Comportamento

“Agora eu quero caminhar sozinho”, diz Samuel Rosa, ex-Skank

Crédito: André Lessa

Samuel Rosa, sobre deixar o Skank: "Me peguei com lágrimas nos olhos em Porto Alegre, comecei a chorar no meio do show" (Crédito: André Lessa)

Por Luiz Cesar Pimentel

Foi durante um show intimista do beatle Paul McCartney em Brasília, em 2023, para 400 fãs selecionados a dedo, que Samuel Rosa vislumbrou seu futuro pós Skank, a banda que liderou durante 30 anos como a mais bem-sucedida nascida nos anos 1990 no País. Paul sentou ao piano e tocou “Hey Jude”, composta aos 28 anos sendo que na apresentação ele tinha 81. “Foi como se ele mandasse um recado telepático: ‘Faça o que sabe fazer melhor’”, diz Samuel. Da mensagem, vem o primeiro passo solitário do cantor, guitarrista e compositor mineiro, um disco com o sugestivo nome Rosa. É um trabalho reflexivo e auto referencial que aponta a bússola do artista. Trata do nascimento da terceira filha dele durante o processo de gravação, do final de relações e início de outras, da separação dos três colegas de banda com quem viveu quase todas as glórias possíveis a um grupo pop no Brasil. Menos a aventura solo, para a qual já determinou o propósito: “Minha marca é meu patrimônio”.

Para o grande público, parece como se você estivesse rompendo com o sucesso do Skank para se experimentar de novo. É válida essa percepção?
Eu não acho que essa percepção seja incongruente, mas não fiz esse movimento pensando nisso. Eu só queria canalizar a força vital que coloquei na banda e para a qual todos deram o seu máximo. Só que de formas diferentes, porque somos diferentes. Quero fazer minhas coisas. Já achei que estava fazendo o que queria dentro do Skank mas isso começou a perder sentido. Porque vi que estava criando um caminho que não se encontrava com a banda. O potencial criativo da banda se esvaiu, e não sei se o meu junto. É isso que vou ver. Aquela força criativa durou pelos 15 primeiros anos. Depois eu pensei: “Posso cantar bem sozinho”. A dificuldade que é conviver com um grupo durante mais de 30 anos, alinhar as cabeças dos caras que um dia foram seus colegas de turma. Eu acho que o Skank cuidou muito bem do fim, assim como cuidou do começo. Foi tudo conversado. Falei: “Galera, agora deu para mim. Depois de trinta anos, quero tocar minhas músicas com outras bandas. Quero compor com outra galera. Não me falta muito tempo. ­Três quartos de vida já se foram”.

“Eu faço só o que o Lô (Borges, na foto) me falou para fazer: ‘Qualquer melodia que vier à sua cabeça, grava’” (Crédito:Divulgação )

Segue o Jogo” tem título bem representativo sobre seu lançamento em carreira solo. Foi por isso a escolha como primeira música de trabalho?
Eu só pensei que “Segue o Jogo” é de uma linhagem que explorei mais nas composições deste disco e que já tinha feito em outros momentos da carreira. Eu gostaria de voltar a músicas como “É Tarde”, “Balada Do Amor Inabalável”, que são meio bossas-pop. Quando o álbum começou a ser feito, vi que tinha algumas coisas reincidentes, processos de harmônicos semelhantes, acordes e temas. Não estava procurando diversidade para o álbum. Só achei que “Segue o Jogo” era de uma linhagem que eu explorei pouco e gostaria de retomar. O título é muito sugestivo, o disco é um pouco autorreferente, é um disco de afirmação. Por isso o nome Rosa. A escolha representa processos pelos quais eu estou passando ou passei, como o fim de relacionamento, fim de banda, amigos que se separam, amigos que se apaixonam de novo aos 60 anos. Ele representa que existe vida depois do fim. As feridas cicatrizam. A música é representativa, muito simbólica de uma relação que tive durante 20 anos e que agora estou em outra há 10 anos, de fim de banda que durou 30 anos, de amigos que estão passando por isso, da culpa da expectativa que não se cumpre, da insatisfação e da dor.

Como integrante do Skank, você fez tudo o que era possível profissionalmente. Precisava de momento solo para afirmação própria ou poderia ter realizado com a banda?
Eu pensei: “Me falta um quarto de vida, três quartos eu já vivi, estou com 57 anos. Não gostaria de chegar aos 80, olhar para o que vivi e perceber que aos 25 entrei no Skank e que vou ter que morrer no Skank”. Acredito que eu ficaria mais satisfeito comigo mesmo com essa decisão quando mais velho: “E se eu experimentar sair do Skank e ficar sozinho com as rédeas do jogo, respondendo pelos acertos e erros?”. Não estou à procura de algo diferente do que já fiz, mas quero simplesmente me exercitar naquilo em que eu sou bom, que eu sei fazer. Agora eu quero caminhar sozinho. Existem tribulações, mas eu tenho achado bem divertido. Eu estou com uma outra banda, compondo de modo diferente. Eu sou uma pessoa diferente, apesar de ser eu mesmo. Passei por outros processos, nascimento de uma terceira filha, perdi meu pai, meu filho sofreu uma doença grave. Eu não sou mais a mesma pessoa e isso transparece em minha música.

Além, da sua filha caçula (Ava) que nasceu este ano, você também tem um casal de filhos do seu primeiro casamento. O seu filho Juliano está seguindo seus passos?
Sim, eles (Da Parte) estão gravando o terceiro álbum. De vez em quando ele me manda umas mensagens meio atrevidas, falando: “Pai, não vai dar para você, não. Fizemos uma música muito boa aqui”. Ele está muito seguro de si e isso é ótimo.

Você teve uma epifania durante show do Paul McCartney?
Eu nunca imaginei ver o Paul McCartney na distância que vi. Eu não conversei com ele, mas eu o vi com um pianinho, em um calor de 30 graus, em Brasília, em um lugar em que cabiam somente 400 pessoas e ele sentado e humilde diante da obra que criou: “Hey Jude”. Eu pensei: “Que monstro”. Ele fez essa música quando tinha 28 e está com 82. Se o Paul McCartney não é maior que a música dele, por que eu serei? Aquilo foi muito simbólico de que a música é maior do que a gente. Era uma cena de humildade, e eu não estava no boteco da esquina; estava na presença do Paul McCartney.

No trabalho novo, dá a impressão de que houve um divórcio musical com o passado. Mas a trajetória do Skank foi marcada por grandes mudanças — com O Samba Poconé, atingiram o auge na era do dancehall e em seguida lançam o Maquinarama, sem naipe de metais, em completa reviravolta, por exemplo.
Entre eles lançamos o Siderado, que é um disco meio maldito. Era um período de transição onde a banda puxava para um lado e o produtor puxava para outro. A gente já queria puxar para o Maquinarama, e queriam que repetíssemos nem era o Samba Poconé mas o Calango. Eles achavam que o Calango era o melhor disco da banda e que a banda deveria fazer um Calango 2. Foi uma extrema tensão no estúdio.

Você teve um método de criação diferente para esse disco — fazia uma música por dia no quarto da sua filha. Isso também era uma forma de se colocar à prova?
Eu fiquei muito mais disciplinado neste álbum, estava mais entusiasmado, não era mais um disco do Skank. Isso me estimulou muito, foi diferente e eu quero que o próximo seja diferente também. Eu não sou muito de compor de forma espontânea. Eu preciso sentar igual ao fazer redação de colégio, preciso procurar os acordes. Eu faço só o que o Lô (Borges, artista) me falou para fazer: “Qualquer melodia que vier à sua cabeça, grava”. Eu fazia assim, e se no dia seguinte eu lembrasse significava que ela era boa; se eu não lembrasse, era para esquecer. Então eu comecei a gravar todas as melodias. Posteriormente comecei a escrever.

Pode citar um exemplo?
Como em “O Rio Dentro do Mar”. Fui saber quase aos 60 anos que os barcos à vela não navegam somente por conta do vento. Eles andam também por causa das correntes, que são rios dentro do mar. Eu comecei a fazer algo metafórico. Hoje eu sou um compositor mais cuidadoso e disciplinado. No Skank, a atividade era tamanha que eu já ousava compor na frente dos meninos. Nesta banda agora, eu estava meio cerimonioso, e já queria chegar ou com a melodia pronta ou com a letra e música. Sobraram dez músicas e eu tenho já um disco pronto para gravar, um disco 2. Foi por conta desse clima de novidade, desse arroubo de frescor, me senti em 1993.

Antes desse processo você determinou algum filtro?
Eu tinha duas composições que fiz na época do Skank e que cheguei a mostrar para os meninos. Mas depois cheguei à conclusão que não era o momento certo. O disco foi feito este ano. O meu único filtro era que fosse um disco urgente, com o frescor de quem sou agora e com a identidade que essa banda forjou no início. É um grupo que não se conhecia no estúdio, eles tocaram comigo no ano passado, mas em shows pequenos. Quando chegou na gravação, todo mundo já se conhecia, mas o trabalho de composição e de criação é diferente do trabalho na estrada. A criação é a mais nobre entre todas as atividades.

Qual é a sua opinião sobre o disco?
Ainda em janeiro já achava que estava ficando muito bom. Porém, ainda não tínhamos achado a identidade da banda sendo que temos uma ótima identidade. Talvez não tenhamos tido sucesso com todas as músicas, mas fiquei muito satisfeito com a envelopada que a banda deu para achar os trilhos. Os arranjos são elegantes, de bom gosto, não tem exacerbação de nada. Tudo é muito bem colocado, um disco aberto de banda, não tem muita sobreposição. Além disso, meus companheiros de banda cantam muito bem, têm ótimos vocais.

“O David Bowie falou: ‘Se você está em um trabalho muito seguro, está no trabalho errado’. E eu concordo com ele” (Crédito: DR / Collection Christophel)

O processo lembra um pouco o Blonde on Blonde do Bob Dylan, em que ele chegava com uma música, começava a tocar e a banda o acompanhava. Teve alguma influência?
O Dylan era maluco, tinha esse negócio de passar a música, dar uma piscadinha para o engenheiro e começar a gravar. Eu comecei a usar uma metodologia que o Skank passou a usar no final. A música está pronta, vai limpando, tocando, ensaia como se fosse tocar no show. Gravou, passa para a próxima. No final, a gente tocava todas as 20 e poderia fazer um show com elas. Isso facilitou muito. Tínhamos um mês e meio de estúdio agendado. Eu queria gravar pelo menos seis antes de a minha filha Ava nascer. Quando vi, gravamos oito. Depois abrimos dez e até o final de fevereiro o disco estava pronto. Vim para São Paulo, minha filha nascendo e o disco estava sendo mixado. O trabalho ficou autorreferente, nas tristezas, dores e alegrias.

Desde o momento, que vocês anunciaram o hiato do Skank até agora se passaram quatro anos. Queria saber o que você pensou no último show da banda no Mineirão?
Muita tristeza, porque era um ciclo que estava acabando, mas por outro lado me apeguei um pouco na alegria de ter nas mãos respostas de perguntas que eram pertinentes no passado e que me angustiavam. Eu pensava muito: “Quanto tempo vai durar essa brincadeira?” É a primeira coisa que pensamos; depois de ver o pessoal comprando os seus discos, shows enchendo, vem aquele: “Mas até quando isso?”. Humildemente, eu dizia: “Seria lindo se durasse dez anos”; isso em 1993, e já estávamos em 2023. Eu tinha as respostas na mão. Porém, agora são outras as perguntas. Acredito que toda a emoção foi distribuída, compartilhada ao longo da turnê de despedida. Me peguei com lágrimas nos olhos em Porto Alegre, comecei a chorar no meio do show. É toda uma vida, mas são escolhas, eu acho que ficar em algo que começa a repetir, ficar preso na rotina, na mesmice, não vale a pena. O triste é que vale para casamento, para tudo. Eu vi outro dia uma frase do David Bowie: “Se você está em um trabalho em que se sente muito seguro, você está no trabalho errado. Você tem que estar em um lugar onde não alcança o fundo da piscina”. E eu concordo com ele.