Overcompliance: o risco do excesso

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Marcos Meira: "O medo irracional de se associar a ilícitos leva empresas a perderem oportunidades legítimas, o que impacta a competividade e sufoca a atividade empresarial" (Crédito: Divulgação)

Por Marcos Meira

Uma lei de 1977, dos EUA, deu início a um ciclo de moralidade no ambiente de negócios. O Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) surgiu após um escândalo de subornos no exterior pela Lockheed. Focada, em princípio, em coibir práticas de corrupção por empresas americanas, a lei serviu de impulso para pressões dos EUA para que outros países também impusessem limites às suas empresas. Convenções da OCDE (1997) e da ONU (2003) se alinharam à lei americana, sendo ratificadas inclusive pelo Brasil.

De fato, a crescente complexidade das relações comerciais tornou evidente a necessidade de regras de compliance de alcance mais amplo para prevenir fraudes, lavagem de dinheiro e corrupção.

Os anos de 2012 e 2013 marcam, no Brasil, um ponto de virada, com a revisão da Lei de Lavagem de Dinheiro e a Lei Anticorrupção. Foram marcos fundamentais para o fortalecimento do compliance no País, estabelecendo sanções para empresas envolvidas em atos ilícitos e estimulando a adoção de programas de integridade.

Contudo, possivelmente influenciado pelo nefasto “lavajatismo”, tem havido um exagero na aplicação dessas normas – um fenômeno conhecido como overcompliance.

Esse excesso tem causado prejuízo às atividades econômicas, com a adoção de regras muito rígidas por empresas, em especial do setor financeiro. O medo irracional de se associar a ilícitos leva empresas a perderem oportunidades legítimas, o que impacta a competividade e sufoca a atividade empresarial.

Isso também resulta na exclusão injusta de pessoas do mercado de trabalho ou do sistema de crédito quando classificadas como de alto risco, muitas vezes com base em informações superficiais ou desatualizadas obtidas em procedimentos de due diligence incompletos, preguiçosos.

Numa evidência de perigoso subjetivismo, a eliminação de chances de negócios ou contratações acaba ocorrendo pela simples identificação de mídia negativa nesses procedimentos, sem aprofundamento, verificação de veracidade ou de atualidade da informação, seja por estrutura insuficiente ou por mera comodidade dos compliance officers.

Em razão desses excessos, está em tramitação no Senado, após aprovação na Câmara, um projeto de lei (PL 2720/2023) que torna crime a discriminação contra pessoas expostas politicamente.

O compliance é, claro, um avanço. Mas quando se torna um fim em si mesmo, perde-se o equilíbrio e a atividade empresarial lícita é prejudicada. É preciso encontrar um meio termo, com medidas proporcionais aos riscos reais, para que um ambiente de negócios saudável, ético e próspero se desenvolva. Não queremos cair em um ciclo de falso moralismo (uma redundância, pois todo moralismo é falso), após a experiência negativa vivida com a Lava Jato.