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Britânicos, em crise, devem tirar conservadores do poder. Mas e depois?

Crédito: Ian Forsyth

A euforia pela saída da União Europeia deu lugar à ira pelo agravamento dos problemas econômicos (Crédito: Ian Forsyth)

Por Denise Mirás

RESUMO

• Desiludidos com o Brexit, que piorou a economia, eleitores devem recolocar os trabalhistas no poder
• Votação acontece após 14 anos, no próximo dia 4 de julho
• Novo governo tem desafio gigante, já que Reino Unido pode perder mais de 300 bilhões de libras (R$ 1,97 trilhão) até 2035

 

Os eleitores do Reino Unido deverão tirar os conservadores do poder, após 14 anos, e recolocar no comando os trabalhistas, nas eleições gerais do próximo dia 4 de julho. Apesar da mudança, os britânicos irão às urnas sem muita confiança de que a situação do país irá melhorar. Será menos um voto ideológico e mais de insatisfação, diz Carolina Pavese, professora de Relações Internacionais e coordenadora do Núcleo de Estudos e Negócios Europeus da ESPM.

Como o tempo conta em favor da oposição, o primeiro-ministro Rishi Sunak aproveitou uma ligeira queda da inflação para apressar a convocação das eleições, na tentativa de surfar no bom momento e evitar uma derrocada monumental, que colocaria em risco até o futuro dos tories, caso o pleito ficasse para o fim do ano.

• Do lado trabalhista, mesmo com a vitória anunciada, será preciso provar que o partido se atualizou com as pautas emergidas de um mundo revirado e ainda abrandar conflitos internos para governar, com mais proximidade da União Europeia.

O que está claro para os britânicos: o Brexit — a saída do Reino Unido da União Europeia, decidida em referendo popular de 2016 e implantada de fato em 2020 — não foi a solução para os problemas que vinham de anos e acabaram agravados com a pandemia, o lockdown, decretado no início de 2020, e a guerra na Ucrânia, a partir de fevereiro de 2022.

O referendo obteve o sim de 51,85% dos eleitores em junho de 2016 (48,11% votaram contra). Mas, agora em maio, numa pesquisa do portal de análise Statista com a pergunta “Deixar a União Europeia foi um erro?”, 55% dos britânicos disseram que sim, contra 31% de não. “O Brexit veio se somar a uma crise estrutural que tomava o país, acentuada por medidas de austeridade que promoveram mais desigualdade e problemas sociais”, observa Carolina. “O voto pela autonomia não foi a saída para a crise. O problema não era fazer parte do bloco europeu.”

“Um voto para os trabalhistas é um voto por estabilidade – econômica e política.”
Keir Starmer, líder trabalhista que poderá se tornar primeiro-ministro

Arrependidos

Um estudo da prefeitura de Londres, encomendado ao Cambridge Econometrics e apresentado em janeiro deste ano, aponta que a saída da União Europeia não solucionou problemas, piorou os instalados e se mostrou chave na queda da qualidade de vida dos britânicos, principalmente pela alta de preço dos alimentos.

O custo do Brexit para o país, de acordo com o relatório, foi de 140 bilhões de libras esterlinas (R$ 922,2 bilhões).
A economia de Londres encolheu 30 bilhões (R$ 197,6 bilhões) e perdeu 300 mil dos dois milhões de empregos cortados no país com a saída do bloco.
Se nada for feito para frear os prejuízos, a economia do Reino Unido perderia mais de 300 bilhões de libras (R$ 1,97 trilhão) até 2035, 60 bilhões (R$ 395,2 bilhões) apenas em Londres.

Na avaliação de Carolina, existe um limite esfumaçado entre políticas europeias e nacionais, de maneira que líderes atribuem à União Europeia problemas que não têm competência para resolver, da mesma forma que se apropriam de soluções apresentadas pelo bloco. No caso britânico, essa busca por maior autonomia, como um retorno à grandeza do “império onde o sol nunca se põe”, se instalou a partir do viés político populista contemporâneo de sempre se atribuir “ao outro” responsabilidade ou culpa por problemas — no caso, o Brexit e os imigrantes.

Mas não será esse entendimento mais complexo que irá para as urnas em julho, destaca a professora. “Em épocas de instabilidade, predomina a alternância pendular, como chamamos. Não é um voto consciente, ideológico, mas de insatisfação. No Reino Unido, vem da estafa com um governo há 14 anos no poder que não entrega soluções para a crise”.

Ao voltarem ao comando, os trabalhistas, acredita Carolina, deverão contornar pluralidades e divergências dentro do partido para se concentrar em questões sociais, como imigração. E também em pautas de costumes e gênero, para brecar a agenda à direita dos conservadores, que promoveu cortes de verba na educação e no sistema de saúde. “Eles deverão inflar mais o Estado e ser mais generosos nas políticas públicas e gastos. Essa é a marca dos trabalhistas.” Quanto a uma volta à União Europeia, seria difícil imaginar. “O que haverá é um ajuste, uma reconfiguração de relações entre o Reino Unido e a União Europeia, e mesmo com o Brasil, pela agenda ambiental, com aproximação política por cooperação mais produtiva”, conclui.

SOBREVIVÊNCIA
Eleições abreviam risco de derrota vexatória dos conservadores

Como primeiro-ministro, Rishi Sunak poderia chamar eleições gerais no Reino Unido até janeiro de 2025.
Na tentativa de manter os conservadores respirando, apelou para medidas radicais, como deportação de imigrantes oriundos de Ruanda, e outras populistas, entre elas o corte de impostos para oito milhões dos 12,6 milhões de aposentados em 2025 e um subsídio de cem libras/ano (R$ 658,3), que chegaria a 300 (R$ 1,97 mil) no fim do próximo mandato.
Mas, diante das pesquisas que atestam vitória dos trabalhistas, Sunak antecipou a votação para arrancar os conservadores da beira do precipício.
Mais alguns meses, o Partido Conservador correria o risco de ver sua representação parlamentar reduzida drasticamente.

“Desde 2023, as eleições locais mostram que os tories serão desbancados”, observa Carolina Pavese. “Eles chegaram a um ponto onde politicamente não vale mais a pena estender o mandato, porque a derrota nas urnas poderia ser ainda mais vexatória.”

Sunak aproveita queda de inflação e chama eleições em momento melhor para conservadores (Crédito:Alastair Grant)