Comportamento

A loucura por tênis: mania, investimento, moda ou o quê?

Da prática esportiva à cultura punk, os tênis seguem há décadas como símbolos de grupos e períodos históricos. Culto ao calçado leva famosos e influenciadores a manterem coleções e à dedicação total ao universo

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Influenciadora Sarah Kamada: inspiração nas ruas e foco nas redes sociais contribuíram para a virada na carreira da artista (Crédito: Divulgação )

Por Ana Mosquera

Após se tornarem objeto de desejo, os tênis ganharam status de obras de arte e viraram até investimento. Há famosos, como Marcos Mion, com coleções que valem ouro – seu par mais caro é de um modelo que já chegou a ser leiloado por R$39 milhões – e influenciadores dedicados ao universo destrincham os sneakers, como são chamados, nas redes sociais. Elevando-os à categoria de arte, no livro GOD Save the Sneakers (Afluente), o artista visual Alê Jordão reúne textos e fotografias de calçados de coleção própria, customizados por ele e com intervenções em neon. A febre é tamanha que somente a apuração desta reportagem chegou a mais de 30 colecionadores, entre produtores de conteúdo e amadores.

O colecionador e criador de conteúdo Kayo Roberto começou a apreciar os calçados na adolescência, época em que suas condições financeiras não permitiam ir muito além dos falsificados. Vinte anos mais tarde, ele não vive da produção de conteúdo sobre o tema, mas dedica a ela duas horas por dia e tem 43 mil seguidores nas redes sociais, onde faz unboxing – registro em vídeos do ato de desembalar produtos – e resenhas dos principais modelos que compra e ganha.

Se no começo a escolha pelos sapatos era amadora, hoje reúne cerca de 80 exemplares, entre edições limitadas e colaborativas. “Eu oriento as pessoas a montarem uma coleção que caiba no orçamento delas.” Mais do que colecionar tênis, ele se empenha em reunir histórias: o SB Dunk Low, da skatista Rayssa Leal, e um modelo Vans x Disney, do personagem Scar, de O Rei Leão, são os favoritos do momento.

Apesar de ponderado, a loucura faz parte da paixão e, em 2021, chegou a pernoitar em um shopping para o relançamento de uma versão do Air Jordan, da Nike, marca com quem já realizou parcerias. Assim como para muitos sneakerheads, os adeptos da cultura urbana, seu amor pelo calçado acompanha a prática esportiva: fortalecida no skate, é no basquete e no tênis (o esporte) que mantém sua paixão aquecida. “É importante lembrar que a cultura sneaker vem deste universo e tem origem negra. Ela descende do basquete e do skate, muito representativo das periferias brasileiras.” Se a sneaker culture nasceu nas ruas, agora ela conecta pessoas no digital.

(André Lessa)

Da rua ao papel

A artista e influenciadora Sarah Kamada sempre foi fã de tênis, mas nunca imaginou trabalhar com produção de conteúdo sobre o assunto: no começo do ano, ela largou o emprego em uma agência de publicidade para se dedicar 100% ao seu perfil de 103 mil seguidores. “Eu não vejo o tênis como um produto, mas como uma narrativa. Ele está ligado à música, às artes.”

No Um Tênis Por Dia, ela publica suas ilustrações das peças, detalhando-as do material à história por trás de cada uma delas. Com cerca de 300 pares na coleção pessoal, foi ela a responsável pelas 200 ilustrações do livro SneakersBR: Os Primeiros 15 Anos, de Ricardo Nunes, criador do primeiro veículo a tratar do assunto em português: o SneakersBR, em 2007.

Antes de ganharem o papel, os tênis vão para as ruas, onde ela analisa performances e alimenta o processo criativo. “Não me abasteço só de tênis, sempre aprendi a abstrair. Aprender visualmente é muito mais fácil para mim, como em visitas a galerias e museus.” To sneaker significa “andar de modo silencioso”. Nada como um bom (e novo) tênis para percorrer a cidade.