Reforma tributária: será que agora vai?
Depois de grande demora, Haddad entregou a primeira parte das regras da Reforma Tributária à Câmara com a previsão de uma alíquota de 26,5% do imposto sobre o consumo (IVA), que será uma das mais altas do mundo

Haddad foi pessoalmente à Câmara entregar a regulamentação da Reforma Tributária para demonstrar a força do governo (Crédito: Brenno Carvalho)
Por Marcelo Moreira
RESUMO
• Lula mandou Haddad pessoalmente entregar a Lira o calhamaço que normatiza a Reforma Tributária
• A ideia era aplacar a ira do presidente da Câmara com a “inoperância” do governo
• No entanto, poucos acreditam que, pela complexidade do texto, o tema seja aprovado ainda neste semestre
Era para ter sido de modo mais solene, mas o governo Lula tinha urgência para entregar a regulamentação da Reforma Tributária à Câmara e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) dispensou as formalidades para levar diretamente ao presidente da Câmara, Arthur Lira, na noite de quarta-feira, 24, o documento com 300 páginas e mais de 500 artigos. Eles irão normatizar a reforma aprovada no ano passado e que substituirá o atual emaranhado de legislações tributárias, que nos fez, durante décadas, operar dentro de um “manicômio fiscal”, com impostos confusos e causadores do baixo desenvolvimento brasileiro.
Pela proposta entregue ao Congresso, no entanto, o Brasil pode ter uma alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de 25,7% a 27,3%, o que dá uma média de 26,5%. Esse valor colocaria o Brasil como um dos países com um dos maiores IVAs do mundo, a depender das concessões que podem vir a ser feitas pelos parlamentares.
A forma mais direta, sem formalidades, adotada por Haddad para procurar Lira, traz um simbolismo de que as relações institucionais entre os poderes entrarão em uma nova fase.
• Autorizado por Lula, Haddad entregou pessoalmente o documento ao presidente da Câmara e pretende representar uma virada nas relações entre Executivo e legislativo marcadas por turbulências nos últimos meses.
• A demora no envio dos textos da reforma foi um dos pontos de atrito evidenciados por Lira nas negociações com o Palácio do Planalto.
• O presidente da Câmara chegou a reclamar pessoalmente com Lula de que a regulamentação da reforma estava atrasando demasiadamente e que isso seria prejudicial para a aprovação das mudanças.
• O parlamentar temia que a votação do texto não tivesse início ainda neste primeiro semestre e que sofresse atrasos ainda maiores em razão do período eleitoral no segundo semestre, com o risco da reforma fosse regulamentada apenas no início do ano que vem, com graves prejuízos para a economia.
• Lideranças parlamentares que apoiam o governo acreditam que com o envio da regulamentação haverá o arrefecimento das tensões e que os ataques de Lira à articulação política do Executivo possam diminuir.
Segundo maior IVA
Acompanhando Haddad na entrega do complexo texto da regulamentação da reforma, o secretário-extraordinário do Ministério da Fazenda para a Reforma Tributária, Bernard Appy, disse que a alíquota média dos tributos do IVA brasileiro está estimada em 26,5%.
O IVA vai substituir cinco tributos cobrados sobre o consumo e, se a alíquota sugerida for mantida, será, dentro da modalidade, um dos mais altos do mundo, na comparação com 174 países que adotam o modelo.
• A taxa média mundial de IVA é de aproximadamente 15%.
• A Hungria tem o maior índice, de 27%.
• Se a Câmara aprovar a alíquota de 26,5%, o Brasil terá a segunda maior taxa, na frente da Dinamarca, Suécia e Noruega, que cobram 25%.
• Itália, Espanha e Portugal aplicam entre 21% e 23%.
“A estimativa é muito próxima do que tínhamos antes. A referência é a média, mas a expectativa é que seja ainda menor da estimativa”, declarou Appy na Câmara.
Lula esperou Haddad voltar do exterior para liderar a finalização dos textos da regulamentação da reforma. O presidente queria que o ministro de maior envergadura de seu ministério para enviar pessoalmente o documento ao inquieto presidente da Câmara.
Em reunião com ministros na terça-feira, 23, Lula fez cobranças e exortou Haddad a participar mais das articulações com os parlamentares, recomendando que o ministro, “ao invés de ler um livro, perdesse algumas horas conversando no Senado e na Câmara”.
Especificamente sobre a regulamentação, o presidente entendia que o importante era aplacar a zanga de Lira e mostrar que não havia motivos para queixas.
Apesar do aceno ao Parlamento, Lula deu um recado a Lira em conversa com jornalistas durante café da manhã nesta semana. “Sabemos que o texto será modificado na Câmara. O ideal é que houvesse a indicação do mesmo relator que fez a Reforma Tributária para evitar ruídos.”
Esta primeira parte da regulamentação também tem um simbolismo político no que se refere à questão eleitoral deste ano. Mostrou que o governo teve agilidade para tratar de temas complexos mesmo com um calendário apertado e com as turbulências nas relações com a Câmara.
Poucos acreditam que, pelo volume de informações e pela complexidade do texto, o tema seja aprovado ainda neste semestre. Entretanto, é uma maneira de desarmar os espíritos críticos e retirar munição de quem insistir em destacar a “inoperância” do Palácio do Planalto e a “incompetência” de sua articulação política, como esbravejou recentemente Lira ao se referir a Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais e responsável pelas negociações mais delicadas.
Em entrevista ao jornalista Pedro Bial, da TV Globo, Lira se desculpou por ter atacado Padilha, mas frisou que o que “foi dito, foi dito”.
Antes de entregar o calhamaço à Câmara, Haddad quis exaltar o que considerou um esforço “hercúleo” de seu ministério e da Casa Civil para entregar o pacote. “É uma pequena revolução tributária o que está acontecendo, mais do que uma reforma.”
Na mesma linha seguiu Bernard Appy. Um dos grandes méritos do texto, segundo ele, foi conjugar diversos interesses e necessidades. “Não teria sentido fazer uma proposta do governo sem considerar os estados e municípios. Nesse processo, buscamos ouvir também o setor privado. Seria o ideal colocá-los em consulta pública, mas o prazo do Congresso acabou virando uma limitação”.