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Irã vai às urnas, mas apatia da população sugere descrença na “democracia” dos Aiatolás

Apesar de críticas “permitidas” a candidatos selecionados pelo Conselho dos Anciãos, a eleição à Presidência é vista como cenário para tentar legitimar o governo repressor do aiatolá Ali Khamenei

Crédito: Vahid Salemi

Campanhas de candidatos à Presidência do Irã não enganam a população quanto à grave situação do país (Crédito: Vahid Salemi)

Por Denise Mirás

Uma peculiaridade acompanha a eleição à Presidência do Irã, antecipada pela morte de Ebrahim Raisi, para esta sexta-feira, 28, com anúncio de resultado no domingo, 30: a permissão do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país, para candidatos “falarem mal” do governo sem receberem chicotadas ou voz de prisão. Em situação econômica dramática e com a população descrente com a democracia de fachada, a ideia é reduzir a taxa de abstenção nas últimas eleições, que esteve próxima dos 50%, para conseguir um ar de legitimidade ao governo, que deve seguir autoritário, como observa Andrew Traumann, professor de Relações Internacionais da PUC-Curitiba e especialista em Irã. Pelo lado dos candidatos, selecionados pelo Conselho dos Anciãos, a “licença para criticar” economia, corrupção e repressão é a melhor arma para tentar a vitória. Mas a população no geral vê a eleição apenas como cenário à frente da grave situação do país, que já se tornou crônica.

Para o governo, quanto mais eleitores comparecerem às urnas, melhor para sua imagem. Daí a tentativa de “botar fogo nos debates, mas um fogo autorizado”, como destaca o professor Traumann, apenas para um engajamento que avalize o presidente substituto de Ebrahim Raisi, morto em suposto acidente de helicóptero em maio.

Dos 80 nomes que se apresentaram para concorrer, apenas seis foram aprovados pelo Conselho dos Anciãos — que só manda menos que o aiatolá Ali Khamenei (aos 83 anos, deve protocolar o filho Mojtaba Khamenei, 55, como seu sucessor). Daí a alta abstinência nas urnas: os iranianos não consideram a eleição democrática. Os candidatos escolhidos cuidadosamente (cinco conservadores e um reformista) podem “criticar o governo”, mas dois jornalistas (Yashar Soltani e Saba Azarpeik) foram presos por divulgar acusações de corrupção contra funcionários públicos.

Ali Khamenei, o líder espiritual de 83 anos, é quem de fato detém o poder no Irã (Crédito:Khamenei.Ir / AFP)

Agora em junho, a ativista Narges Mohammadi, Prêmio Nobel da Paz de 2023, teve mais um ano de prisão acrescentado aos dez que já está cumprindo, por ter incentivado boicote às eleições parlamentares de março e ainda denunciado a filha de Mohammad Baqer Ghalibaf (um dos candidatos à Presidência do Irã, ex- comandante da Guarda Revolucionária e aparentemente o preferido do aiatolá Khamenei).

Maryam Ghalibaf promoveu um ultraluxuoso chá de bebê na Turquia, importando uma fortuna em roupas para o recém-nascido, sob suspeita de corrupção, o que ficou conhecido como “babyshowergate”.

• O governo também divulgou um alerta aos meios de comunicação sobre a cobertura das campanhas eleitorais: qualquer matéria que fosse interpretada como apoio à abstenção de votos seria punida com até 74 chicotadas para o alto executivo, mais licença revogada da empresa para funcionar.

De toda forma, esta eleição tem características interessantes diz Traumann, como a única do Irã revolucionário que foi antecipada e que pode romper com a situação de “sístole e diástole”, como define. “O Irã teve oito anos de governos mais liberais, entre muitas aspas, de Mohamed Khatami e Hossan Rohani, e oito de ultraconservadores, como o de Mahmoud Ahmadinejad. Tem sido um abre e fecha de administrações, mais reformista ou mais conservadora, que chamam de Shol Kon e Seft Kon.”

Eleitores descrentes

As pesquisas apontavam um quinto dos eleitores como indecisos — com o único reformista dos candidatos, o cirurgião cardíaco Masoud Pezeshkian, da minoria étnica azeri, à frente na intenção de votos com 24,4%, sobre 23,4% de Ghalibaf, ex-comandante da Guarda Revolucionária, e 21,5% de Saeed Jalili, um ultra linha-dura. Os outros três conservadores são Amirhossein Ghazizadeh Hashemi, vice-presidente de Raisi; Alireza Zakani, prefeito de Teerã, e o clérigo Mostafa Pourmohammadi, ex-diretor de contra-espionagem do governo.

Dois candidatos foram vetados — em última instância, por Ali Kamenei: o reformista Ali Larijani, mais popular, e o conservador Mahmoud Ahmadinejad, ex-presidente da República, que o aiatolá vê como possíveis ameaças ao regime.

“Há uma descrença geral de que a eleição mude alguma coisa. Parece que permitiram oposição como uma espécie de cota, mais ou menos como tínhamos aqui no regime militar, com a chamada oposição consentida”, assinala Traumann.

Daí a apatia que o professor vê entre os iranianos, mesmo entre os jovens, que saíram às ruas por todo o país em 2022, quando Mahsa Amini, de 22 anos e presa pela polícia da moralidade por não usar véu adequadamente, apareceu morta na cadeia.

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