Economia

Por que o Plano Real repercute ainda hoje, 30 anos após revolucionar a economia

Brasil celebra três décadas da implantação do plano econômico que foi divisor de águas na história do País, permitindo que novos patamares fossem alcançados e que a economia atingisse uma inédita estabilidade financeira e social

Crédito: Vinícius Doti/Fundação FHC

FHC recebe Pérsio Arida, Pedro Malan e Gustavo Franco em sua casa. Plano Real tirou o Brasil da hiperinflação (Crédito: Vinícius Doti/Fundação FHC)

Por Mirela Luiz

Nesta segunda-feira, 1, o Brasil comemora um marco importante da economia brasileira: os 30 anos da implantação do Plano Real. Na véspera do aniversário do mais bem sucedido projeto de estabilidade econômica, alguns dos principais personagens dessa história se reuniram em um debate organizado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso para marcar a data. Antes do evento, os economistas Pedro Malan, Pérsio Arida e Gustavo Franco, considerados os “pais” do Real, se encontraram com Fernando Henrique Cardoso, em sua residência em São Paulo, onde conversaram sobre os bastidores da execução do plano.

Responsável por implementar o programa, em 1994, aos 93 anos, FHC já não tem mais condições físicas para participar de exaustivos seminários. “É difícil imaginar um ministro da Fazenda que consiga, ao mesmo tempo, convencer o presidente da República (Itamar Franco) que tinha ideias muito diferentes e próprias, todas erradas, diga-se de passagem”, disse Pérsio Arida, ao comentar que o ex-presidente só conseguiu convencer Itamar, aliando sua capacidade política à formação intelectual.

Antes do Real ser lançado, o Brasil enfrentava crises constantes de hiperinflação e desorganização econômica.

A pobreza era generalizada e o poder de compra da população estava seriamente comprometido.

No entanto, com a implementação do plano, a pobreza diminuiu e o poder de compra geral aumentou, possibilitando o ressurgimento de uma classe média disposta a consumir.

“Quando acabou o véu da inflação que impedia que o Brasil reconhecesse seus desafios e problemas fundamentais, isso permitiu descortinar a verdade. Sempre dissemos que o controle da inflação não era um objetivo que se esgotava em si mesmo”, declarou Pedro Malan, ministro da Fazenda na época da apresentação do plano.

(Divulgação)

Apesar do sucesso do plano, economistas de esquerda ainda questionam a eficácia da medida.

A maioria da população brasileira, no entanto, não tem dúvidas de que o plano foi um sucesso econômico e político, sendo considerado o fato histórico mais relevante desde o fim da ditadura.

“Sem dúvida foi um avanço. Saímos de uma hiperinflação e conseguimos controlar e fazer uma moeda mais forte da que tínhamos antes”, diz o professor Marcelo Kfoury Muinhos, da FGV-EESP, ex-economista-chefe do Citi-Brasil e ex-chefe do Departamento de Pesquisa Econômica do BC.

O então regime monetário, marcado por uma inflação elevada e sempre ascendente, foi substituído pelo Plano Real, que, em apenas 30 meses, derrubou a inflação para menos de 5% ao ano, trazendo alívio para a população.

“Quando acabou o véu da inflação que impedia que o Brasil reconhecesse seus desafios e problemas fundamentais, isso permitiu descortinar a verdade.”
Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda

Dívida externa

Uma das precondições importantes para o sucesso do Real foi a renegociação da dívida externa, que permitiu que o Brasil voltasse a receber divisas e aproveitasse uma conjuntura favorável das finanças internacionais. “Na minha opinião, a política mais importante foi mudar o padrão fiscal, garantindo um superávit que diminuísse a dívida pública. O superávit primário, que era de zero anteriormente, passou a ficar acima de 3% na década de 2000 a 2009, com queda na dívida pública passando de 57% do PIB em dezembro de 2002 para 37% em dezembro de 2008”, opina Muinhos.

O Plano Real deixou um legado importante para o Brasil.

Apesar dos desafios, como conquistar a confiança da população e controlar os gastos, o programa teve sucesso em estabilizar a moeda e controlar a inflação. “O Real mostrou que é possível controlar a inflação, promover o desenvolvimento econômico e melhorar a vida da população. É essencial que a dinâmica das contas públicas seja mantida para que a âncora monetária continue a garantir a estabilidade econômica do País”, avalia.

Porém, com as mudanças recentes no arcabouço econômico do País, é possível que o Plano Real enfrente novos testes de estresse.

O enfraquecimento da âncora fiscal e o aumento dos gastos públicos podem comprometer a estabilidade econômica conquistada. “A insegurança jurídica e as dúvidas em relação às reformas tributárias têm levado os investidores estrangeiros a sair do País. Para garantir o crescimento econômico e beneficiar toda a população, é necessário resolver problemas antigos”, declara Ricardo Matte, CEO da Vincit Capital.

Os desafios

Assim como seus antecessores Sarney e Collor, Itamar Franco enfrentou um grande desafio durante sua presidência: a crise econômica e a alta da inflação. O Brasil havia passado por diversos planos econômicos fracassados e mudanças de moeda, mas a inflação continuava alta. Em 1992, por exemplo, a taxa de inflação atingiu incríveis 1109%.

Nos primeiros meses de governo, Itamar Franco teve dificuldades em lidar com a questão econômica. Foram nomeados cinco ministros da Fazenda – entre eles Rubens Ricupero, Ciro Gomes e Eliseu Resende -, mas nenhum deles conseguiu resolver os problemas econômicos do País. Foi somente em maio de 1993, quando o então ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso, foi convidado a assumir o Ministério da Fazenda com total autonomia para montar sua equipe, que o quadro começou a mudar e foi implantado o Plano Real.

O sucesso do Plano Real foi tão significativo que nas eleições seguintes, Fernando Henrique Cardoso se candidatou e foi eleito presidente com 54,3% dos votos, derrotando seu oponente, Lula, que obteve 27% dos votos. Esse resultado era algo impensável apenas dois anos antes. O Plano Real se tornou o principal trunfo eleitoral de FHC, que permaneceu no cargo por oito anos, passando a faixa presidencial para Lula em 2002.

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