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Investigações da PF apertam cerco a Bolsonaro e ao filho 02, Carlos

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Carlos Bolsonaro virou alvo de destaque nas investigações sobre a tentativa de golpe e deve ser indiciado junto com o pai (Crédito: Divulgação )

Por Vasconcelo Quadros

RESUMO

• Operação deflagrada pela PF nas casas de aliados do ex-presidente fecha o inquérito das vacinas em que ele estava indiciado desde março
• Bolsonaro foi acusado também no caso do desvio das joias
• Junto com Carluxo, responderá ainda pela tentativa de golpe de 8 de janeiro

Com a segunda fase da Operação Venire, colocada nas ruas nesta quinta-feira, 4, a Polícia Federal encerrou o caso da falsificação do cartão de vacinas, em que foram indiciados o ex-presidente Jair Bolsonaro, além de 16 aliados, entre eles seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o deputado Gutemberg Reis (MDB-RJ), o ex-prefeito e atual secretário de Mobilidade de Duque de Caxias, Washington Reis, irmão do deputado, militares e servidores que participaram da fraude. A falsificação foi operada no sistema de saúde do município. A investigação complementar aperta o cerco a Bolsonaro e foi pedida pelo Procurador-Geral da República (PGR), Paulo Gonet, com a autorização do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Com isso, dentro de duas semanas a PF deve concluir todos os inquéritos policiais envolvendo o ex-presidente, que será responsabilizado por uma série de crimes, que incluirão também a apropriação ilegal de joias pertencentes ao acervo presidencial, caso no qual ele também acaba de ser indiciado pelos policiais.

Mas a principal acusação virá da fracassada tentativa de golpe de Estado. As investigações reconstituem a obsessiva busca de Bolsonaro pela ruptura do sistema democrático para ficar no poder e jogam luzes sobre os 69 dias posteriores ao resultado da eleição de 2022, realçando o papel do vereador do Rio Carlos Nantes Bolsonaro, o Carluxo, filho 02 do ex-presidente e principal operador do chamado gabinete do ódio, no uso e articulação com espiões da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), para fomentar as ações que terminaram no dia 8 de janeiro. Os ataques às sedes do Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal e do Congresso foram o desfecho da trama.

A PF fez operações nas residências de aliados do ex-presidente, incriminados no caso da falsificação dos atestados de vacinas (Crédito:Divulgação )

As investigações ainda não apuraram indícios de que os então responsáveis hierárquicos da Abin, o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e o deputado e delegado Alexandre Ramagem, tivessem se envolvido diretamente no 8 de janeiro, mas as apurações apontam que Carluxo se utilizava de contatos informais dentro da agência desde que os dois dirigiam a área de inteligência. A Abin foi investigada em inquérito separado.

Com informações privilegiadas, o gabinete do ódio acompanhou o desenrolar das tratativas, alimentou o ânimo dos apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais e a disseminou notícias falsas, em ações que se acentuaram com a derrota nas urnas. Pai e filho deverão ser indiciados pela PF por tentativa de golpe e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Uso da Abin

O uso ilegal da agência oficial de inteligência durante todo o governo Bolsonaro para espionar inimigos não chega a ser novidade. O que as investigações mostram agora é que a Abin e as atividades do gabinete do ódio se interligam na conspiração e ações práticas que culminaram na frustrada tentativa de golpe.

Nos dois meses depois das eleições de 2022, agentes do órgão monitoraram os passos de várias autoridades, inclusive do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que, em entrevistas por ocasião do aniversário de um ano da tentativa de golpe, afirmou que a intenção era prendê-lo e depois matá-lo.

Os diálogos retirados de conversações por whatsapp dos aparelhos celulares dos golpistas indicam que o ministro seria preso em 18 de dezembro. Nos dias seguintes, Bolsonaro editaria a medida de exceção que anularia a eleição de Lula. Para os policiais federais, a Abin, o gabinete do ódio e Carluxo atuaram em conjunto.

Alexandre de Moraes (à dir.) foi monitorado pelos golpistas, que planejavam matá-lo, mas Paulo Gonet vai denunciar os criminosos (Crédito:Secom TSE)

Mas não há fio isolado no emaranhado golpista.

O plano estava amarrado também às Forças Especiais do Exército, onde atuam os agentes conhecidos como Kids Pretos, que participaram de várias reuniões convocadas pelo então ajudante de ordens da Presidência, o tenente-coronel Mauro Cid.

Eles monitoraram autoridades e, no final, conforme apontam as investigações, seriam eles que prenderiam Moraes.

Em maio deste ano, depois de mandar a PF detê-lo pela segunda vez, Cid foi libertado e seu acordo de delação foi mantido: ele é peça chave nessa história escabrosa, não só porque cumpriu ordens de Bolsonaro para por em curso as tratativas do golpe, mas também porque participou ativamente de todas as etapas do plano e também dos demais crimes listados nos casos das joias sauditas e falsificação dos cartões de vacina.

Pelo acordo, depois que o processo for concluído no STF, Cid arcará com uma condenação de dois anos de prisão, um dos quais já cumpridos.

Ele é a espinha dorsal dos inquéritos e seu relato, corroborado por provas que a PF encontrou nos últimos 18 meses, orientará a denúncia do procurador-Geral da República, Paulo Gonet e a eventual sentença condenatória da longa lista de réus encabeçada por Bolsonaro e seu filho 02.

Risco de prisão

O ex-presidente, que abriu mão da defesa técnica e focou sua estratégia na política, sabe que o cerco se fechou e só um milagre o livrará de uma prisão que, na mais otimista previsão para ele, não demorará dois anos para ser decretada.

Por ação ou inspiração, todos os atos criminosos estão relacionados a Bolsonaro desde que ele deixou claro a seus apoiadores que não aceitaria a derrota nas urnas.

Nos dias em que permaneceu recluso no Palácio do Alvorada, mas conspirando e dando ordens, vieram:
O bloqueio de rodovias em todo o país,
os inusitados acampamentos de lunáticos em frente aos quartéis,
uma tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal em Brasília,
e o plano de explodir um caminhão tanque carregado de querosene de aviação no Aeroporto Internacional de Brasília à véspera do Natal de 2022.

Os extremistas ainda derrubaram quatro torres de transmissão de energia e causaram danos em outras 16, mas o ato terrorista mais forte, segundo confessa em depoimento um de seus autores, o empresário George Washington de Oliveira Sousa, preso atualmente na Penitenciária da Papuda, no Distrito Federal, era a explosão do caminhão, planejada para causar pânico e arrastar as Forças Armadas para as ruas em apoio ao golpe.

Na documentação apreendida, fica claro que o País esteve muito perto de uma ruptura institucional, que só não aconteceu porque não haveria apoio internacional, poderia desembocar num conflito armado e, por isso, foi abortada no meio do caminho pelo Alto Comando do Exército.

A partir do 8 de janeiro, o STF bloqueou o extremismo decretando prisões e condenando invasores. O esforço de Bolsonaro para atrair os militares está registrado nos depoimentos dos comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Batista Júnior. Embora tenham se reunido com Bolsonaro para ouvir o teor de uma minuta do golpe, os dois se recusaram a pactuar com a trama.

Bolsonaro não esperou o desfecho dos atos que inspirou e, a pretexto de não passar a faixa presidencial a Lula, fugiu para Orlando, na Flórida (EUA), levando na bagagem joias e o cartão de vacina com informações falsas sobre imunização, que ele pretendia usar se fosse necessário pedir asilo em algum país amigo caso sua prisão fosse decretada – temor que chegou a ser repassado a ele por seus advogados.

O cerco policial a Bolsonaro fechou-se: ele está indiciado, deve ser denunciado formalmente pelo procurador Paulo Gonet em breve e, até o final de julho ou início de agosto, deverá ser transformado em réu no STF na provável aceitação da acusação pelo ministro Alexandre de Moraes.

• O primeiro inquérito concluído foi o que investigou o desvio de joias doadas pelo governo da Arábia Saudita à Presidência da República.
• O segundo é o caso do cartão de vacina, sobre o qual a PF cumpriu as diligências complementares da PGR na quinta e concluiu que o ex-presidente viajou com o documento falso para eventualmente usá-lo caso viajasse dos Estados Unidos para outro país, já que não era mais presidente e, portanto, perdera o privilégio que tinha como chefe de Estado dois dias depois de ter chegado a Flórida.
• O inquérito da tentativa de golpe será o último a ser analisado pela PGR, mas sua conclusão na esfera judicial deve ocorrer antes do início da campanha eleitoral, marcado para 16 de agosto.

SAÍDA PELA DIREITA
Milei troca Cúpula do Mercosul por Bolsonaro e cria conflito diplomático com Brasil

Nada está tão ruim que não possa piorar na diplomacia de vizinhança depois que o presidente da Argentina, Javier Milei embarcou numa “união instável” com Jair Bolsonaro. Alegando agenda carregada, Milei recusou o convite para participar da Cúpula do Mercosul nesta segunda-feira, 8, em Assunção, mas anunciou que estará presente neste fim de semana no Balneário Camboriú, em Santa Catarina, durante a Conferência Política de Ação Conservadora, evento sobre o qual, além de uma narrativa ensaiada para engrossar o coro pela estranha anistia ao enrolado ex-presidente, não se sabe nenhum tema relevante na agenda.

Enredado por investigações que ameaçam colocá-lo na prisão, o ex-capitão está agora em busca de apoio da direita internacional e enxerga em Milei a muleta mais próxima para ampará-lo.

E ele já articulou sua base de apoio para pleitear um perdão sem precedentes. Posto em curso antes mesmo de uma denúncia formal, o pedido de anistia é como colocar o carro na frente dos bois e não tem chances de prosperar na Justiça e nem no Congresso.

Milei e Eduardo querem unir a direita da América do Sul para tentar salvar Bolsonaro da prisão (Crédito:Divulgação )

Nos últimos dias, o argentino tem provocado o presidente Lula, a quem chamou de corrupto durante a campanha. Na semana passada, o petista disse que Milei deve um pedido de desculpas por ter falado “muita bobagem” a seu respeito, ao que o argentino retrucou com mais lenha na fogueira: “Desde quando tem que pedir perdão por dizer a verdade?”.

Não há nenhum encontro agendado entre os dois presidentes, mas o Itamaraty teme que, por se tratar de um provocador contumaz com seu parceiro brasileiro, Milei suba o tom para defender os Bolsonaro e acabe gerando uma crise diplomática que obrigaria o Brasil a uma resposta dura, que poderia ser inicialmente um pedido de retorno do embaixador brasileiro ou, no limite, até o rompimento de relações com o regime de extrema direita governado pelo mandatário do país vizinho.