Projeto Nitratos preserva tesouros do cinema brasileiro
Projeto Viva Cinemateca recupera e digitaliza mais de 1.700 produções filmadas em nitrato de celulose. Rodados no início do século 20, são os primeiros registros da indústria audiovisual no País
Por Felipe Machado
Para quem gosta de cinema, a Cinemateca Brasileira é um templo. É lá que está o maior acervo de filmes da América Latina, com milhares de produções nacionais e estrangeiras. Apesar de extremamente valioso, do ponto de vista histórico, fazer a manutenção desse tesouro nunca foi uma tarefa simples. Entre seus colaboradores, sempre houve um estado de constante atenção. Afinal, desde a sua fundação, quando ainda era apenas a filmoteca do Museu de Arte Moderna, em 1949, a instituição já sofreu cinco incêndios. Quatro deles, ocorridos nos anos de 1957, 1969, 1982 e 2016, foram provocados por um perigoso elemento presente nas películas mais antigas: o nitrato de celulose.
O material é uma espécie de filme flexível e transparente. Foi o principal suporte do período mais antigo do cinema, usado principalmente em produções realizadas até a década de 1950. É muito frágil e deve ser preservado com cuidado. Do contrário, pode entrar em autocombustão, ou seja: pega fogo sozinho, uma chama rápida que só se apaga depois de consumir a película inteira.
Esse perigo obriga os técnicos da Cinemateca a guardarem os filmes feitos com esse componente em locais diferentes — muitas vezes, em salas e prédios isolados. No incêndio mais recente, em 2016, as chamas queimaram cerca de mil filmes do acervo, conteúdo que nunca mais será visto.
Agora, pela primeira vez, a Cinemateca conseguiu incluir em seu orçamento uma maneira de conservar, digitalizar e catalogar esse acervo. O Projeto Nitratos promoveu a conservação, catalogação e digitalização das obras mais antigas do cinema brasileiro, produzidas nas cinco primeiras décadas do século 20. Foram resgatados exatamente 1.785 filmes – 1.428 nacionais e 357 estrangeiros –, entre produções de ficção, documentários, publicidade, animações e cinejornais que ajudam a contar a história do Brasil por meio de imagens.
Foi um longo e árduo processo. Ao todo, o trabalho de pesquisa, catalogação e digitalização das produções feitas em nitrato durou cerca de dois anos e foi realizado por mais de 30 especialistas e técnicos de documentação. Todo o acervo recuperado estará disponível gratuitamente ao público a partir de agosto de 2024, por meio do Banco de Conteúdos Culturais (BCC) e no site da Cinemateca.
Preservação da memória
• A coleção traz raridades como Cerimônias e Festa da Igreja em Santa Maria, documentário mais antigo do acervo e um dos primeiros filmes rodados no Brasil, em 1909.
• Outra pérola é Barulho na Universidade, de 1943, obra de Watson Macedo que era dada como perdida.
• Graças à restauração, Apuros de Genésio, de 1940, será exibido no Festival de Filmes Silenciosos de Pordenone, na Itália, em outubro.
• Há ainda Amazônia e Rio de Janeiro — Exposição de 1922, compilação de imagens feitas por Silvino Santos entre 1919 e 1926 na região Norte do País e na então capital federal. Importante para a compreensão dos primórdios do cinema brasileiro, a obra de Silvino Santos ganhou destaque recentemente com a redescoberta do seu primeiro longa: Amazonas, o Maior Rio do Mundo, de 1918.
Para a diretora-geral Dora Mourão, a recuperação da coleção é um dos grandes resultados desde a reabertura do local, em 2022. “A iniciativa faz parte do projeto Viva Cinemateca, que terá como próximo passo a restauração do conteúdo criado para o Canal 100, que compramos há muitos anos e, por conta das crises, ainda não havíamos sequer iniciado”, afirma ela. “Saber como era o passado é muito importante. A preservação da memória é fundamental para a sociedade.”