Um casamento no Rio de Janeiro

Crédito: Divulgação

Felipe Machado: "Foi quando um anjo torto, desses que vivem na sombra, disse: vai, Felipe, ser gauche na vida. Pedi licença ao cantor e assumi o piano" (Crédito: Divulgação)

Por Felipe Machado

Não existe no mundo um lugar como o Rio de Janeiro. No fim de semana, eu e minha mulher fomos convidados para um casamento na cidade. Os noivos vieram de longe, vivem em Nova York. Ele é paulista, executivo de uma Big Tech; ela é modelo, russa, nascida na fronteira com a Ucrânia. Se conheceram por um aplicativo de relacionamentos e, apaixonados, decidiram se casar.

Planejaram a cerimônia em Nova York, mas a burocracia americana dificultou os vistos da família dela. A Rússia estava fora de cogitação. Optaram pelo Rio de Janeiro, onde já haviam visitado juntos. Escolheram então um lugar de sonhos: o Morro de Santa Teresa, com vista para o Pão de Açúcar e a baía de Guanabara. Ao pôr do sol do outono, quando a luz pinta o horizonte de cores ainda mais perfeitas. No caminho para Santa Teresa, os trilhos demonstravam que o futuro ainda está longe. Já o bonde, que passava cheio de pernas brancas, pretas e amarelas, me lembrou Drummond. Para que tanta perna, meu Deus?

Lá de cima, o Rio é a cidade mais linda do mundo. A tarde era azul, apesar de tantos desejos. Mas no momento em que a noiva disse ‘sim’, a notícia apitou no meu celular: lá embaixo, na realidade, Rosimely Martins, de 55 anos, era vítima de uma bala perdida. Do alto de Santa Teresa, dava para ver os pássaros voando ao redor do Cristo Redentor.

Uma coisa me chamou a atenção: russos e ucranianos confraternizando entre si. Foi quase impossível imaginar que seus países estavam em guerra

Era fácil reconhecer os estrangeiros. Russos e ucranianos compartilham os costumes e a cultura, com pequenas diferenças. Em seu idioma, com tradução, o pai da noiva confessou sua emoção por casar a filha em um lugar tão lindo. Imaginei como aquele visual era exótico para ele. Mas foi outra coisa que chamou a minha atenção: o carinho com que russos e ucranianos confraternizavam entre si, dançando e sorrindo. Era quase impossível imaginar que seus países estavam em guerra.

Foi quando um anjo torto, desses que vivem na sombra, disse: vai, Felipe, ser gauche na vida. Pedi licença ao cantor e assumi o piano. Disse que estava feliz por estar ali, celebrando um brasileiro e uma russa, moradores de Nova York, declarando amor eterno em pleno Rio de Janeiro. E emendei uma versão de “We Are the World”, acompanhada por todos — até pelo pai da noiva, que, sem falar inglês, cantarolou desafinado a melodia.

O sol se pôs. Ali não havia guerra, não havia bala perdida. Naquele momento, nós éramos o mundo — ou pelo menos o que o mundo poderia ser. E eu não devia dizer, mas aquela lua, aquele vinho, me botaram comovido como o diabo.