Brasil

Congresso corre para frear mau uso da Inteligência Artificial

Crédito:  Mateus Bonomi/AFP

Pacheco está preocupado com o avanço da IA: quer que projeto seja aprovado no primeiro semestre (Crédito: Mateus Bonomi/AFP)

Por Marcelo Moreira

 

RESUMO

• Senado analisa regras para impedir que a IA seja usada na produção de fake news durante a campanha eleitoral
• Intenção é aprovar projeto até 18 de junho e aplicá-lo nas eleições municipais

 

Senadores correm contra o tempo para votar um projeto de lei que regulamente o uso da inteligência artificial no Brasil, de preferência ainda neste primeiro semestre, para que possa ser aplicado já nas eleições municipais de outubro. Está em análise um texto de autoria de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, que manifestou preocupação extrema com o assunto em recente palestra no Instituto dos Advogados de São Paulo. “Vejo com muita preocupação a falta de regras para o uso dessa ferramenta, que pode ter impacto imenso nas eleições deste ano”, disse o senador. Ele advertiu que, se o Congresso não normatizar a legislação que imponha limites à IA, “o Poder Judiciário acabará fazendo as regras.”

O projeto tem a relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO), que apresentou um texto preliminar no fim de abril aos colegas. “Recebi muitas contribuições e estou avaliando o que podemos aproveitar para finalizar o texto e colocá-lo em votação. Espero que consigamos aprová-lo até 18 de junho e enviá-lo em seguida para a Câmara dos Deputados.”

Pacheco olha o calendário com menos otimismo. “Seria bom que o projeto estivesse aprovado por ambas as Casas ainda neste semestre, mas não conto muito com isso, pois creio que o texto não terá uma análise tão célere na Câmara. Cada Casa tem seus procedimentos.”

Há um certo incômodo no Senado pelo fato de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter assumido a dianteira e criado regras para punir o uso de “fake news” e o abuso da inteligência artificial.
O texto do TSE proíbe o uso de “deepfakes” (criação de vídeos realistas com o uso de inteligência artificial).
A ferramenta só poderá ser usada se ficar claro, nos comerciais da propaganda na TV, que o conteúdo foi gerado por esse recurso.
O abuso no uso da inteligência artificial acarretará na cassação do registro das candidaturas e do mandato eletivo de quem abusar do programa digital.
A empresa de tecnologia que fizer mau uso da IA também será punida.

O texto de Pacheco relatado por Gomes estabelece, entre outras coisas, o regramento para fiscalizar e coibir abusos com inteligência artificial, sobretudo no campo dos comerciais para a propaganda na TV.

Segundo Gomes, o projeto estabelece como diretriz “o respeito aos valores democráticos, à liberdade de expressão e o combate à discriminação”.

Ele cria, ainda, o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SAI), que ficará encarregado de comandar a estrutura de fiscalização do cumprimento da lei, especialmente quando a ferramenta for aplicada em “situações de alto risco e de forma disseminada”.

Laura Schertel Mendes foi a relatora do parecer que embasou o texto de Pacheco: avanços nas medidas propostas (Crédito:Divulgação )

Pareceres de juristas

O texto apresentado por Pacheco foi baseado no parecer elaborado por uma comissão de juristas e especialistas em processos digitais. A relatoria coube a uma das maiores autoridades no tema, Laura Schertel Mendes, que é presidente da Comissão de Direito Digital da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e professora da UnB (Universidade de Brasília).

Ela diz que uma das grandes preocupações no mundo hoje é sobre como as empresas que criaram a inteligência artificial generativa podem colaborar na elaboração de sistemas que façam a autenticação e a identificação dos conteúdos gerados pela ferramenta.

Outro ponto destacado pela especialista a respeito do texto analisado por Eduardo Gomes é a preocupação com a preservação dos direitos autorais de obras protegidas, além de prever uma maior flexibilidade na classificação dos riscos quando da identificação dos conteúdos originados de Inteligência artificial.

“Além disso, nós precisamos usar o que já temos, como a Lei Geral de Proteção de Dados e a própria Autoridade Nacional de Proteção de Dados. São recursos que certamente deverão nos orientar a trazer balizas mais concretas nas eleições municipais deste ano”, diz Laura Mendes.

“Do jeito que está, o Poder Judiciário acabará fazendo as regras.”
Rodrigo Pacheco, presidente do Senado

Especialistas no assunto veem com preocupação a demora do Congresso em criar legislação para regulamentar o assunto. “Considero que as leis atuais são insuficientes para que possamos combater com eficiência os processos de desinformação”, diz Leonardo Nascimento, pesquisador e coordenador do Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “A desinformação é uma questão de saúde pública em todo o mundo. Minha principal preocupação é quanto à criação de padrões de voz que podem perfeitamente simular a de qualquer um sem que a população tenha as ferramentas adequadas para diferenciar o que é verdadeiro e o que é falso.”

Solano de Camargo, presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-SP, destaca que a velocidade da tecnologia é um desafio para conter as fake news originadas de inteligência artificial. “É uma tecnologia nova e ainda estamos aprendendo a identificar como está sendo usada. Esses recursos proliferam e a tecnologia avançou para o áudio e o vídeo, e não só no texto, como foi na campanha de 2022. Em comunidades mais isoladas e menos informadas, o impacto é muito grande. O desafio é imenso.”