Brasil

Campos Neto, a ‘pedra no sapato de Lula’, volta ao centro do jogo político

A interrupção da sequência de cortes na taxa básica de juros expõe os problemas fiscais do governo no controle da inflação e impõe nova derrota a Lula, que recolocou o presidente do Banco Central como o “inimigo público número 1” do governo

Crédito: Divulgação

Campos Neto (esq.) recebe homenagem do governador Tarcísio de Freitas (dir.) e admite que pode ser o seu ‘ministro da Fazenda’ (Crédito: Divulgação )

Por Marcelo Moreira

RESUMO

• Lula ataca independência do Banco Central e diz que instituição sabota economia ao não baixar os juros
• Guerra contra Campos Neto, presidente do BC, voltou a pleno vapor, depois de sete cortes da Selic
• É que BC decidiu não mais cortar a taxa básica de juros na última reunião do Copom…
• …enquanto Campos Neto dá apoio ao governador de SP, Tarcísio de Freitas, possível candidato à presidência em 2026
• Para desgosto de Lula, a manutenção da taxa foi apoiada pelos quatro diretores que o petista indicou

Ao sabor das conveniências, o inimigo público número 1 do governo está de volta ao palco da política econômica, depois de um período de relativa calma enquanto a taxa básica de juros, a Selic, sofria cortes progressivos. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, voltou a ser o vilão da economia brasileira, na opinião de Lula. “A economia vai bem, mas só não vai melhor porque os juros estão muito altos. O Banco Central sabota a economia. Esses juros não fazem sentido com a inflação atual”, disparou Lula em entrevista à rádio CBN na terça-feira, 18 de junho, às vésperas da decisão do BC de interromper um longo ciclo de corte nas taxas da Selic, que contou com os votos dos quatro membros colocados pelo presidente da República no Copom, inclusive de Gabriel Galípolo, escolhido por ele para ser o futuro presidente da instituição em substituição a Campos Neto. Foi mais uma derrota de Lula.

Indicado para o cargo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2020, com quem tem certa afinidade política, Campos Neto se notabilizou pelo trabalho extremamente técnico e pela resistência aos ataques incessantes do mundo petista, a começar por Lula, inconformado com a independência do BC e com o fato do órgão não estar mais suscetível a ser usado como instrumento de política monetária, algo frequente nos dois primeiros mandatos do mandatário petista. Para o mercado, no entanto, Campos Neto é o fiador do controle da inflação e o zelador da independência do órgão. Para os petistas, é um vassalo do capitalismo neoliberal e insensível às necessidades do povo, ainda que a inflação suba um pouco. Seu mandato vai até o final de dezembro de 2024 e até lá Lula vai ter que engoli-lo.

Boa avaliação

Em um movimento calculado, Lula atirou forte contra Campos Neto na semana em que o Copom manteve a taxa de juros básica, a Selic, em 10,5%, como já era previsto pelo mercado financeiro. A medida interrompeu sete reuniões seguidas, desde agosto de 2023, de cortes nas taxas. Sabendo dessa possibilidade, que foi confirmada na quarta-feira, 19, o petista pretendia mostrar que, apesar do panorama consolidado de que os juros não cairiam, haveria por parte dele algum tipo de contestação ao BC.

Nos bastidores, havia a sensação de que Lula estaria pressionando os membros do Copom a pelo menos reduzirem as taxas em 0,25 pontos percentuais, o que não aconteceu, como se sabe. O placar de 9 a 0, unanimidade, contudo, fortaleceu Campos Neto política e institucionalmente.

• As duras críticas de Lula a Campo Neto e ao BC reaparecem em um momento em que o governo encontra dificuldades para convencer o Congresso e o mercado de que tem compromisso com a austeridade fiscal e com o corte dos gastos públicos.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, viu caírem por terra suas iniciativas para aumentar a arrecadação e diminuir subsídios, principalmente pela resistência do Congresso em aceitar o fim da desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia.

Aprovando a sua continuidade e derrubando vetos do presidente, os parlamentares forçam o ministro a buscar outras alternativas para manter o arcabouço fiscal.

•  Sem um controle eficiente dos gastos públicos, sobra apenas a manutenção dos juros em patamares altos para que o BC continue domando a inflação, situação que tem sido bem-sucedida.

A explicitação do desempenho considerado correto de Campos Neto o coloca novamente no centro do jogo político. Não é apenas a situação fiscal complicada do governo que o torna alvo de Lula – isso acontece desde que o petista assumiu o governo em 2023.

As afinidades ideológicas com a direita, nunca escondidas por Campos Neto, causaram muita irritação no Palácio do Planalto com a recente homenagem que o presidente do BC recebeu do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), um bolsonarista assumido. Campos Neto compareceu à homenagem e, de forma precipitada, afirmou no evento que toparia assumir um hipotético Ministério da Fazenda em uma eventual presidência de Tarcísio.

Lula identificou claramente mais um movimento que tenta alçar o governador paulista como nome viável da direita para enfrentá-lo no caminho da reeleição em 2026. E, com o aceno de Tarcísio a Campos Neto, o petista se antecipa e começa a tratar o presidente do BC como inimigo.

NOS PASSOS DO AVÔ
Presidente do BC tem como referência teórica o intelectual e liberal Roberto Campos

Uma referência teórica, técnica e política para a direita brasileira, por mais que ainda esteja longe da proeminência obtida pelo avô, Roberto Campos. Figura de ponta no campo neoliberal da atualidade, com amplo respeito do mercado, Roberto Campos Neto tem, também, respaldo da academia, por mais que tenha sido alçado na arena política pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Caso se confirme no futuro como principal nome da hipotética campanha à presidência da República de Tarcísio de Freitas, o atual presidente do BC repetirá os passos do avô Roberto Campos (1917-2001), um dos mais brilhantes economistas do Brasil e ministro do Planejamento do governo do general Castello Branco, entre 1964 e 1967.

Roberto Campos foi um debatedor temido e ministro do Planejamento da ditadura (Crédito:Dida Sampaio/AE)

Inteligente e culto, Roberto Campos tornou-se um dos teóricos do liberalismo no Brasil e era profundamente respeitado por sua capacidade de formular políticas públicas e de identificar os problemas estruturais de nossa economia. Apesar de afável e bem-humorado, era um debatedor temido , que costumava demolir os argumentos dos adversários sem dó.