Abolição e indenização
Por José Vicente
Com quinhentos anos de atraso Portugal publicou os pedidos oficiais de desculpas pelo terrível crime de lesa humanidade perpetrado contra os negros por conta da sua escravização. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa, todavia, foi além ao reconhecer que o país tem a obrigação e o dever de reparar todos os danos produzidos pela injusta, monstruosa e desumana servidão.
Tamanha honestidade e correção moral de reconhecer um erro e pedir desculpa por ele e se prontificar a indenizar os prejuízos produzidos deve ser celebrada como ato de grandeza e deve também servir de paradigma para todos os demais países que tanto quanto Portugal, direta ou indiretamente, escravizaram ou retiraram fruto da escravidão dos negros.
No Brasil, país que recebeu e escravizou mais de 4 milhões de negros e último a abolir a escravatura de mais de trezentos e cinquenta anos, ninguém até agora deu um pio apesar da riqueza do estado e das elites do passado e do presente ter sido construída e depois ampliada sobre a base escravocrata. Por isso, o Inquérito civil que denuncia os benefícios auferidos pelo Banco do Brasil como Escravidão pode ser uma porta de entrada oportuna e apropriada para discutir e mesmo solucionar a questão como propõe e dá o pontapé inicial o governo português.
Foi prioritariamente pela hoje respeitável corporação que se irrigaram os financiamentos, empréstimos e garantias para as viagens transatlânticas e para compra e venda dos escravizados nas hastas públicas, e foi a ela também que se vincularam como garantias os escravos negros, na moeda de troca. Dos portentosos lucros realizados ganharam o banco e seus acionistas, e ganhou o governo seu proprietário.
A rica indústria de que tantos se locupletaram teve como pressuposto a prática do racismo que reduzia os corpos negros à coisa pela imputação da sua inferioridade decorrente da cor e raça, que, na letra da lei trata-se de crime imprescritível. Se crime houve, e, logo o enriquecimento é ilícito, além da responsabilização penal resta inexorável a devida reparação e indenização legal.
Nesse 13 de Maio que marca os 126 anos da abolição num País onde os negros respondem pela maioria da população e se encontram invisíveis e alijados social e economicamente da Nação, a presidenta do Banco do Brasil e o presidente do Brasil, dono do Banco do Brasil, poderem tomar para si a honestidade, franqueza, correção do governo português e, além das devidas desculpas, dar um primeiro grandioso passo para iniciar o processo de reparação dos erros do passado e indenizar o vilipendioso crime da escravidão. Se Portugal poderá fazer, o Brasil pode muito mais. Além de pagar a dívida, de quebra Banco do Brasil e o Brasil podem lustrar a história e a reputação corporativa.