Abaixo os solteiros!

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Laira Vieira: "Em um mundo onde a possibilidade de se transformar em um animal é uma alternativa viável ao fracasso matrimonial, quem – ou o que – nós realmente queremos ser?" (Crédito: Divulgação)

Por Laira Vieira

Em uma sociedade distópica onde os solteiros são transformados em animais, se falharem em encontrar um parceiro, O Lagosta (2015) – disponível na Netflix – emerge como uma sátira sobre a sociedade que insiste que o significado da vida é casar e ter filhos, e também faz uma reflexão sobre as complexidades das relações humanas.

Nessa obra dirigida por Yorgos Lanthimos (Pobres Criaturas, A Favorita), somos apresentados à David (Colin Farrell), um homem divorciado obrigado a encontrar uma nova parceira em um hotel, onde os hóspedes têm 45 dias para encontrar um par ou enfrentar a metamorfose de se transformarem em um animal de sua escolha – no caso de David, uma lagosta. A sociedade retratada possui muitas regras, algumas hilárias – David decide fugir do hotel e conhece uma mulher míope (Rachel Weisz) por quem se apaixona, mas isso é contra as regras.

A narrativa se desenrola com uma mistura de nonsense e realidade distorcida, mergulhando nas normas sociais, narcisismo e na pressão para conformar-se aos padrões pré-estabelecidos da sociedade, bem nos padrões dos filmes de Yorgos Lanthimos.

A película reflete uma visão antagônica em relação aos solteiros, revelando preconceitos arraigados e expectativas sociais opressivas — essa crítica ilustra como a pressão para se enquadrar em normas arbitrárias pode ser sufocante, destacando a necessidade de questionar e desafiar tais convenções.

A filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre ecoa no contexto do filme, especialmente sua ideia de que “o homem está condenado a ser livre”, ou seja, somos responsáveis por nossas próprias escolhas e pela construção de nossa identidade. Da mesma forma, Albert Camus poderia argumentar que “a busca por significado em um mundo absurdo é central para a experiência humana”, reflete a jornada de David na trama — enquanto ele navega entre a conformidade social e a autenticidade pessoal.

Somos confrontados coma incerteza, a ambiguidade, e convidados a refletir sobre nossas próprias escolhas e valores. Em um mundo onde a possibilidade de se transformar em um animal é uma alternativa viável ao fracasso matrimonial, quem – ou o que – nós realmente queremos ser?

Talvez, como sugere a película, a resposta esteja além das aparências e convenções sociais, e reside na busca por autenticidade e liberdade. O Lagosta certamente oferece uma perspectiva única, fazendo o público refletir sobre suas próprias concepções de amor, felicidade, e o significado da vida.

É uma obra com humor sagaz e que leva à introspecção, que, sem dúvida, irá agradar aqueles dispostos a explorar os recantos mais profundos da condição humana – oferecendo uma experiência inesquecível, divertida, e talvez transformadora.