Lula x Congresso: por que a articulação política do governo não para em pé?
Lula decide mudar, sem sucesso, a forma de articulação política em meio a novas derrotas no Congresso, erros administrativos, falta de diálogo e divergências com PT nas pautas de costumes
Por Marcelo Moreira
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva queria um novo modelo de articulação política depois de várias derrotas em votações no Congresso, mas a iniciativa parece ter fracassado depois de apenas uma semana das anunciadas mudanças, a julgar pela nova série de reveses sofridos em várias frentes, e não só nas Casas legislativas.
Há problemas sérios de organização administrativa dentro do governo e de coesão em relação a diretrizes sobre votações com o principal partido de sustentação de seu governo, o PT. “Não há articulação política que resista a atropelos de atos administrativos, falta de diálogo e divergências internas”, disse um deputado federal da base governista bastante influente que pediu para não ser identificado.
Desde o início do ano, Lula vem ensaiando entrar em campo para melhorar as conversas com o Congresso e evitar derrotas em série. Muitos parlamentares reclamam das dificuldades de conversar e se acertar com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e com o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, escalados por Lula como os principais interlocutores do governo junto aos parlamentares.
A queixa principal é a de que não cumprem o que prometem.
A situação ficou fora de controle quando o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), simplesmente rompeu relações com Padilha. Esperava-se que os ânimos esfriassem com a entrada em cena de Fernando Haddad, ministro da Fazenda, mas nem ele conseguiu aplacar a sanha por cargos e verbas públicas destinadas ao Centrão. Com a desorganização do governo, Lira aproveitou para avançar por maior espaço no Orçamento e, em busca de mais poder, passou a impor dificuldades ao governo nas votações mais importantes.
Diante do quadro desfavorável, Lula decidiu fazer reuniões semanais de avaliação da articulação política com os principais assessores da área e também com líderes partidários e presidentes dos partidos aliados. A ideia era tomar as rédeas do governo e negociar com a classe política os pleitos mais recorrentes dos parlamentares. Só que o presidente esqueceu de combinar isso com alguns de seus auxiliares, especialmente com o ministro Fernando Haddad (Fazenda), que vem insistindo em corte de despesas, quando o Congresso quer gastar mais.
Para prejudicar ainda mais o relacionamento do governo com os parlamentares, Lula teve que lidar com algo que não estava previsto e que lhe causou imenso desgaste, que foi o envio ao Congresso pelo Ministério da Fazenda de uma Medida Provisória (MP) sobre alterações no recolhimento de PIS/Cofins como forma de compensar a perda de arrecadação com a manutenção da desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia. Os setores atingidos e os parlamentares que os representam ficaram irados e reagiram imediatamente contra a iniciativa de Haddad.
Luka ficou irritado com o fato da MP ter sido enviada ao Parlamento sem que seus principais pontos tenham sido negociados com as lideranças partidárias. O presidente chegou a criticar os assessores da área econômica pelo “erro” que representou o envio da proposta ao Congresso.
A falta de consenso fez com que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devolvesse a MP ao governo, uma medida extrema, que acabou ocorrendo nesta semana depois que líderes de organizações setoriais da economia se reuniram com Lula.
Ministro Indiciado
A articulação política também ficou prejudicada com o cancelamento do leilão de importação de arroz determinada pelo governo para evitar a alta de preços por causa da tragédia climática no Rio Grande do Sul. Com contratos que ultrapassavam R$ 1,3 bilhão, o leilão decretou como vencedoras empresas que nada tinham a ver com a área, como um revendedor de queijos. O escândalo gerou ainda mais desgaste para o governo, que precisou demitir o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller.
A lista de problemas aumentou com o indiciamento do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, pela Polícia Federal, por suspeita de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e envolvimento com organizações criminosa. É um ponto que arrepia Lula, quem sempre rechaçou qualquer resquício de corrupção em seu governo. Em Genebra, na Suíça, onde participa de uma conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Lula disse que o ministro “tem o direito de se defender e provar que é inocente. Ser indiciado não quer dizer ser culpado.”
Entretanto, o presidente já enfrenta forte pressão para demiti-lo. Deputado federal maranhense, Juscelino Filho foi indicado pele seu partido, o União Brasil. Ele é investigado por conta de irregularidades na a destinação de verbas de uma emenda parlamentar que ele bancou, quando era deputado, para a cidade de Vitorino Freire (MA), onde sua irmã, Luanna, é prefeita. Em nota, Juscelino Filho disse que é inocente e que a ação da PF é “política”.
Paralelamente à desorganização administrativa, o governo e os parlamentares petistas têm dificuldades para defender as pautas derivadas das promessas de campanha.
• PT e governo divergem, por exemplo, em como tratar as pautas de costumes no Congresso, em que a centro-esquerda, minoritária, está claramente em desvantagem.
• Sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) das Drogas – que criminaliza a posse e o porte de qualquer quantidade de substância ilícita -, deputados e senadores petistas querem o enfrentamento e que o governo resista, mesmo sabendo que a derrota é certa.
• No Palácio do Planalto, já há quem defenda abertamente o abandono da luta nas questões de costumes. Para esses, o governo deveria se concentrar em sua agenda meramente econômica, que é prioritária para a estabilidade da economia brasileira.
• Mais ainda: se for o caso, o governo firmaria acordos explicitando o abandono dos temas polêmicos em prol da aprovação dos temas relativos à economia.