Brasil

Por que Lula não demite o ministro Juscelino Filho?

Indiciado pela Polícia Federal por corrupção em obra que beneficia sua família, o ministro das Comunicações agoniza no cargo diante da indecisão de Lula em demiti-lo. O PT pressiona, mas o presidente acha que ele tem direito de se defender no cargo

Crédito: Mateus Bonomi

Estilo Lula de lidar com denúncias de malfeitos na coalizão é empurrar a decisão para os partidos aliados (Crédito: Mateus Bonomi)

Por Vasconcelo Quadros

O passado recente incomoda o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, do União Brasil. Indicado por seu partido na coalizão montada para dar governabilidade ao terceiro mandato do governo Lula, ele foi indiciado pela Polícia Federal por corrupção ativa, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e envolvimento com organização criminosa por, supostamente, ter desviado recursos de emendas parlamentares na pavimentação de uma estrada que passa em frente à fazenda de sua família, em Vitorino de Freitas, no Maranhão, reduto do clã Rezende, seu pai, e da irmã Luanna, a atual prefeita. O escândalo ocorreu no governo de Jair Bolsonaro, que entregou o Orçamento da União ao Congresso, onde se organizou a partilha destinando bilhões de reais em emendas para obras tocadas pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

“O fato de alguém ter sido indiciado não significa que cometeu um crime”
Presidente Lula

Chama atenção a demora do atual governo em agir, neste caso, diante das evidências de crime apontadas no inquérito da PF.

Preso aos interesses do centrão, o presidente Lula, em contorcionismos pela governabilidade, prefere manter o bode na sala, e conviver com o cheiro, em vez de demitir ou sugerir que o ministro peça para sair.

Ainda em Genebra, onde participava de conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Lula afirmou que o fato de alguém ser indiciado não define que tenha cometido o crime. “Significa que alguém foi acusado e a acusação aceita”, disse.

Cometeu um ato falho: a acusação está sendo avaliada pelo Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, mas ainda não houve denúncia formal nem aceitação por parte do ministro Flávio Dino, do STF, a quem caberá julgar o conterrâneo maranhense em um eventual processo.

A rigor, o que a declaração revela é o estilo Lula de lidar com suspeitas fortes envolvendo seus ministros. O roteiro traçado pela PF deixa poucas dúvidas de que Juscelino Filho se tornará o primeiro réu do escalão imediato do governo Lula 3, ironicamente, por atos de responsabilidade de Bolsonaro, o principal adversário político.

Após lutar com o deputado Luciano Bivar pelo poder, Rueda decidirá futuro de Juscelino no União Brasil (Crédito:Divulgação )

O caso em si, com aplicação irregular de algo em torno de R$ 7,5 milhões, é só a ponta de um enorme iceberg que ameaça o governo pela omissão na fiscalização da aplicação de recursos públicos.

As suspeitas dos órgãos de controle é que a Codevasp tenha se transformado num antro de corrupção durante o governo anterior.

Um relatório da Controladoria Geral da União (CGU) mostrou que 80% da obra de asfaltamento em Vitorino de Freitas foi bancada por emenda de Juscelino Filho e beneficia várias propriedades da família do ministro, que controla politicamente a região há mais de meio século.

O relatório da Polícia Federal, entregue a Dino, aponta estreitas relações e fartura de diálogos entre o ministro e o empresário Eduardo José Barros da Costa, conhecido por Eduardo DP e Imperador, dono da empresa Construservice, executora de várias obras custeadas por emendas parlamentares na região da Codevasp, sobre as quais param outras suspeitas de desvios.

A irmã do deputado, Luanna Rezende, prefeita do município, que chegou a ser afastada mas retomou o cargo, também foi indiciada no inquérito como suposta integrante da organização criminosa.

O ministro das Comunicações virou um incômodo e um risco para Lula, que não tem votos suficientes no Congresso para se defender em caso de crise grave. Caso Juscelino se torne réu no STF enquanto estiver no cargo, vai se tornar um problema maior para o governo. Reeleito deputado federal pelo Maranhão em 2022, mas sem condições políticas de permanecer no cargo, Juscelino tenta resistir, mas vive a agonia de quem é colocado na frigideira pela própria base governista. Nos bastidores, parlamentares do PT pressionam o núcleo do Planalto para que tome uma atitude.

O tom do presidente

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner, deu o tom do estilo Lula de lidar com malfeitos. Admitiu que o indiciamento é fato novo, aposta que o presidente tomará atitude em algum momento, mas frisou que o problema é do União Brasil, que controla ainda os ministérios do Turismo e do Desenvolvimento Regional.

O partido vive uma longa crise depois que o deputado Luciano Bivar (PE) e o atual presidente, Antônio Rueda, se engalfinharam na disputa pela legenda. Bivar é suspeito de ter mandado atear fogo na casa de Rueda, em Pernambuco.

Lula, que viveu tempos tenebrosos na prisão, como alvo da Operação Lava Jato, depois anulada graças a um cavalo de pau dado pelo ministro Edson Fachin, do STF, acha que o ministro tem o direito de se defender. Não quer tomar uma decisão rápida, como é recomendável em casos de fundada suspeita.

O gesto considerado até hoje o mais coerente foi do ex-presidente Itamar Franco, que, diante das suspeitas que pairavam sobre o então ministro da Casa Civil, Henrique Hargreaves, seu amigo pessoal, não titubeou: determinou que ele se afastasse para se defender e, no final, em um gesto republicano que ficou marcado na política, o reconduziu ao cargo livre de suspeitas. Lula demora demais diante do insustentável peso de Juscelino.