Editorial

Os agentes do caos fiscal

Crédito: Evaristo Sa

Carlos José Marques: "Ostentando a condição de presidente do Senado, Rodrigo Pacheco não deixa dia em branco para o esporte preferido do momento: achincalhar a escolha oficial deste governo pela judicialização do tema" (Crédito: Evaristo Sa)

Por Carlos José Marques

O Brasil vive, desde sempre, situações bizarras. Todo mundo quer gastar, garantir o seu quinhão e reclama do Estado obeso, inchado, com déficits monumentais, quase impagáveis, por conta de um universo de demandas que, diga-se de passagem, não inclui apenas o pendor perdulário da tropa que está no comando. Não há quem não reclame da sanha arrecadatória da máquina, mas ninguém quer saber de onde vem o dinheiro para manter a sinecura do sistema — contanto que não saia do seu próprio bolso. Então fica assim: escolhe-se o alvo, em geral o mandatário da vez, e passa-se a jogar pedras nas decisões da figura, imputando-lhe a culpa pela confluência dos males. Sempre da mesma forma. Entra gestão, sai gestão, a “Geni” da vez vai conduzida ao devido cadafalso para as tertúlias de tortura. Não que esteja errado, mas como não arrolar demais coparticipantes da esbórnia em curso? Evidentemente, tratada com a sumária condenação do escolhido, a matilha de sedentos lobos da política rapidamente se alinha e trata de tirar o corpo fora, saboreando o martírio desse padecente — que, ressalte-se, também não possui direito de posar de vítima e normalmente atua de agente efetivo, protagonista, lógico, da patota no conluio dispendioso. Dito isso, tome-se o exemplo pontual das chamadas desonerações fiscais. Há um líder na campanha aberta em prol delas. Ostentando a condição de presidente do Senado, Rodrigo Pacheco não deixa dia em branco para o esporte preferido do momento: achincalhar a escolha oficial deste governo pela judicialização do tema. Até porque, tempos antes, o mesmo Pacheco estava na linha de frente do tratado e acelerou a pauta na plenária da Casa, almejando empurrar goela abaixo, a ferro e fogo, o ponto pacífico de uma medida que, se sabia na origem, era temporária e claramente demolidora da base arrecadatória. Inconcebível o buracão que gera, mas é óbvio: atende à generosa e poderosa parcela de uma patota empresarial, gente influente e que, noves fora, mira – como de natureza, legítima por sinal – o lucro, maior como der, nos meios que puder. Esses agentes da economia foram contemplados com a desoneração vantajosa em troca da promessa, não cumprida, de gerar mais empregos com parte do extra de recolhimentos não feitos. O elo não deu liga. A conta saiu salgada e o governo resolveu parar de cobrir a brincadeira. Salseiro dos grandes. Ninguém quer perder regalia. Benefício conquistado, benefício eternizado. Corre o lobby a reclamar direitos que a Lei, explicitamente, veta. Os prepostos de Lula foram às barras da Corte Suprema para fazer valer o escrito. Por lavada na votação, como tem de ser, vão saindo vitoriosos e Pacheco – tonitruando as vozes dos interessados – levanta o dedo para se dizer traído pelo governo ao qual antes apoiava. Vai o demiurgo de Garanhuns e molha a mão do parlamentar com mais emendas do recurso público para baixar a fervura e dissipar agruras. Ainda tem um meio termo na questão sendo negociado, um atalho, digamos. Na condição de bombeiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dá espaço à diplomacia. Fala que o diálogo com o Congresso “tem dado muito certo”, que não teme atritos, que tudo sairá bem. Está no papel de pacificador. Vai renegociar, ceder espaço em alguns pontos. A questão é que, efetivamente, as desonerações não possuem base legal. Estão fora do escopo e reforçam aquele mau hábito de sempre espetar um penduricalho a mais nas tetas já sem leite da União. Tá certo? Se a maioria concorda que sim, vale o encargo. O que não pode é o legislativo querer sair de bonzinho e irradiar reclamações de que o Executivo não cumpre com as metas e estourou o caixa. Quem está se lambuzando com um orçamento secreto sem fim até o mundo animal sabe. Deputados e senadores capturaram parte generosa dos recursos federais para usá-la a seu bel-prazer, em geral com nenhuma ou pouca transparência. E querem cada vez mais em um regime que já se consagrou na prática como semipresidencialismo, no qual o mandatário eleito divide com os congressistas também a ordenação fiscal do Estado. A folia corre solta. O combustível dos gastos aumenta a fogueira. Os agentes do caos fiscal estão por todos os lados. Que nenhum saia cinicamente de vítima. A fragilidade do Tesouro está evidente, não deveria autorizar relaxamentos monetários, mas falta ainda, lamentavelmente, um mecanismo de freios e contrapesos.