Comportamento

Intolerância explode nas ruas e mostra um brasileiro violento

Casos de acessos de raiva ganham repercussão pelo País, levam agressões, mortes e insegurança aos espaços públicos. Levantamentos apontam a triste tendência

Crédito: Divulgação

O empresário Adriano da Costa atira contra veículo após briga de trânsito (Crédito: Divulgação )

Por Luiz Cesar Pimentel

Um estrangeiro que lesse ou assistisse ao noticiário brasileiro nas últimas semanas não sairia às ruas brasileiras sem temer ser agredido. As manchetes foram dominadas por casos de idosos mortos por “voadoras” ou ao separarem brigas, discussões de trânsito que terminam em tiros e gangues que atraem vítimas por meio de aplicativo de paquera. Nem o forasteiro nem o noticiário são exagerados. Índices do Ministério da Justiça mostram que enquanto números de violência caem, casos de intolerância com consequências trágicas aumentam. Isso é refletido na impressão que o brasileiro tem da nação – apesar de se manifestar satisfeito com o País, ocupa o último lugar em temor sobre a segurança pessoal.

Empresário foi preso cinco dias depois da tentativa de homicídio em rodovia paulista (Crédito:Divulgação )

Na sexta-feira (14), após briga de trânsito na Rodovia Castello Branco, em São Paulo, o empresário Adriano Domingues da Costa obrigou o outro veículo a parar e desceu do seu com uma pistola. Ele atirou três vezes contra o automóvel de Gabrielle Gimenez e William Isidoro, duas nos pneus e uma no vidro da mulher, que por sorte era blindado.

Essa situação ilustra os índices colhidos e divulgados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública entre janeiro e maio correntes:

números de homicídios dolosos caíram 10%,
latrocínios diminuíram 22%,
e roubos a veículos desabaram 24%;
mas a taxa de lesões corporais seguidas de morte aumentou 7%,
as tentativas de homicídio cresceram 1%,
e mortes no trânsito subiram 2%, em comparação ao mesmo período no ano passado.

30º lugar
Brasil é lanterninha entre 30 nações pesquisadas sobre a sensação de segurança pessoal de seus cidadãos

Carlos Monteiro, dono de bar paulistano, foi esfaqueado e morreu depois de impedir assédio a funcionária (Crédito:Divulgação )

É a violência que passa a dominar os espaços públicos, que reflete uma sociedade com mais pessoas à beira de perigosamente explodirem. “Os fatores que influenciam as alterações de comportamento são diversos. Por vezes, diante de um aumento da exposição ao estresse, a pessoa pode mudar seu comportamento. Sabemos que uma das respostas hormonais típicas no perigo é a adrenalina por exemplo”, sugere a psicóloga Marcelle Afilinto.

“A irritabilidade geral aumentou nos últimos anos, e essa raiva está associada às coisas não acontecerem da maneira que as pessoas gostariam. Há quem tenha tolerância menor, seja por problema psiquiátrico ou por entender que não precisa passar por frustrações, e esses explodem mais facilmente”, completa a também psicóloga Melina Ferreira.

“Na mesma pesquisa o brasileiro se mostra feliz e insatisfeito com situações que impactam diretamente seu bem-estar e que afetam sua segurança pessoal.”
Hélio Gastaldi, diretor de Public Affairs da Ipsos

Polos violentos

Em Juiz de Fora (MG), o advogado Geraldo Magela Baessa Ríspoli, de 72 anos, caminhava pela rua quando presenciou uma briga e tentou ajudar, mesmo sem conhecer os homens que lutavam. Ao se colocar entre os dois, recebeu um soco e caiu, batendo a cabeça. Ele sofreu uma parada cardíaca no chão e morreu.

O homicídio do idoso, mesmo que não tenha sido intencional, exemplifica outra característica da fúria que consome o Brasil, registrada e divulgada na nova edição do Atlas da Violência, relatório produzido anualmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública – 3% das cidades concentram metade das mortes registradas.

“São cidades na rota do narcotráfico, seja para consumo doméstico, seja para exportação”, afirmou durante o lançamento à imprensa Samira Bueno, uma das coordenadoras do Atlas e diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ela citou como exemplo o Estado da Bahia, que possui sete entre os dez municípios mais violentos. “A Bahia perdeu a capacidade de controlar o ciclo de violência. É um Estado que precisa repensar sua política, pois sustenta taxas muito mais elevadas do que a média nacional.”

Atitude parecida com a do idoso mineiro teve Carlos Monteiro, conhecido como Nenê, dono do Malta Rock Bar, na Zona Sul paulistana. Na noite de sábado (15), ele ajudou funcionária que estava sendo importunada por cliente e acabou morto por esse, a golpes de canivete. Apontado por frequentadores da casa roqueira como “gente boa” e “gentil”, a foto de Nenê poderia ilustrar a pesquisa “Global Happiness 2024” (Felicidade Global), da Ipsos, que posiciona o Brasil em quinto lugar entre as nações em percepção própria de felicidade, com 81% de respostas positivas dos consultados, e em trigésimo e último lugar como país com menor índice de satisfação com a segurança pessoal, dado que apenas 53% da população se declara contente contra 73% de média mundial.

“Esta preocupação é confirmada por outro estudo que realizamos e que aponta ‘crime e violência’ como a maior preocupação dos brasileiros já há várias ondas da pesquisa, o que indica o crescimento e reafirmação da percepção”, diz Hélio Gastaldi, diretor de Public Affairs da Ipsos. “As causas que explicam este sentir-se feliz estão mais ligadas a fatores subjetivos, de ordem emocional e afetiva, como relação com família, filhos, amigos, do que a aspectos mais objetivos, por mais que impliquem em frustração e insatisfação, e mesmo tão críticos como sua segurança pessoal.”

Política e família

No dia 27 último, Sophia Ângelo Veloso da Silva, de 11 anos, desapareceu quando ia para a escola onde estudava, na Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio. Seu corpo foi encontrado no dia seguinte numa caçamba de lixo, com 35 perfurações de faca. O autor do crime foi o pedreiro Edilson Amorim dos Santos Filho, de 47 anos, irmão da ex-madrasta da menina. Apesar da monstruosidade, casos como esse tornaram-se os mais comuns sobre violência sexual.

O Atlas da Violência 2024 mostra que os maiores registros de agressão sexual a mulheres se concentram na faixa de meninas de 10 a 14 anos – 50% da violência total contra pré-adolescentes foram desse teor, contra 5% do registrado em mulheres de 30 a 34 anos.

Os dados são importantes pois reafirmam a consistência da rejeição ao Projeto de Lei 1904, com tramitação urgente aprovada pelo Congresso Nacional e que pretende equiparar abortos realizados após a 22° semana de gestação ao crime de homicídio. Especialistas apontam a crueldade da proposta com a constatação de que a maioria das descobertas tardias de gravidez em casos de estupro acontece com crianças, já que em muitos casos elas não tem consciência ou dimensão da violência que sofreram.

Se o projeto seguir adiante, a maior fatia de vítimas sexuais será obrigada a manter a gestação em decorrência de estupro, e caso realize o aborto após as 22 semanas seriam tratadas com o mesmo peso que homicidas.

(Divulgação)

“As pessoas estão mais conectadas, sem filtro do que consomem, há muito conteúdo violento,
e elas acabam mais ativadas emocionalmente.”
Marcelle Afilinto, psicóloga

“Viemos de uma educação tradicional que não nos ensina sobre emoções. Acabamos reagindo de forma instintiva e impulsiva em muitos momentos por não sabermos lidar bem com emoções difíceis como a raiva. Por fim, teríamos que falar de alguma forma sobre os representantes políticos que influenciam diretamente em muitas pessoas. Isso tudo precisa ser olhado em perspectiva já que faz parte de uma construção ao longo do tempo”, diz Marcelle Afilinto.

No Dia dos Namorados, 12 de junho, o mineiro Leonardo Rodrigues Nunes, de 24 anos, foi morto após encontro agendado por aplicativo de paquera voltado ao público gay. Nos últimos meses, ao menos nove casos com as mesmas características, mas sem o mesmo desfecho trágico, foram registrados na região do bairro Sacomã, na Zona Sul de São Paulo.

Segundo dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), o caso de Leonardo representa uma infeliz tendência, já que nos anos registrados comparativamente pelo Atlas da Violência houve aumento de 40% de casos de violência sobre pessoas dissidentes sexuais e de gênero no País.

Quando o recorte é ampliado, para a década anterior a 2022, o número de registros cresceu ano a ano com a exceção de 2020, quando o lockout fez com que todas as taxas diminuíssem. “É uma somatória de situações que tiram o ímpeto de futuro: guerras, pandemia, mudanças climáticas…Com isso há a percepção de que muita coisa errada acontece e não estamos agindo devidamente para que a situação melhore”, finaliza Melina Ferreira.

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