Editorial

A sombra do extremismo global

Crédito: Victoria Valdivia

Carlos José Marques: "Alternativas genuinamente preocupadas com valores democráticos estão rarefeitas, quase em baixa" (Crédito: Victoria Valdivia)

Por Carlos José Marques

O pêndulo político do mundo parece mover-se com força em direção ao extremismo. O que aconteceu na Europa nos últimos dias e ameaça repetir-se nos EUA, com o possível retorno de Donald Trump, não deixa margem a dúvidas. Uma era de retrocessos, com incremento do protecionismo, da intolerância social e racial e o aumento dos conflitos bélicos desponta no horizonte por meio da ascensão de líderes da direita radical. São nomes do obscurantismo programático que vêm pontificando na preferência de eleitores. França, Alemanha, Itália, Portugal e mesmo a Inglaterra sofrem do mesmo mal e passaram a vivenciar o fenômeno. Uma União Europeia fragilizada e fragmentada emerge, por conta disso, das urnas rumo ao conservadorismo deletério. No Brasil, os resultados mais recentes acenderam a luz vermelha para os perigos colocados adiante. Em circuito internacional pelo G7 e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o presidente Lula tenta ser uma voz a gritar contra a ameaça desse movimento para a democracia global. Na Itália, Giorgia Meloni, acusada de simpatizar com o fascismo, já pontifica. O francês Emmanuel Macron e seu par alemão, o chanceler Olaf Scholz, foram fragorosamente derrotados. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem reiterado a preocupação com a estabilidade da região após as últimas disputas e tem procurado garantir a coesão e viabilidade do bloco em meio a tantas guinadas. A composição do novo parlamento da UE pode trazer para o centro do poder continental aliados declarados do ditador russo Vladimir Putin, criando incentivo à guerra com a Ucrânia. Outra consequência direta da virada de comando talvez recaia sobre a agenda climática, com posições revisionistas capazes de travar os acordos em andamento. Não há mais dúvida, o liberalismo ideológico passa por seu maior teste diante do autoritarismo que amarrota os objetivos da política como instrumento civilizatório. O apelo populista com viés radical está em alta, alterando o cenário geoestratégico do mundo. Uma espécie de eixo da revolta fortalece valores tirânicos. Espantoso que diversos países entre os mais representativos estejam enfrentando essa involução programática, fruto, talvez, da frustração e da desesperança que está prevalecendo. Alternativas genuinamente preocupadas com valores democráticos estão rarefeitas, quase em baixa. O primado basilar das liberdades cede lugar a aventureiros que flertam com golpismos e bandeiras ultrapassadas, sob a égide de um nacionalismo obtuso que mira essencialmente a proteção de mercados. É uma política do ódio e da aversão como fundamentos comportamentais. Nada mais frustrante. A erosão de valores humanitários, barrando entendimentos entre povos e mesmo coalizões partidárias em torno de objetivos progressistas, entra no mesmo balaio e reforça a tendência à fragmentação. De certa forma, o que está em voga é um voto antissistema e antiglobalização com inegáveis traços xenofóbicos. Na Bélgica, o primeiro-ministro, Alexander De Croo, resolveu renunciar ao cargo após o desfecho das eleições no país e na União Europeia. As populações das 27 nações integrantes do bloco foram às urnas nesta temporada para a composição de outro Parlamento. Atualmente, os 705 eurodeputados de mais de 200 agremiações integram os sete diferentes grupos parlamentares com, no mínimo, seis assentos. A palavra de ordem a prevalecer daqui para frente, naquela arena é austeridade – em todos os sentidos, não apenas econômica. Radicalizar fronteiras e mesmo relações multilaterais move essa turma, deixando para trás a moderação. É uma realidade bem distinta, levada por respostas afoitas e insensatas. Existe um natural oportunismo dos aspirantes dessa onda que surfam em conceitos neonazistas. O que é preocupante: predominantemente jovens embarcaram nessa tendência, evidenciando o desencanto das novas gerações. De todo modo, não restam dúvidas, o radicalismo europeu é decerto menos tóxico e negativo do que aquele que deitou raízes em terras bananeiras como o Brasil nos tempos do capitão Bolsonaro. Lá no Velho Continente, os comandantes dessa corrente ainda prezam pela legitimidade nas urnas, contra ditaduras. O nacionalismo anacrônico é lastimável, mas nada se compara ao furor libertário de caudilhos que buscam garantir o poder pela força, rasgando a Constituição, como se pretendeu, mesmo que sorrateiramente, no seio do bolsonarismo. O mundo está dormindo aflito com a relevância dada aos extremistas, os costumes sociais estão sendo colocados de ponta-cabeça e ainda não se sabe o que sairá dessa pajelança toda. É torcer pelo equilíbrio.