Tão jovens e tão determinados: como a Geração Z está tomando o planeta
Por Eduardo Marini e Bruna Garcia
RESUMO
● Geração Z, com idades entre 12 e 27 anos, já forma no Brasil o segundo maior grupo de trabalhadores
● Está à frente das gerações X (20%) e baby boomers (16%), e atrás apenas dos 25% da Y
● Os Estados Unidos possuem mais de seis mil executivos-chefes e mil políticos da Gen Z
● Os Zoomers, como são chamados, somam dois bilhões, uma a cada quatro pessoas no mundo
● São dependentes da tecnologia, fazem menos sexo, passam muito tempo sozinhos e têm mais depressão e ansiedade
● Mas ganham salários maiores do que ganhavam seus pais na mesma idade e preferem o prazer do momento a poupar
Batizar legiões de pessoas nascidas em períodos diferentes ajuda a compreender visão de mundo, valores pessoais, desejos e posturas profissionais de cada um desses grupos. Por isso, acadêmicos, pesquisadores e especialistas se esmeram em rotular gerações. Há a Silenciosa (com nascimento entre 1923 e 1946), Baby boomer (1947 a 1963), X (1964 a 1983) e Millennials ou Y (1984 a 1996). Neste momento, Brasil e mundo sentem os efeitos da atuação da mais nova geração a sacudir, com suas qualidades, defeitos e contradições, as sociedades e os mercados: a Geração Z, ou Gen Z.
• Os Zoomers, como são também chamados, vieram ao mundo entre meados da década de 1990 e os anos próximos a 2010.
• Alguns estudiosos definem o período entre 1997 e 2012.
• Outros, de 1995 a 2010.
• Esses adolescentes e jovens entre 12 e 27 anos (ou entre 14 e 29) somam cerca de dois bilhões de pessoas no mundo.
• Oito em cada dez delas estão em países com economias emergentes, como o Brasil.
• Por aqui eles são 34 milhões, cerca de 16% dos 211 milhões de habitantes do País.
Os integrantes deste “Planeta Zoomer”, que crescem em paralelo à revolução digital, com os olhos sempre colados nas telas de celulares, tablets, computadores e em outros gadgets do mundo virtual, somam características positivas a outras dignas de preocupação para pais, avós e agentes de mercado.
Na parte elogiável da composição, colocam prazer de viver e qualidade de vida acima de qualquer coisa. Isso inclui resistir às formas tradicionais de trabalho. Costumam abrir mão de salários e benefícios robustos em troca de projetos que incluam jornadas flexíveis, de preferência remotas, e leveza em ambientes de trabalho.
“Não aceitarei mais nada presencial. A rigor, nem híbrido. Só cem por cento remoto”, promete Daniel Menezes de Castro, 22 anos, programador de Tecnologia da Informação em uma montadora de origem alemã (leia depoimentos nesta reportagem).
Perfil
• São menos preconceituosos e mais ativistas.
• Preocupam-se, como jamais se viu, com impactos negativos no meio ambiente (e culpam as gerações anteriores por isso) e combatem preconceitos de etnia, gênero e classe social.
• Preferem investir no prazer do momento a poupar para o futuro.
• Para alegria deles próprios, ganham salários bem maiores do que seus pais e avós quando estes estavam na mesma faixa etária.
“Eles pesquisam e perguntam muito sobre as empresas. Querem empresas saudáveis. A pergunta deixou de ser qual o plano de saúde, o vale-refeição, o auxílio-transporte ou o benefício de final de ano. Passou a ter relação com entretenimento e ambiente”, resume Giovanna Dalvi, gerente de Recursos Humanos da empresa de tecnologia Hyperativa. “Se o contratante oferecer programas de inclusão e diversidade, será meio caminho andado”.
Wilma Dal Col, diretora de Gestão Estratégica de Pessoas do ManpowerGroup Brasil, toca um ponto importante. “O Brasil abriga hoje quatro gerações profissionais: boomers, X, millennials e Z. Esta última apresenta demandas e necessidades que as corporações ainda precisam entender e dimensionar melhor”.
Dias atrás, a revista The Economist, uma das mais respeitadas do mundo, cravou no título de uma grande reportagem a seguinte frase: “Razões para estar alegre com a Geração Z”. Há, de fato, motivos para isso. No Brasil, de acordo com levantamento do ManPowerGroup, onde Wilma Dal Col atua, os zoomers já formam o segundo grupo de trabalhadores, com 23% do total, à frente das gerações X (20%) e baby boomers (16%), e atrás apenas dos 25% da Y.
Fora daqui, destaca a publicação britânica, eles “estão assumindo o controle”. Metade das 250 milhões de pessoas nascidas entre 1997 e 2012 na parte rica do mundo está empregada. No mercado de trabalho americano, o número de Gen Zs vai ultrapassar em breve o de boomers. Os Estados Unidos possuem mais de seis mil executivos-chefes e mil políticos zoomers.
Menos sexo e mais solidão
Mas há o outro lado da moeda.
• Dependentes de tecnologia, eles são mais solitários.
• Fazem menos sexo e trocam convivência social por intermináveis maratonas na internet e em redes sociais.
• A maioria tem dificuldade em lembrar que celulares também foram feitos para uso de seu recurso fundamental: falar por telefone com alguém na outra ponta.
• A solidão e o pouco contato com pessoas próximas são combustíveis para outro problema comum entre eles: os altos índices de ansiedade e depressão.
Não bastasse, uma das maiores restrições à Geração Z vem do mercado de trabalho. As exigências por ambientes e propostas profissionais sempre adequadas aos seus estilos de vida geram desconfiança e, muitas vezes, levam empresas e grupos de recursos humanos a rechaçá-los.
São comuns queixas de falta de adaptação e influência excessiva dos pais nas rotinas profissionais desses jovens. Diante das dificuldades de relacionamento, pais e mães costumam entrar em campo em momentos decisivos dos processos de recrutamento e contratação.
Patrícia Santos, fundadora do grupo Empregue Afro, teve experiências curiosas com integrantes da Geração Z. “É comum você ligar para o número de celular do currículo e a mãe ou o pai atender. O pior é que eles insistem em negociar pelos filhos”, conta.
Certa vez, um candidato colocou a mãe ao lado dele numa entrevista online. “Ele estava tenso. Olhava para o lado a cada resposta. Percebi que era a mãe quando o braço dela apareceu na tela”, conta a especialista. “Disse: ‘responda você’. Ele argumentou que a mãe só estava dando força e rebati: ‘mas as respostas precisam ser suas. Sua mãe não estará no seu trabalho”.
A especialista destaca que, no caso dos negros, a busca por apoio familiar é ainda maior, por medo de racismo na disputa com concorrentes brancos. Não é uma situação fácil: entre os integrantes brasileiros da Geração Z desempregados e em desalento, sem procurar emprego atualmente, 68% são negros.
“Essa geração quer viver bem, mas é também insegura. Os longos períodos sem interação social, com mergulhos exagerados e intermináveis na internet, certamente contribuem para isso”, afirma a gerente de Projetos, Recrutamento e Seleção da Companhia de Estágios, Jéssica Gondim.
A insegurança não se restringe à Geração Z brasileira. Uma pesquisa feita recentemente pela revista universitária online Intelligent com 800 zoomers e contratantes americanos constatou que 20% dos recrutadores envolvidos na amostra tiveram experiência com integrantes da Geração Z que levaram os pais em seleções.
A próxima geração a desafiar as estruturas do mercado e os parâmetros sociais e de comportamento será a Alpha, nos vindos ao mundo a partir de 2010 ou 2012, a depender do corte. Vem mais polêmica por aí.
“Se for possível, queremos fazer apenas o que desejamos.”
Bárbara Meirelles Flores, 23 anos, arquiteta
“Acho que temos diferenças importantes em relação à geração dos meus pais. Eles tinham preocupação muito maior em trabalhar, ter casa, mesmo que não gostassem e não estivessem bem no emprego. A preocupação em trabalhar só com o que quer e gosta, em períodos aceitáveis, é quase total na minha faixa etária. Não pode ser muito desgastante. Apenas o necessário. Não faço questão de carro. Uso transporte público e carro por aplicativo. Quero ter casa para sair do aluguel. A tecnologia diminui, sim, a interação social. No pouco que encontro meus amigos, sinto desgaste. Fico cansada quando os vejo com frequência. Acostumei-me a ficar sozinha e isso tornou-se algo bom. Quero trabalhar para não precisar da minha família, mas não quando for mais velha. Para o futuro, penso em não trabalhar quando ficar mais velha, mas acho que não conseguirei me aposentar. Não sou CLT, sou pessoa jurídica, o popular PJ. Pretendo ter imóveis para viver de renda quando a idade chegar. Se for possível, queremos fazer apenas o que desejamos.”
● Recorrem exageradamente aos pais
nas entrevistas de recrutamento e ações profissionais
● São dependentes dos recursos tecnológicos.
Crescem juntos à massificação dos celulares, tablets, internet e redes sociais
● Ganham mais do que seus pais e avós recebiam na mesma faixa etária.
Preferem investir no prazer do momento do que poupar para o futuro
‘Não pretendo mais aceitar trabalho presencial. Nem
mesmo híbrido. Apenas cem por cento remoto.”
Daniel Menezes de Castro, 22 anos, programador de TI
“Não aceitamos ambientes tóxicos no trabalho. Boomers e millennials que suportam essas situações têm problemas emocionais. Queremos equilíbrio, qualidade de vida. Ganho bem. Sou programador de TI, profissão em alta. Trabalho em casa. Não pretendo aceitar emprego presencial. Nem híbrido. Só remoto. Tive ansiedade em 2019, no presencial. Sofri fobia social. Hoje está normal. Em casa é confortável, melhor para pensar. O risco de ter burnout cai bastante. Entre um trabalho remoto e um presencial para ganhar mais, sempre escolherei a primeira opção. Sanidade e conforto valem mais do que qualquer salário. Busco trabalho para pagar contas sem muito desgaste. Os antigos buscavam estabilidade. Minha geração não tem medo de se arriscar. Houve evolução em temas como meio ambiente, racismo e movimento LGBTQIA+. As gerações anteriores são fechadas. Somos mais abertos ao diálogo.”
● Passam muito mais tempo sozinhos do que seus pais e avós.
Isso contribui para serem mais afetados por ansiedade e depressão
● Preocupam-se com o meio ambiente e condenam as gerações anteriores
pelos descuidos que geram eventos climáticos
● São mais tolerantes do que os integrantes das gerações anteriores
e contrários a rótulos de gênero, etnia e classe social
”A tecnologia e os longos tempos de solidão tornaram minha geração mais ansiosa e depressiva.”
Ana Lívia Lopes, 25 anos, analista de experiência do consumidor
“Meu trabalho é híbrido: três dias na empresa e dois em casa. Os boomers colocavam trabalho no centro da vida. Temos outras prioridades. Quero viajar, ter lazer, conhecer culturas, saber um pouco de tudo. Comprar apartamento hoje nem passa pela cabeça. É caro. Prefiro viajar a juntar grana para um imóvel a ser pago em 40 anos. Ganho bem. Achei que receberia isso mais tarde, mas precisaria ganhar o dobro para ter o conforto que gostaria. A tecnologia dá a sensação de estar próxima dos amigos, mas sinto falta deles se fico muito tempo sem vê-los. Ela e a solidão tornaram minha geração mais ansiosa e depressiva. Não devo ter amigo que nunca tenha feito terapia, cogitado fazer ou procurado um psiquiatra. Sexo é parte complementar, não centro de tudo. Somos mais tranquilos em relação à aparência e auto-estima. Não busco a validação de sempre identificar alguém que queira transar comigo.”
O que quer e o que pensa a geração z
Eles são 2 bilhões, ou uma em cada quatro pessoas, no mundo
No Brasil somam 34 milhões, cerca de 16% da população
80% da população mundial entre 12 e 27 anos vive em países com economias emergentes, como o Brasil
“Não sou consumista, não tenho pressa, nem vou me matar para ter as coisas.”
Thiago Vaccaro, 26 anos, designer
“Considero-me integrante dessa frente mundial em defesa do meio ambiente. Jamais os efeitos negativos dos eventos climáticos extremos, frutos da irresponsabilidade do homem, estiveram tão nítidos. Outra questão importante, discutida com maior liberdade pela minha geração, é a de gênero. Temos mania de separar gay, trans, pan, assexuado e demais em gavetas. No início, isso teve importância, para identificar e defender as pessoas, mas hoje rotular dessa forma pode ser constrangedor e prejudicial. Fui criado no Morumbi, na Zona Sul de São Paulo. Sou filho de uma gerente de vendas e de um profissional de marketing. Moro sozinho, de aluguel, em Santa Cecília, na região central paulistana. Gosto de sair, conversar, namorar, me divertir, mas também passo longos momentos solitário. Gosto dos períodos de reflexão sozinho, mas tento tomar cuidado para não exagerar. Não sou consumista, não tenho pressa, nem vou me matar para ter as coisas, mas penso em poder fugir do aluguel comprando um apartamento.”
Vaticano abre caminho para primeiro Santo Millennial
Carlo Acutis, que morreu de leucemia aos 15 anos, teve dois milagres reconhecidos. O primeiro envolve menino brasileiro
A Geração Y, também chamada de Millennial, envolve os nascidos entre o início da década de 1980 e meados dos anos 1990. Cresceu em mundo marcado por recursos tecnológicos razoáveis e bons níveis de qualidade de vida, frutos de um período de prosperidade que fez seus integrantes buscarem independência e conquistas financeiras.
Agora, existe uma chance concreta de a Igreja Católica ter seu primeiro santo millennial. O Vaticano acaba de reconhecer o segundo milagre do beato Carlo Acutis, filho de italianos nascido em Londres, no Reino Unido, em maio de 1991, o que abre caminho para a canonização.
Devoto de Nossa Senhora, Acutis morreu aos 15 anos, de leucemia, em 12 de outubro de 2006, dia da santa. A notícia do reconhecimento bateu recordes na web em todo o mundo, inclusive entre os brasileiros. Ele é chamado de “Padroeiro da Internet” e “Influencer de Deus”.
Acutis foi beatificado em fevereiro de 2020, quando o Vaticano reconheceu seu primeiro milagre, que, segundo a Igreja, beneficiou um brasileiro.
● Após a morte, Marcelo Tenório, padre de uma paróquia de Campo Grande (MS), passou a expor uma roupa que teria sangue do beato. Um menino com doença grave teria tocado no tecido e se curado, de acordo com sua família. Foi o primeiro milagre reconhecido.
● O segundo foi o da cura de uma jovem chamada Valeria, de Costa Rica, logo após sua mãe ter visitado o local onde Acutis está enterrado, em Assis, na região da Umbria, no centro da Itália.