É normal adulto curtir brinquedo de criança? Tendência global mostra que sim

Por Luiz Cesar Pimentel e Mirela Luiz

Quando as vendas de brinquedos aumentaram 37% nos EUA nos dois primeiros anos de pandemia, as análises atribuíram o crescimento a pais desesperados atrás de ocupações para os filhos. Só que, ao colocarem os números sob lupa, foi descoberto que grande parte das diversões adquiridas por adultos era para consumo próprio. Pela primeira vez, as vendas globais de produtos de diversão para maiores de 18 anos superaram as de qualquer faixa etária inferior, inclusive de crianças em idade pré-escolar, que sempre lideraram. O mercado de passatempos, brinquedos e jogos tem uma geração de receita mundial estimada em R$650 bilhões para este ano. A Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedo (Abrinq) estima que 2024 terá o mesmo crescimento dos últimos anos, em torno de 4%, com o faturamento nacional beirando os R$ 10 bilhões. Grande fatia desses valores de aquisições maduras.

A designer Luciana Salle Machado, conhecida como Luly, possui uma coleção de brinquedos dos anos 1980 e 90, com mais de 100 itens. “Meus preferidos são a turma dos Ursinhos Carinhosos e o universo de She-Ra”, revela.

Já a fotodocumentarista Fabiana Ribeiro tem uma paixão especial pela boneca Susi. Atualmente, seu acervo possui 160 bonecas, que pretende dividir em uma exposição itinerante. “As bonecas Susi sempre foram as minhas favoritas. Perdi todas em um incêndio. Agora me defino como pesquisadora que coleciona e fui descobrindo, rememorando”, diz.

Pesquisa da consultoria Circana realizada entre janeiro e abril deste ano revelou que 43% dos adultos compraram algum produto desenvolvido para o público infantil.

• Nos Estados Unidos, a Toy Association aponta que patinetes, skates, jogos de tabuleiro e bonecas foram os principais itens adquiridos, sendo que as bonecas foram impulsionadas pelo sucesso da Barbie nos cinemas.

• No Reino Unido, os kits de montar e as bonecas foram as principais escolhas.

• No Brasil, os action figures, bonecos que representam personagens famosos da cultura pop, foram os preferidos.

“A Barbie sempre foi especial para mim. Quando cresci, doei meus brinquedos por acreditar que era hora de me tornar adulto. Hoje percebi que não, que também posso ter minhas Barbies da Estrela”, orgulha-se o farmacêutico Thi Bonfanti, que prefere não revelar o número de sua coleção.

A pandemia trouxe um elemento adicional para essa febre retrô, não apenas pela necessidade de entretenimento em casa, mas também pela busca de reconexão com a infância e a nostalgia.

Hugo Bento, professor de Psicologia da Faculdade Arnaldo Janssen, explica que esse fenômeno pode ser explicado pela “presentificação da criança no adulto”, conceito estudado pela psicanálise de Freud desde o início do século 20.

Além disso, a Covid-19 aumentou os níveis de ansiedade e levou as pessoas a refletirem sobre a morte, o que explica o efeito contrário de buscar aquilo que as faz felizes. “Os millennials e os membros da Geração Z estão em estágios da vida em que sentem mais saudade”, diz Krystine Batcho, psicóloga americana que pesquisa o tema e criou o Inventário de Nostalgia.

Best sellers

Os itens mais vendidos no maior mercado do mundo, os EUA, corroboram essas palavras.
• O produto mais vendido deste ano foi a coleção de bonecos de ação X-Men 97 Marvel Legends.
• O segundo lugar ficou com um capacete de RPG de Star Wars.

O publicitário Guilherme Tarraf é um desses que, quando viaja, traz um brinquedo de lembrança para sua coleção, que hoje conta com mais de 300 bonecos. “É diversificada, com bonecos dos anos 1980 e 90, como Tartarugas Ninja, He-Man e personagens da Marvel”, conta.

Até mesmo a empresa de brinquedos mais famosa do mundo, a Lego, criou uma seção especial em seu site para o público adulto. “Adultos, sejam bem-vindos. Em um mundo cheio de distrações, os conjuntos de Lego para adultos oferecem uma atividade focada, prática e consciente”.