Comportamento

Educação pública: no Brasil, a exceção virou regra; entenda

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Aumento do número de professores temporários no Brasil evidencia ainda mais o problema na rede pública (Crédito: Divulgação )

Por Mirela Luiz

RESUMO

• Estudo do instituto Todos pela Educação mostra dados alarmantes sobre as redes estaduais
• Professores temporários deveriam ser exceções nas redes públicas de ensino, mas a situação é inversa.
• A quantidade de docentes dessa categoria nos últimos dois anos superou o número de efetivos

A urgência de políticas públicas para a qualidade da educação faz dos professores temporários um desafio para a estabilidade e qualidade da educação pública do País. Uma pesquisa realizada pelo instituto Todos pela Educação revelou dados alarmantes sobre a situação dos professores da categoria nas redes estaduais de ensino. Contrariando a ideia de que esses profissionais deveriam ser uma exceção, o estudo apontou que desde 2022, o número tem sido maior do que o de concursados, e 43,6% deles atuam há pelo menos 11 anos na profissão.

Para Gabriel Lopes, doutor em Educação e presidente da Logos University International (UniLogos), a redução no número de professores efetivos concursados tem ocorrido por vários motivos, incluindo:
limitações fiscais que impedem os estados de aumentar a folha de pagamento permanente,
a flexibilidade administrativa que os contratos temporários oferecem.

“Além disso, o intervalo entre concursos públicos, que ocorrem em média a cada seis anos, contribui para a escassez de efetivos”, avalia.

Vera Jerônimo, diretora aposentada, vê falhas no processo de contratação dos professores das redes estaduais (Crédito:Divulgação )

Em 2023, as redes estaduais contavam com 356 mil temporários, o que representa aumento de 55% em uma década. Enquanto isso, o número de efetivos diminuiu 36% no mesmo período, chegando a 321 mil. E o cenário é ainda mais alarmante porque a precarização se estende para a rede municipal, principalmente da cidade de São Paulo.

De acordo com Margarida Genofre, vice-presidente do Sindicato dos Professores e Funcionários Municipais de São Paulo (APROFEM), nos últimos anos as administrações têm optado por terceirizar os serviços oferecidos pela municipalidade. “De início, havia a justificativa para a iniciativa em função da elevada demanda. Mas o que era para ser emergencial passou a ser a regra. Atualmente, a rede ‘Parceira’ já tem muito mais unidades do que a rede Direta”, afirma.

Rotatividade

Essa situação gera uma série de consequências negativas para a educação pública.

Outro desafio apontado pelo estudo é o tempo de contratação dos temporários, que em algumas redes estaduais é de apenas 24 meses. A rotatividade compromete a estabilidade do corpo docente, dificultando a continuidade de projetos pedagógicos e afetando a aprendizagem dos estudantes.

“Esse tipo de contrato precário acarreta uma rotatividade de professores a cada ano, pois sua sede de exercício é de acordo com o ano letivo e sempre depende da atribuição de aulas, então nem sempre o professor consegue ficar na mesma escola todo ano”, explica Vera Jerônimo, diretora recém-aposentada do Estado de São Paulo.

Isso significa que os docentes precisam passar por um processo constante de seleção a cada dois anos, muitas vezes sem remuneração entre os contratos.

A implementação de contratos mais longos, com avaliações de desempenho anuais, pode ser uma alternativa mais interessante para garantir estabilidade e qualidade mínima no sistema educacional. “Para a escola, esse tipo de contratação também é prejudicial, pois não consegue manter um corpo docente estável, tendo que a cada ano ofertar formação para professores diferentes, o que ocasiona um déficit no seu projeto pedagógico, consequentemente afetando a aprendizagem dos estudantes”, completa Vera, que atuou na rede estadual por 34 anos.

Além disso, proporcionalmente, os professores temporários possuem menor escolaridade em comparação aos efetivos.
Em 2020, 93,5% deles possuíam curso superior, enquanto essa proporção era de 98,8% entre os fixos.
Já a proporção dos primeiros com pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado) em 2020 era de 40,5%. Entre os efetivos, essa proporção era de 56,7%.

“É importante investir na qualificação da profissão docente, melhorando salários, formação inicial, carga horária de formação e vínculo empregatício. Pesquisas mostram que a qualidade da prática pedagógica é o fator que mais impacta na aprendizagem dos estudantes. Portanto, é fundamental garantir que sejam bem preparados, motivados e com boas condições de trabalho. Além disso, ainda existem problemas na formação inicial de professores, tanto nos cursos presenciais quanto à distância”, destaca Ivan Gontijo, gerente de políticas educacionais do Todos pela Educação.

Problema geral

A evolução dos quadros de professores efetivos e temporários nas Unidades Federativas (UF) brasileiras ao longo da última década apresentou disparidades significativas. Em cerca de 60% das UFs, houve aumento no quadro de temporários e redução no quadro efetivo.

Essa realidade traz à tona a importância de uma atenção redobrada à qualidade dos processos seletivos utilizados nessas contratações. “Ao analisar os critérios empregados nas seleções, é possível observar uma fragilidade no que diz respeito à qualidade dos processos seletivos. Provas teóricas e práticas são pouco frequentes e critérios de ações afirmativas muitas vezes são desconsiderados”, descreve Gontijo.

“Se não forem realizados novos concursos públicos, é provável que se intensifique a redução da quantidade de professores efetivos”, diz Ivan Gontijo, gerente de políticas educacionais, Todos pela Educação

A precarização da educação pública no Brasil é um problema multifacetado, refletido em infraestrutura inadequada, baixos salários para professores e desigualdades no acesso à educação de qualidade.

Isso leva ao baixo desempenho dos alunos, ao aumento da evasão escolar e à perpetuação das desigualdades sociais.

“O estudo destaca a alta insegurança e falta de reconhecimento para esses profissionais, além de prejudicar o processo de ensino e aprendizagem do país”, destaca Juliana Chagas, diretora da Faculdade de Educação Paulistana (FAEP).

Outro ponto a ser destacado é o envelhecimento do quadro docente, em ambos os casos, ao longo dos anos na rede estadual.
Segundo o Todos pela Educação, a média de idade dos professores temporários passou de 36 anos em 2011 para 40 anos em 2020.
No mesmo período, entre os professores efetivos, a média de idade passou de 43 para 46 anos.
Em 2020, foi constatado que 35,9% dos fixos possuíam mais de 50 anos.

“Se as redes de ensino não adotarem a realização de novos concursos públicos, é provável que ocorra uma intensificação no movimento de redução da quantidade de professores nos anos seguintes, prejudicando cada vez mais o futuro da educação brasileira”, avalia o executivo do instituto.

Formação à distância está em debate

Maioria dos estudantes matriculados em pedagogia cursam EAD (Crédito:Divulgação )

A formação de professores à distância tem gerado preocupações e debates. Cerca de 40% dos estudantes de pedagogia optam por essa modalidade, assistindo às aulas online e comparecendo à faculdade apenas para realizar provas. No entanto, a falta de experiência prática dos professores formados assim tem sido uma grande preocupação.

O Ministério da Educação (MEC) está respondendo a essas preocupações por meio de iniciativas como a revisão das diretrizes dos cursos e a criação de uma nova política nacional de formação docente.

“Essas medidas indicam um esforço do governo em melhorar a qualidade da formação dos professores”, diz o professor Antonio Muniz.

Para o professor de MBA da FGV Kenneth Corrêa é importante garantir uma carga horária presencial mínima obrigatória para os professores de licenciatura, “o que é considerado uma combinação adequada para uma formação de qualidade”.

O ensino à distância é a modalidade mais procurada, com um crescimento de 17% nas matrículas em 2023, enquanto o ensino presencial teve um crescimento inferior a 3%.