Brasil na rota das catástrofes: tragédia anunciada ou o novo normal? Analistas comentam
A tragédia no Rio Grande do Sul, ainda em curso, é mais um aviso de que o País precisa ignorar o negacionismo e investir em conhecimento científico e infraestrutura para prevenir os efeitos negativos dos eventos climáticos extremos, que atingem todo o planeta
Por Eduardo Marini e Luiz Cesar Pimentel
RESUMO
• Maior tragédia ambiental do Rio Grande do Sul pode ser prenúncio de eventos climáticos arrasadores em solo brasileiro
• Especialista considera possível que fenômeno seja sucedido por evento similar no Sudeste e o Centro-Oeste
• Inundações de proporções bíblicas deixaram mais de cem mortos e centenas de desaparecidos e desabrigados
• Destruição vai demandar esforços gigantes do governo federal, estadual, municípios e empresas para recuperar estado
• E forçar governo definitivamente a planejar o futuro com mais foco na prevenção contra a fúria do clima
Por Caos social, destruição, saques, roubos, danos profundos na infraestrutura, interrupções no funcionamento de serviços públicos essenciais, perspectiva de queda na produção de itens fundamentais. Mais de 100 mortes. Centenas de milhares de pessoas desalojadas. Poucas vezes na história do País uma tragédia deixou como rastro uma devastação tão ampla como se viu nos últimos dias no Rio Grande do Sul. Os estragos assumiram proporções bíblicas.
Na maior tragédia climática registrada no estado até então, em 1941, o nível do Lago Guaíba chegou a 4,76 metros, uma história passada de avós para filhos e netos. Foi a partir dessa enchente que as autoridades locais construíram 68 quilômetros de diques e 14 comportas para proteger Porto Alegre de futuras inundações, como a registrada agora.
Dessa vez, em apenas sete dias despencou sobre o estado um volume de água equivalente ao de cinco semanas de chuva na catástrofe anterior.
Suficiente para que o Guaíba ignorasse contenções e atingisse o nível recorde de 5,35 metros. “Uma verdadeira bomba atômica da natureza explodiu sobre o Rio Grande do Sul”, resumiu o vice-presidente do STF, o gaúcho Edson Fachin.
“Tínhamos a cheia de 1941 como o pior que poderia ter acontecido”, diz Estael Sias, da MetSul, mestre em meteorologia.
A meteorologista, mais uma entre os desabrigados – na sua casa, em Canoas, a água chegou a dois metros e meio de altura – faz uma previsão alarmante: o fenômeno tem forte chance de ser sucedido por um evento similar, capaz de romper o choque entre as bolhas de ar frio e quente que o causou, mas com a espingarda atmosférica apontada para Sudeste e o Centro-Oeste do País.
No segundo semestre, espera-se a ação do La Niña, fenômeno de resfriamento das águas do Oceano Pacífico, oposto ao atual El Niño, que aquece as águas superficiais na Linha do Equador e na metade alta do Brasil, causando chuvas intensas no Nordeste e estiagem, com seca, no Sul. “É o novo normal – e devemos encará-lo assim. Precisamos repensar gestão pública, riscos, prevenção e forma de nos preparar. Enfim, como vamos viver daqui para frente”.
A ironia feita da combinação de eventos climáticos extremos, negacionismo, inconsequência de parte da sociedade e falta de ação dos poderes públicos transformou Estael, a um só tempo, em especialista e vítima da maior tragédia ambiental da história de seu estado.
• Ela está entre os 164.583 desalojados pela enchente.
• As águas destruíram imóveis, carros, árvores, muros e o que mais estava à frente em 425 dos 497 municípios gaúchos, 85,5% do total.
• Há 107 mortes confirmadas, uma em investigação, 136 desaparecidos, 374 feridos e 67,5 mil em abrigos. Dos 11,3 milhões de habitantes do estado, 1,48 milhão foram afetados, de acordo com dados apurados até a tarde de quinta-feira (9).
Plano Marshall
Outro ponto preocupante: como se verá adiante, a tragédia ainda está em pleno curso (leia quadro).
• “Cidades inteiras deverão mudar de lugar”, insiste o ecólogo Marcelo Dutra da Silva, professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
• “O que aconteceu é um aviso: a Terra está cobrando”, destacou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
• “Os cálculos iniciais das nossas equipes técnicas indicam que serão necessários, pelo menos, R$ 19 bilhões para a reconstrução”, calcula o governador do estado, Eduardo Leite, que sugeriu um “novo Plano Marshall” (projeto americano de reconstrução da Europa após a Segunda Guerra, orçado em 13 bilhões de dólares em 1948) para recuperar o estado.
Após sobrevoar áreas atingidas, Lula garantiu que não faltarão recursos. Na manhã de quinta-feira (9), ao lado do presidente do STF, Luis Roberto Barroso, do presidente da Câmara, Arthur Lira, e de Lula, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um pacote de recuperação das empresas e de financiamentos, a juros subsidiados, para reconstrução de residências.
As medidas, disse Haddad, incluem antecipação de pagamento do Bolsa Família e auxílio gás, além de restituição do imposto de renda para moradores. Elas terão impacto de R$ 7,69 bilhões nos cofres do governo e deverão, nas contas do ministro, injetar pelo menos R$ 50 bilhões no estado.
Com a declaração de calamidade pública, o dinheiro a ser enviado ficará fora do crivo do arcabouço fiscal e do teto de gastos.
O governo gaúcho e a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, aguardam o retorno das águas aos níveis normais para constatar os danos e calcular o custo dos reparos.
Algum dinheiro começa, no entanto, a chegar. R$ 1,3 bilhão em emendas parlamentares foi destinado ao estado.
O governo liberou inicialmente R$ 185 milhões para recuperar encostas e o STF direcionou mais R$ 160 milhões de multas judiciais pagas por outros estados.
Em outra decisão, o presidente Lula e o ministro das Cidades, Jader Filho, anunciaram um repasse de R$ 1,7 bilhão para a recuperação de desastres naturais no País. Aos gaúchos caberão R$ 152 milhões dessa verba.
Diante da certeza do desembarque de muito dinheiro, o TCU está instalando procuradores no estado para fiscalizar a aplicação.
O governo autorizou a suspensão do pagamento mensal das parcelas da dívida do Rio Grande do Sul com a União, calculada em R$ 90 bilhões. O prazo ainda será definido, mas, se for de três anos, proposta mais forte, o estado poderá reter cerca de R$ 10 bilhões.
O estado é um dos maiores produtores de alimentos do País, como soja, arroz e produtos pecuários.
• Setenta por cento da produção nacional de arroz vem de solo gaúcho.
• Os brasileiros consomem dez milhões de toneladas do grão ao ano.
• Oitenta e três por cento da safra do estado foi colhida antes, mas, na área afetada, o índice é de 62%.
• Por isso, o governo autorizou a importação de até um milhão de toneladas, 10% do consumo anual, para evitar falta e especulação.
• Mas especialistas acreditam no aumento de preço do arroz e de outros produtos colhidos no estado, influindo nas taxas de inflação.
“Uma verdadeira bomba atômica da natureza explodiu sobre o Rio Grande do Sul.”
Ministro Edson Fachin, gaúcho, vice-presidente do STF
Saques e roubos
Outras ocorrências ajudam a dimensionar a desorganização social. As aulas nas escolas gaúchas estão suspensas por tempo indeterminado. Quatrocentas foram destruídas ou danificadas. Não há possibilidade de aula remota porque a maioria dos alunos sequer possui computador e os sinais de internet estão comprometidos.
Mercados são invadidos por pessoas em busca de comida e saqueadores, que também atuam assaltando casas de moradores levados para abrigos. Mais de 40 pessoas foram presas. Alimentos, água e produtos de limpeza estão em falta. Comerciantes vendem no máximo três garrafas d’água por pessoa. Fabricantes de bebidas interromperam a produção para oferecer água potável à população.
O resgate de pessoas é outro capítulo dramático. Uma mãe está à procura de uma filha de seis meses que caiu do bote enquanto era levada a um abrigo. A imagem de outro recém-nascido, resgatado pelo telhado por uma equipe de helicóptero, emocionou milhões de pessoas. Mães e pais ainda procuram menores resgatados antes deles e levados para abrigos.
Como se não bastassem todas essas dificuldades, a indústria irresponsável das fake news derrama bobagens aos montes nas redes sociais.
Entre outras falsidades, jogaram no ar que o helicóptero cedido pelo Uruguai para ajudar nos resgates foi recusado, o governador Leite autorizou o retorno às casas atingidas, os caminhões com donativos estão proibidos de rodar por falta de nota fiscal e o auxílio às vítimas é feito apenas por pessoas físicas e grupos privados, sem participação do poder público. Tolice pura.
Inundado, o aeroporto Salgado Filho, maior de Porto Alegre e do estado, está fechado por tempo indeterminado. Os militares liberaram a base aérea de Canoas para aviões com donativos e de empresas aéreas. A Marinha enviou o navio Atlântico, maior do País, ao litoral sul gaúcho. Ele é equipado com duas estações de tratamento de água e oito embarcações de médio e pequeno portes. Oito lanchas enviadas estão em uso.
Crônica de um desastre em construção
• A notícia de que o clima ficará cada vez mais propenso a gerar catástrofes não é nova.
• Apesar da resistência negacionista, existe há mais de duas décadas a convicção científica sobre os efeitos negativos do aumento da temperatura média global.
• Daí ter sido instituído, em 2015, o Acordo de Paris, compromisso entre países para limitar o aquecimento do planeta ao máximo de 1,5ºC até 2050, tendo como parâmetro a pré-Revolução Industrial (1850).
• Só que, na toada seguida pelo mundo na emissão de gases, 2050 chegará com acréscimo de 2,6ºC, o dobro do aumento até agora.
• O que leva os técnicos das Nações Unidas a apostar que o acordo será rompido.
• Até agora, os problemas climáticos causaram 14 bilhões de dólares (R$ 70 bilhões) de prejuízos ao mundo.
• A receita parece ter sido milimetricamente pensada para resultar em desastres ainda mais amplificados. “Estamos despreparados para alertar a população sobre a nova realidade. Nossa infra-estrutura é obsoleta. Quando brigamos com a natureza, sempre perdemos”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa de Políticas Climáticas.
Ainda não foi feito um estudo para determinar o quanto as mudanças interferiram na tragédia do Sul.
Mas dá para responsabilizar as alterações como as principais culpadas pela amplificação do El Niño, que causa chuvas no Sul e seca no Norte e Nordeste brasileiros.
• Águas oceânicas quentes causam maior evaporação e mais chuvas.
• Quando a atmosfera está aquecida, o vapor é retido e a umidade fica concentrada, levando a extremos.
• O El Niño ocorre em intervalos de cinco a sete anos.
• A versão atual é potente.
O ano de 2023 foi o mais quente desde o início das medições. Em agosto passado, a temperatura média marítima bateu recorde: 20,98ºC. A marca foi superada em fevereiro último, quando o observatório Copernicus registrou 21,06ºC. Os eventos fora do comum, causados pelo El Niño, se apresentam na primavera do primeiro ano (quando houve, no ano passado, enchentes no Sul, nove ondas de calor pelo País, sensação térmica acima de 60ºC no Rio, o pior temporal da história de São Paulo, seca na Amazônia e no Pantanal) e no outono do segundo ano. Justamente agora.
A catástrofe no Sul ocorre porque existe um bloqueio atmosférico gigante no centro do Brasil – uma bolha de ar seco, calor e alta pressão, que impede a formação de nuvens, a subida da corrente fria com chuva e a descida da umidade vinda da Amazônia.
Essa massa pode ser rompida por um fenômeno de igual intensidade, o que ainda não ocorreu. Mas é de se aguardar temporais a partir da segunda metade de maio, sobretudo no Sudeste e Centro-Oeste “Temos uma gangorra: quando seca aqui (no Sul) chove aí (no Sudeste)”, explica Estael.
Mas nem tudo é obra, causa ou consequência da natureza. O dedo humano está presente na ampliação da tragédia.
• A água que desce do céu se concentra especialmente em locais impermeabilizados pelo homem, ou em florestas e áreas nativas destruídas.
• O governador Leite assinou em 2019 um novo código ambiental, que amenizou ou eliminou 480 pontos de leis de proteção ao meio-ambiente no estado.
• A mudança mais polêmica afrouxou o licenciamento ambiental, criando a Licença por Adesão de Compromisso (LAC). A partir dela, o interessado emite um auto-licenciamento baseado unicamente numa declaração.
• No ano seguinte à LAC, houve um aumento de 150% no desmatamento no estado.
• E nos três primeiros, 17 milhões de metros quadrados, sobretudo de Mata Atlântica e Pampa, foram aniquilados.
“É um projeto destruidor. Prostitui a questão ambiental com uma liberalização infundada”, reagiu o então presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez.
Os alertas não soaram recentemente.
• Em 2014, a Presidência da República, então a cargo de Dilma Rousseff, encomendou o programa Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima.
• O relatório, feito por institutos respeitados, apontava cenários alarmantes para desastres climáticos, recursos hídricos, infra-estrutura urbana e costeira, agricultura, energia e transporte.
• A intenção era oferecer “prognósticos de impactos das mudanças climáticas futuras, no horizonte de 2040, para embasar a construção de estratégias de adaptação”.
Ele trata do que hoje se assiste: “O modelo regional tende a amplificar o sinal mais seco em praticamente todo o Brasil e tornar bem mais úmido o extremo sul do País, com aumento do nível de chuvas superior a 15%”, e também “elevação da frequência de eventos de cheia e inundações no Sul, e de seca nas regiões Norte-Nordeste”.
“O programa envolveu ministérios e agências públicas. Sete times de cientistas e a sociedade. Olhamos para cenários futuros e impactos”, diz Natalie Unterstell. “Ainda olham pelo retrovisor, para o clima que não existe mais. Não há como pensar em desenvolvimento sem resiliência”, completa.
Os prognósticos, que apontaram ainda para elevação do nível do mar, colapso de hidrelétricas, falta d’água no Sudeste e mortes por onda de calor, foram considerados dramáticos à época. O estudo foi para a gaveta, de onde não saiu.
Outra lição deixada pelo desastre de 1941 é a de que a água escoa e inunda cidades pelo caminho. A vazão do Guaíba é pela Lagoa dos Patos, com 265 km de extensão, que atravessam municípios como Rio Grande, São José do Norte e Pelotas, ameaçando causar o mesmo fenômeno visto em Eldorado do Sul, que teve mais de 90% de sua área submersa, com prejuízo para 95% da população. Por sinal, a água já atingiu o extremo sul do estado.
A pesquisa Earth Day 2024, da Ipsos, realizada em 33 países, mostra que 73% dos brasileiros são favoráveis a um esforço maior no combate às mudanças climáticas.
“Estamos aumentando emissões sem investimentos para lidar com os impactos. O resultado não tem como ser positivo. Mas há bons sinais de transição energética e experiências de adaptação no mundo. Precisamos ser humildes e aprender com os outros”, pontua Unterstell. Não há mais tempo a perder no aprendizado. Sob pena de se ter que amargar tragédias ainda piores.
Uma tragédia em curso
- O QUE CAUSOU
Uma massa de calor e pressão sobre o Sudeste e Centro-Oeste forma barreira para o ar úmido e concentrado do Sul. Com o choque das duas correntes, acontecem as fortes chuvas. - POR QUE INUNDOU TANTO
A chuva caiu sobre as cabeceiras dos rios Taquari, Caí e Jacuí. Em algumas cidades, desabou no período o volume de água esperado para seis meses. Em outras, 60% da média anual em apenas uma semana. Os três rios representam 91% do que recebe o Lago Guaíba. O grande volume de água aumentou a vazão de recepção do lago de 2 mil metros cúbicos para 25 mil metros cúbicos, o equivalente a 25 mil caixas d’água de mil litros, por segundo. - POR QUE DEMORARÁ A NORMALIZAR
O Guaíba deságua na Lagoa dos Patos por um caminho de cerca de dois quilômetros de largura, insuficiente para drenar tanta água em pouco tempo. A saída da Lagoa dos Patos para Oceano Atlântico é igualmente estreita, o que poderá contribuir para novos problemas climáticos se chover mais, como prevê a meteorologia. Especialistas acreditam que o lago voltará a quatro metros de nível, um metro acima do ponto de corte técnico de inundação, no mínimo, a partir de sábado (11). Isso se não voltar a chover na cabeceira dos rios. - POR QUE PODE ESTAR LONGE DE ACABAR
A meteorologia prevê mais chuvas na região nos próximos dias, com a chegada de frente fria e ventos de até 100 km/h. As temperaturas deverão cair drasticamente à noite – algo entre 5ºC e 11ºC na maioria das cidades. A chance de haver mais desabrigados e vítimas, inclusive por hipotermia, é grande.
UMA CIDADE ENTRE TRAGÉDIAS
Onze anos separam o incêndio da boate Kiss das perdas atuais em Santa Maria, no centro gaúcho
Melina Guterres, de Santa Maria e São João do Polêsine (RS), especial para ISTOÉ
Santa Maria, 300 mil habitantes, distante 291 km de Porto Alegre, foi palco, em onze anos, de duas tragédias: o incêndio da boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013, com saldo de 242 mortos, e a enchente. As chuvas ultrapassaram os 600 milímetros, deixando rastro de destruição. O município, que teve estado de calamidade decretado, registrou cinco mortes até agora. Onze pontes foram destruídas e 270 famílias estão desalojadas. A região foi a primeira fortemente atingida, o que levou o governador Eduardo Leite a se reunir com o presidente Lula, ministros e prefeitos na cidade.
A diarista Marilene Soares, 55 anos, mostra as marcas d’água no quarto. Em meio aos destroços estão fotos de Nathiele e Alan, filha e genro, vítimas fatais na Kiss. Ela toma medicação controlada desde as perdas. Pede apenas “saúde para manter-se viva”. Destaca que dias atrás a mãe de dois mortos no incêndio tirou a própria vida. Marilene diz que liga até hoje para o celular de Nathiele. “Se pudesse falar algo, diria: ‘volte para casa, filha’”.
À beira de um córrego do bairro Km3, muito atingido, a recicladora Edilene Silva, 19, revisita o que sobrou da casa em que moraria com o filho. “Perdi imóvel, carreta, tudo, como todos aqui”. Kátia Silva e Leandro Souza, ex-moradores do bairro, estão abrigados no Centro Desportivo Municipal, mesmo espaço usado para reconhecimento dos corpos na tragédia da Kiss. Perderam casa e, dizem, só deixarão o local quando for possível ter outra.
Em São João do Polêsine, próximo a Santa Maria, a aposentada Inarema Santos, 72, se abala ao rever pela primeira vez, soterrada, a casa em que viveu por mais de 50 anos. Amparado pelo filho, o taxista Luiz Perlin, 43, se emociona ao relembrar perdas recentes de familiares. “Estamos vivos, mãe!”, fala alto o filho, numa tentativa de consolo.
“Tragédias dessa magnitude, em sequência, tendem a adoecer pessoas e agravar a condição dos que já fazem tratamento psíquico”, avalia o psicanalista Volnei Dassoler, coordenador do Santa Maria Acolhe, da Secretaria de Saúde de Santa Maria, que atuou nos dois episódios. “O poder público precisa oferecer cuidado especializado nessas situações”.