Brasil

Municípios na penúria: rombo nas contas deve incendiar debate eleitoral; entenda

Descompasso entre arrecadação e despesas afeta metade das Prefeituras do País e será o principal desafio para os gestores que assumirão os cargos após as eleições. Déficit nas contas municipais chega a R$ 16,2 bilhões

Crédito: Gil Ferreira

Representantes dos prefeitos se reúnem com o ministro Padilha em busca de soluções para a crise financeira dos municípios (Crédito: Gil Ferreira)

Por Vasconcelo Quadros

RESUMO

• Déficit orçamentário chegou a 49% das 5.568 prefeituras do País no ano passado
• Pequenas, médias e grandes cidades foram atingidas
• Os maiores déficits estão São Paulo (R$ 11,8 bilhões), segundo Confederação Nacional dos Municípios
• Imbróglio entre governo e legislativo paralisa busca de soluções
• Senado e Câmara, em sessão conjunta, vão ouvir nesta segunda, 13, prefeitos, entidades municipalistas e especialistas
• A ideia é montar proposta com foco na desoneração da folha para levar ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad

 

Os pactos federativos e a Reforma Tributária não aliviaram a situação dos municípios brasileiros, que vivem uma nova crise fiscal motivada pelo descompasso entre receitas primárias e despesas puxadas especialmente pelos gastos com pessoal. Documento elaborado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), com base na Lei de Responsabilidade Fiscal, mostra que o déficit orçamentário, que era de 35% no primeiro ano da pandemia, em 2020, chegou a 49% das 5.568 Prefeituras no ano passado, atingindo, indistintamente, pequenas, médias e grandes cidades.

Na comparação entre 2015 e 2023, houve um acentuado desequilíbrio nas contas municipais que saíram de um superávit de R$ 94,8 bilhões para um déficit de R$ 16,2 bilhões no ano passado. O estudo aponta que o déficit nas contas atinge 48% dos pequenos municípios, 57% dos de porte médio e 56% dos que têm acima de 300 mil habitantes. O levantamento mostra que os cinco maiores déficits de 2023 por estado foram encontrados em municípios de:
São Paulo (R$ 11,8 bilhões),
Rio de Janeiro (R$ 2,2 bilhões),
Pará (R$ 1,5 bilhão),
Bahia (R$ 1,1 bilhão),
e Minas Gerais (R$ 812,5 milhões).

A penúria dos municípios é agravada pela crise envolvendo o governo federal e o Legislativo, que ainda não apontaram um caminho para resolver o imbróglio da desoneração, sancionada depois que Congresso derrubou o veto e promulgou uma nova lei, suspensa há duas semanas por decisão do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal por vícios de inconstitucionalidade.

O projeto original desonerou a folha de pagamento de 17 setores da economia, beneficiando também os municípios com até 142 mil habitantes, que podiam contar com uma redução de 20% para 8% da alíquota de contribuição previdenciária.

A reclamação generalizada levou o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, a marcar para segunda-feira 13 uma sessão conjunta com a Câmara para ouvir prefeitos, entidades municipalistas e especialistas para encontrar uma proposta que será encaminhada ao governo.

A pauta do evento, que ocorre em meio à calamidade que atinge o Rio Grande do Sul, será preenchida também por uma nova demanda dos municípios atingidos por catástrofes: os investimentos e ações de prevenção contra tragédias diante das mudanças climáticas que implicam aumento da temperatura do planeta e com as quais os gestores públicos terão de aprender a conviver.

Pacheco chegou a afirmar que os eventos no Sul impõem “medidas excepcionais e atípicas”, mas ressalvou que as ações legislativas emergenciais devem ser centralizadas.

Os esforços envolvem também a Câmara que, por meio da Frente Parlamentar Ambientalista, quer acelerar a discussão sobre um projeto assinado por seis deputados, o PL 4129/2, propondo diretrizes gerais para um plano de adaptação das cidades às mudanças climáticas, uma iniciativa que envolveria um novo pacto entre os estados e a União.

As consultorias da Câmara e Senado vão analisar em conjunto todas as propostas que tramitam no Congresso para separar o que é emergencial e o que pode ser analisado como alternativas do Legislativo diante das ameaças climáticas.

Uma das autoras do projeto, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), diz que as tragédias não são obra do acaso. “As mudanças climáticas são uma realidade. Precisamos nos adaptar e nos preparar para enfrentá-las”.

Pacheco recebeu, na segunda-feira 13, comitiva de prefeitos: eles querem a desoneração das folhas de pagamento (Crédito:Suamy Beydoun)

A preocupação mais imediata das entidades municipalistas é estancar a sangria da crise fiscal num ano de eleição, em que a dificuldade dos municípios se impõe como debate principal, diante um cenário nacional de polarização entre as duas principais forças políticas do país.

No início do ano, havia uma expectativa de que o presidente Lula e o ex-presidente Bolsonaro, como cabos eleitorais, dominassem o debate. Analistas avaliam que o confronto entre os dois, se ocorrer, será no segundo turno. No primeiro turno das eleições, os temas que ganharão importância nas campanhas deverão girar em torno de emprego, obras municipais, as transformações digitais que vêm impactando os serviços públicos em geral e os novos vetores para a economia.

Especialistas alertam que a nova fase do desenvolvimento econômico estará ligada a propostas que incorporem as novas tecnologias aos ambientes produtivos e as que criam empreendimentos baseados na digitalização. Isso, segundo os técnicos da CMN, exigirá novas leis, programa de adequação da infraestrutura de telecomunicações necessária em novos ambientes econômicos e planejamento urbano inteligente.

A pauta municipal se imporá e, com ela, ganharão destaque as propostas de superação do estado de penúria em que vivem os municípios.

O desequilíbrio nas contas é geral, mas o problema maior está nos municípios com até 50 mil habitantes.

O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, diz que esse é um dilema atual e um desafio para os futuros gestores. “Nosso estudo indica que as receitas são insuficientes em cidades de todos os portes populacionais e a crise se intensificou principalmente diante do aumento de despesas decorrentes do período pós-pandemia. O cenário é crítico e representa um alerta aos gestores que assumirão as prefeituras em janeiro de 2025”.

Os dados da CNM mostram que de 2022 para 2023, as despesas municipais totais cresceram 14,8%, puxadas pelos gastos com pessoal e encargos sociais, com incremento de R$ 114,3 bilhões.

A maior expansão, em termos absolutos, foi observada no custeio da máquina pública, que alcançou mais de R$ 48,9 bilhões em despesas com os prestadores de serviços, a locação de mão de obra (que incluem os serviços de vigilância, segurança patrimonial e limpeza) e a distribuição de material gratuito, como livros didáticos e medicamentos.

As despesas se elevaram em 13,2% no período, puxadas pelos reajustes salariais e pelo processo de admissão de novos servidores durante a pandemia.

Gastos com pessoal

Também contribuiu para a expansão do déficit fiscal o aumento de 25,3% do investimento público (R$ 15,5 bilhões), alavancados pela retomada de obras públicas e aquisição de maquinário.

Somente as despesas em Educação e Saúde, obrigações constitucionais, correspondem quase à metade da expansão dos gastos.

Junto com Urbanismo, Previdência Social e Administração, essas despesas chegam a 80% do custo ou R$ 88,9 bilhões do total de R$ 114,3 bilhões das despesas.

Os dispêndios com a Previdência Social cresceram 14,7% e incluem o recolhimento de INSS como o pagamento de inativos, o que pode ser agravado caso não se encontre uma alternativa ao impasse da desoneração da folha.

Outro dado preocupante revelado pelo estudo é que mais municípios passaram a se enquadrar nos limites de alertas sobre o comprometimento das receitas com os gastos com pessoal — que aumentaram de 11% em 2022, para 14% no ano passado. Em 2023, 691 unidades federativas estavam sob alerta da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Comparados com os municípios, os estados e o Distrito Federal terminaram 2023 com superávit de R$ 27,5 bilhões em caixa. A conclusão do levantamento da CNM é que o desequilíbrio, que reflete o crescimento das despesas sem a contrapartida no mesmo nível das receitas, não deverá ser solucionado em 2024 e se transformará no grande desafio dos gestores para os próximos anos.

Com as novas demandas de serviços de prevenção contra tragédias, a tendência é mais aumento de gastos para as prefeituras.

Diante da penúria dos municípios, a audiência de segunda-feira deve se encerrar com a elaboração de um documento que será entregue ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pedindo que as negociações com o Congresso sobre desoneração priorizem os mais de 5 mil municípios que seriam prejudicados caso se mantenha a decisão de suspender as desonerações das folhas.

O governo vem sinalizando que a decisão de Zanin, que já tem cinco votos a favor, e está suspensa por um pedido de vista do ministro Luiz Fux, será um ponto de partida para uma negociação que envolva o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Congresso e municípios.

Além de mexer para cima nas alíquotas dos descontos em folha dos 17 setores dos municípios, o governo quer um acordo que ponha fim às prorrogações da desoneração.

Haddad também terá de decidir uma outra reivindicação que agrava as finanças municipais: no início do ano, um grupo de prefeitos, liderado pelo secretário-geral da Frente Nacional de Prefeitos, Edinho Silva, de Araraquara, esteve com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em Brasília, para pedir que o governo adie por pelo menos dois anos a aplicação da nova formula de rateio do salário-educação.

Se a nova regra entrar em vigência este ano sem compensações do governo federal, cinco estados do Sul e Sudeste (RS, SC, PR, SP e RJ) sofrerão perdas equivalentes a R$ 3 bilhões.

Reforma Tributária favorecerá estados

Simplificação da carga tributária ampliará o PIB entre 10% a 20% e injetará mais recursos nos entes federativos

Presidente da Câmara garantiu a Fernando Haddad votar a Reforma Tributária até julho (Crédito:Ton Molina)

Ao entregar ao presidente da Câmara, Arthur Lira, as 300 páginas do Projeto de Lei que regulamenta a Reforma Tributária, há duas semanas, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse ter recebido do líder do Congresso a garantia de que a proposta será votada até o recesso parlamentar de julho.

Embora o ministro afirme que o texto reflete um consenso entre governo federal, estados e municípios, há sinais de que não é bem assim: os governadores do Consórcio Brasil Central, formado basicamente por adversários políticos do Palácio do Planalto, liderados por Ronaldo Caiado (Goiás), recusam o uso de algoritmo na arrecadação e distribuição automática dos recursos dos impostos e querem participar do controle do caixa.

Caiado chegou a afirmar que vai recorrer ao Senado para evitar a concentração excessiva de poder no governo sobre a lei geral que eliminará tributos e que serão concentrados no IVA (Imposto sobre Valor Agregado). “Somos geradores de impostos. Não cabe receber um prato feito da União”.

Haddad defende uma distribuição totalmente digital, afirmando que investimentos e exportações serão desonerados, e produtos de consumo não terão mais cumulatividade na cobrança de tributos. Ele prevê que, por simplificar a carga tributária, o novo sistema resultará num aumento entre 10% a 20% do PIB. “Não é pouca coisa”, disse Haddad.