Brasil

Fábrica de falências

Empresas que atuam como administradoras de recuperações judiciais de indústrias no interior de São Paulo estão forçando os empreendimentos empresariais a falir para depois comercializar seus ativos e, do fruto das vendas, receberem até 5% de honorários da massa falida

Crédito: Divulgação

Um grupo de indústrias do interior de São Paulo acaba de divulgar um relatório para comprovar que a Brasil Trustee Administradora Judicial e outras empresas da área de consultoria empresarial associadas a ela, adota um padrão de conduta que objetiva asfixiar os grupos empresariais em recuperação judicial que estão sob sua gestão, causando-lhes prejuízos irreparáveis ao ponto de elas não conseguirem sair da crise e acabarem falindo. O plano da Administradora Judicial é negociar, em seguida, os bens das empresas quebradas por 5% da massa falida. Uma das empresas vítimas desse processo foi uma grande agropecuária e produtora de leite, mas há também o caso de uma cervejaria, uma indústria de motores e até um pequeno banco de investimentos.

Segundo o documento, os métodos de atuação da Brasil Trustee Administração Judicial são sempre similares. A empresa cria incidentes sigilosos para destituir os administradores da empresa em recuperação judicial que ela administra por decisão da Justiça, indicando gestores de sua confiança, revogando as procurações dos advogados da empresa em recuperação para impedir que ela faça sua defesa adequada, conduzindo-as à falência. “O objetivo é vender as empresas quebradas para investidores ou mesmo liquidar seus ativos”, disse uma fonte à qual ISTOÉ teve acesso.

Durante esse processo, a Brasil Trustee cobra honorários elevados até a conclusão do processo de falência. “A administradora judicial apresenta propostas de honorários abusivos e, quando questionada pelos devedores ou pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, atrasa ao máximo o processo da recuperação judicial, inclusive procrastinando a realização da Assembleia Geral de Credores”, explicou a fonte.

Grupos empresariais em recuperação acusam escritórios de gestão judicial de lhes causar prejuízos irreparáveis

Como o processo da recuperação judicial é sigiloso, a Brasil Trustee inicia ações paralelas para investigar possíveis irregularidades da empresa em recuperação e, diante de qualquer mera suspeita que ela levanta, pede o afastamento dos administradores para a nomeação de seus parceiros como gestores judiciais. Entre outras associadas envolvidas nos processos irregulares conduzidos pela Brasil Trustee estão empresas como a FK Consulting Pro Consultoria Empresarial Ltda, a Neaime Capital Apoio Administrativo Ltda (B2Grow) e o escritório de advocacia Delazari, Berni e Iatarola.

Ao assumir a gestão por via judicial, a Brasil Trustee substitui imediatamente os advogados da empresa em recuperação pelos seus departamentos jurídicos, mesmo sem aval judicial, criando empecilhos processuais para a recuperanda se defender, em evidente conflito de interesses e falta de imparcialidade do departamento jurídico que atua apenas em benefício do gestor.

De acordo com o documento, “a reiterada indicação da FK ou da B2Grow como gestores judiciais causa danos às empresas em recuperação, que arcam com elevados honorários, contratações sem critérios, reajustes abusivos, falta de transparência e até falências indevidas. A postura da Administradora Judicial passa a ser de conivência com o gestor, que não comprova gastos e nem justifica os seus atos”, completa a fonte de ISTOÉ.

Justiça morosa

Durante o processo da recuperação, a Administradora Judicial compromete a sobrevivência das empresas em crise financeira. Enquanto elas aguardam a Justiça para determinar o processo de recuperação, essas empresas enfrentam grandes perdas financeiras e comerciais, agravadas pela morosidade do Judiciário. “Isso é comparável a uma pessoa sendo asfixiada: se o socorro demorar, mesmo que não haja morte, as consequências serão danos cerebrais irreversíveis”, diz a denúncia recebida por ISTOÉ, que aponta os métodos de atuação praticados pela Brasil Trustee.

Como exemplo de condutas suspeitas, o documento mostra que, em outubro de 2022, chegou à Justiça de São Paulo um processo para a recuperação judicial do Banco Daycoval, que tinha como representantes legais a Brasil Trustee, que era também credora do banco, o que apontaria para conflito de interesses. “Não apenas as movimentações processuais geram surpresas e o manifesto conluio entre a administradora judicial e o gestor judicial, que sempre chega ao processo após a Brasil Trustee ‘cavar’ o afastamento dos sócios, como também situações periféricas que podem ser mapeadas nos processos que envolvem as partes em questão”, explica o relatório.

Outro caso é o da recuperação judicial da J Rufinus’s Diesel Ltda. Após a empresa requerer a recuperação, a juíza substituiu o Administrador Judicial, nomeando a Brasil Trustee e a FK Consulting.Pro, decretando a falência da indústria de motores. Porém, curiosamente, a Brasil Trustee e a FK estavam envolvidas na recuperação judicial também da Embrac Transportes, o que aconteceu após o gestor judicial ter pactuado um contrato de locação de veículos com garantia de um imóvel estimado em R$ 14 milhões, sem sequer ter sido publicado o edital para convocar outros interessados na operação. “Assim, a empresa que iniciou o debate não é neutra e desconhecida do gestor judicial. Essa situação é objeto de investigação em incidente de suspeição.”

O trabalho desempenhado pelo FK Consulting.Pro como gestor judicial é, no mínimo, “duvidoso”. “Existem situações graves relatadas nos processos em que o mesmo figura na condição de gestor, demonstrando inabilidade na atividade empresarial, a qual não é questionada pela administradora Judicial, no caso a Brasil Trustee”, exemplifica o relatório. Isso aconteceu ainda no caso da recuperação judicial da Agropecuária Tuiuti, que chegou a falir, mas conseguiu a volta à condição de empresa em recuperação. Nesse caso, segundo o relatório, existem relatos de assédio moral com os funcionários da empresa.

No caso da recuperação judicial da J Rufinu’s Diesel Ltda, os administradores judiciais chegaram a demitir um grande grupo de funcionários de longa data na empresa, sem justa causa, tendo um deles sofrido coação e assédio moral. Na recuperação judicial da LDA Sumapeças, um trabalhador teria morrido depois que a administradora demitiu o engenheiro responsável pela segurança no trabalho.
No caso da falência da Cervejaria Malta, o gestor judicial chegou a vender todos os ativos da empresa, mas antes deu um imóvel como garantia para obter crédito no mercado.

Ao final do relatório, as empresas prejudicadas pedem que a Justiça investigue a Brasil Trustee Administradora Judicial, “a fim de se averiguar os reais interesses dos envolvidos e estancar a conduta abusiva com que vêm atuando em diversas varas cíveis do interior de São Paulo”. Para as empresas, “a prática atual gera muita instabilidade aos negócios, uma vez que a ausência da observância ao rito da lei deixa o devedor sem saber quando um pedido de recuperação judicial pode ser transformado em falência, ou de um credor que pode ser surpreendido com um decreto de quebra de uma empresa que muitas vezes tem tudo para se recuperar”. É a chamada insegurança jurídica.