nos dois casos é o uso excessivo e precoce de telas, que vem causando uma geração cada vez mais adoentada.

O psicólogo Jonathan Haidt estudou a raiz do problemas e lançou o fenômeno editorial A Geração Ansiosa: Como a Infância Hiperconectada Está Causando uma Epidemia de Transtornos Mentais. No livro, o norte-americano atribui à combinação de superproteção dos pais no meio offline, e total liberdade no mundo online, a receita para formação da geração ferida.

“Ao desenvolver um fluxo sem filtro e em tempo real de conteúdo viciante, que entrava pelos olhos e ouvidos das crianças, e ao substituir o aspecto físico na socialização, as empresas (plataformas de redes sociais) reconfiguraram a infância e transformaram o desenvolvimento humano em uma escala quase inimaginável”, narra na obra.

Mães do Movimento Desconecta, em São Paulo, que possuem filhos até 11 anos. Seis delas formaram comitê em abril, grupo cresceu e já abrange 200 escolas em 16 Estados (Crédito:André Lessa)

No País, a taxa de adultos atendidos pelo SUS para casos de transtorno mental é de 112 a cada 100 mil pessoas, enquanto a de adolescentes é de 157 e a de crianças, 126.

Adaptados os índices do estudo de Haidt para o Brasil, pela “Folha”, foi constatado que por aqui houve significativa piora para casos de:
lesões autoinflingidas,
suicídios,
sentimentos negativos no convívio escolar,
além de depressão e ansiedade.

Entre meninas de 10 e 14 anos houve aumento suicida de 221%; entre meninos, de 170%, desde 2000.
Os atendimentos de depressão aumentaram 663% entre meninas e 301% aos meninos.
Em relação à ansiedade, o crescimento feminino foi 398% contra 251% masculino.

Unidas pela desconexão

O sinal de alerta atingiu um grupo de mães e pais brasileiros, que montaram no começo deste ano o Movimento Desconecta. No início, em abril, estabeleceram plano para acordo coletivo com duas regras para os próprios filhos: adiar entrega de celular até 14 anos e de redes sociais até os 16.

Quando foram fazer a primeira reunião online, em junho, previram a participação de 20 ou 30 responsáveis. Mas o encontro mobilizou 360 escolas de 18 estados e teve mais de 2 mil inscritos. “É unânime o sentimento de responsáveis de que se não houver um acordo coletivo e preventivo, quando os primeiros amigos começam a ter celulares, fica impossível segurar”, diz a co-fundadora do movimento Camila Bruzzi.

As mães participantes dizem notar opinião comum principalmente em adolescentes, a de que se não fossem “obrigados” socialmente a estarem nas redes sociais, a maioria preferia que nem existissem. “Nossos filhos, apesar de estarem na faixa dos 8, 9 anos, estão curtindo muito a ideia. Usam camisetas e tudo”, diz Bruzzi.

Elas agora instrumentalizam famílias para implantação de acordos nas respectivas comunidades, fornecendo material, manual passo a passo e até um plantão de dúvidas. O Desconecta também compartilha dos princípios do psicólogo americano, que, se resumidos, estabeleceriam quatro reformas fundamentais para uma infância mais saudável na atual era digital:

1. Nada de smartphone antes do nono ano (por volta dos 14 anos);
2. Nada de redes sociais antes dos 16;
3. Nada de celular na escola;
4. Muito mais brincar não supervisionado e independência na infância.

Todos os números convergem para um período igual de nascimento e explosão de casos, entre 2008 e 2015, quando foi lançado o primeiro smartphone, as redes sociais se tornaram hiperviralizadas, com as funções de curtir e compartilhar, e o Facebook adquiriu e popularizou o Instagram, junto à adição de câmeras frontais nos celulares. A vida passou a ser mais digital e menos presencial.

Assim, não causam estranheza dados como o número de crianças que diziam fazer amigos com facilidade na escola há 20 anos — 91% contra os atuais 69%; nem o sentimento de solidão que escalou de 8% para 27% no período.

É certo que crises climáticas e econômicas, polarização política com suas consequências sociais, autodiagnósticos simplistas e a pandemia contribuem para essa tendência, mas cientificamente é comprovado que adolescentes entre 12 e 15 anos que passam mais de três horas por dia flanando em redes sociais enfrentam o dobro do risco de experimentar problemas de saúde mental.

“Na década de 1970, o contato com mídias começava por volta dos 4 anos; hoje, isso ocorre aos 4 meses. Um estudo francês revelou que 84% das crianças de 2 anos assistiam TV semanalmente, com 68% assistindo diariamente. Além dos impactos na saúde mental, há evidências de que isso pode afetar a estrutura e a função cerebral”, diz o neurologista infantil do Hospital Nipo-Brasileiro Bryan Cajado.

(Divulgação)

“Se os pais assistem TV por quatro horas todos os dias, é mais provável que seus filhos façam o mesmo.”
Bryan Cajado, neurologista infantil

Outra estatística preocupante é que 95% dos jovens brasileiros entre 9 e 17 anos acessam a internet, sendo que 24% iniciaram o consumo online antes dos 6 anos (índice que mais do que dobrou desde 2015). “Já tive caso complexo com criança que tentou suicídio e apresentava grande desregulação emocional”, diz a psicóloga Nathalia Heringer.

“E alguns pacientes jovens com isolamento social grave, irritabilidade constante e até automutilação diante de qualquer coisa que envolvia a possibilidade de perda do celular”, completa Ariádny Abbud. As duas fundaram o INPI (Instituto de Neuropsicologia e Psicologia Infantil).

Recomendação das psicólogas aos pais é que estabeleçam regras, como evitar o uso de aparelhos durante as refeições e desligá-los uma a duas horas antes de dormir.
“Outro ponto importante que enfatizamos é que devem evitar a presença de televisões e computadores nos quartos dos filhos, aumentando assim a supervisão sobre o conteúdo acessado”, diz Ariádny.
Por fim, para aproveitar citação estóica no livro de Jonathan Haidt, vale dar aos pequenos conselho que o imperador Marco Aurélio estabeleceu ainda no século II e que mostra-se incrivelmente atual, em obra composta por seus escritos pessoais, Meditações: “Não desperdice o que lhe resta de tempo se preocupando com os outros — a menos que afete o bem comum. Isso o impedirá de fazer qualquer coisa de útil. Você se ocupará em excesso do que fulano está fazendo, e por quê, e o que está dizendo, e no que está pensando, e o que está tramando, e todas as outras coisas que o desconcertam e o impedem de se concentrar em sua própria mente.”

As psicólogas Nathalia Heringer e Ariádny Abbud criaram o Instituto de Neuropsicologia e Psicologia Infantil a partir da quantidade crescente de casos (Crédito:Jaime Leme)