Comportamento

Paris vai virar a capital Hip-hop durante Olimpíada; veja por quê

Criado nos EUA, o movimento cultural logo fincou bandeira na periferia da capital francesa. Essa competição acrobática e radical estreia na França e quer provar ao mundo que deve ser respeitada como esporte olímpico

Crédito: Ryan Pierse

Breaking e hip-hop na Olimpíada: 16 b-boys e as 16 b-girls fazem encontro da arte com o esporte (Crédito: Ryan Pierse)

Por Denise Mirás

Considera-se que a cultura hip-hop nasceu em 1973, em festa armada no Bronx, distrito de Nova York, uma área marcada pela pobreza e violência. Logo se espalhou pelo mundo e foi parar nas ruas e palcos de bairros operários de Paris nos anos 1980, onde diversas formas artísticas de origem argelina, árabe e antilhana se misturavam à francesa. Meio século depois, um dos pilares desse universo, o breaking, fará a sua estreia na Olímpiada de Paris, com competições na Place de la Concorde em 9 e 10 de agosto.

Esse novo esporte tem suas peculiaridades, como as coreografias encenadas pelos competidores. Chamados de b-boys e b-girls, improvisam performances técnicas e criativas a cada round das “batalhas” desenvolvidas em cima da música escolhida de surpresa por um DJ.

Paris já recebia expatriados norte-americanos — de artistas a operários negros — na década de 1920, conhecida como “A Era do Jazz”, no período pós-Primeira Guerra Mundial.
Nos anos 1980, a capital francesa se rendeu a Kool Herc, DJ de origem jamaicana que esteve naquela festa do Bronx de 11 de agosto de 1973. Ele apresentava seu som como break (quebra), por conta das mudanças de ritmo radicais feitas com a mixagem de discos.
A moda urbana, criada a partir desse som, passou a ser chamada de breaking — o estilo deu origem ainda ao rap, abreviatura de rhythm and poetry (ritmo e poesia), com letras improvisadas.


B-boys e b-girls: o DJ escolhe a música e eles improvisam as coreografias (Crédito:Martin Lelievre)

“La culture des banlieues” (a cultura da periferia) fincou raízes na capital francesa, ganhando não apenas praças e escolas, mas também galerias e museus. Em três gerações, o hip-hop — com seus DJs, b-boys, b-girls e MCs (os apresentadores das batalhas) e o graffitti — foi se estendendo a outros países.

Agora retorna como uma das principais atrações dos Jogos Olímpicos de Paris.
 Como parte do programa, o hip-hop participa com o breaking e suas regras estabelecidas para os 16 b-boys e as 16 b-girls que fazem esse encontro da arte com o esporte.
Competidores se apresentam com saltos e giros, movimentos que precisam de técnica, força, criatividade e ritmo no acompanhamento da música escolhida pelo DJ. O objetivo é vencer as batalhas (em melhor-de-três rounds), com truques que garantam vaga na final.
Cada b-boy ou b-girl precisa demonstrar personalidade e estilo para os juízes, “contando uma história” a cada rodada, estrategicamente calculada em tempo (um minuto e meio cada, na média ) e manobras surpreendentes.

Criatividade e força

A performance parte do top rock, movimentos em pé, espécie de apresentação da própria personalidade do b-boy ou da b-girl. São manobras como o crossover step (passo lateral, cruzando os pés) e o outlaw two step (que emenda passos e saltos). A passagem para o down step (no chão) tem de ser fluída e mostrar originalidade nos drops (quedas) e transitions (transições).

Com apoio nas mãos, as séries de chutes e golpes com as pernas, e também giros sobre cabeça, mãos, cotovelos e ombros, precisam ser “limpas” (bem definidas). No terceiro elemento, o freeze (congelamento) — que normalmente finaliza a apresentação —, a parada é total, com o corpo equilibrado em posição acrobática. Os juízes levam em conta técnica, “vocabulário” (a variedade de movimentos), execução, musicalidade e originalidade.

“Tenho orgulho por levar o Brasil até a última disputa pela vaga olímpica.”
Leony Pinheiro, B-boy (abaixo)

(Divulgação)

O ranking de doze competições internacionais ao longo de 2023 apontou seis nomes. Mas a lista final com 16 b-boys e b-girls será definida no último qualificatório em Budapeste, na Hungria. Mais de 150 atletas de breaking, skate, escalada e BMX Freestyle são esperados no Parque Ludovika, entre 20 e 23 de junho, para a briga pelas últimas vagas nos Jogos Olímpicos de Paris.

Tem carimbó no breaking

Leony Pinheiro será o único representante brasileiro no qualificatório do breaking em Budapeste. A competição define as últimas dez vagas em competição para os Jogos de Paris. Como o quesito originalidade tem peso grande nas apresentações, o b-boy levará elementos do carimbó, dança típica de Belém do Pará, sua terra natal, e do techno-brega, para usar nas “batalhas”.

Com 1,65m, 70kg e ativo no breaking desde os onze anos, aos 28 ele “vivencia o mundo esportivo”.
Leony participou de 12 competições em 2023, valendo para o ranking olímpico.
O atleta brasileiro, que ocupa a 33a posição, acredita que não será fácil conquistar uma vaga para participar dos Jogos de Paris, mas para isso treina cerca de cinco horas diárias e pesquisa exaustivamente novos vídeos para incorporar ao seu repertório.